sábado, 5 de setembro de 2015

PAULO EIRÓ (1836-1871)


Paulo Emilio de Sales Chagas Eiró nasceu na Vila de Santo Amaro, São Paulo, e em 1871 fez os estudos primários com o pai, que era professor; posteriormente estudou na Escola Normal, entre 1851 e 1855. Iniciou o curso de Direito em 1859, mas precisou abandoná-lo por motivo de doença. Em seguida fez estudos no Seminário Episcopal, não concluídos por falta de vocação. Em 1854 ocorreu a estreia de suas comédias Traficante de Escravos, Chegamos Tarde... e Terça-Feira de Entrudo, em teatro improvisado na escola da Rua Direita, onde seu pai lecionava. Substituiu o pai, como professor, no período de 1855 a 1864. Em 1859 participou no concurso promovido pelo Conservatório Dramático Paulistano com a peça abolicionista Sangue Limpo. Publicou, em 1861, o poema Madressilvas no Correio Mercantil. No mesmo ano, ocorreu a representação da peça Sangue Limpo, no Teatro São Paulo, por ocasião do 36 º aniversário de D. Pedro II. Ainda em 1861, publicou a novela Carolina e os poemas Amor, Violeta, Vox in Excelso e Nenia, no Correio Paulistano. Seus poemas, que filiam-se à segunda geração do Romantismo, foram reunidos em livro na obra póstuma Poesias, lançada em 1940. Sobre sua obra, afirmou José Paulo Paes: "da extensa produção poética de Paulo Eiró, que quase nada publicou em vida, só chegaram até nós 190 poemas (...). Neles, Paulo Eiró se revela epígono da segunda geração romântica; é facilmente rastreável a influência de Álvares de Azevedo no tom de desalento e pessimismo de numerosos poemas. Já não o é, porém, nos versos de inspiração religiosa, ou nos de tema histórico e político, cuja eloquência cantante, de raiz hugoana (...), antecipa o Condoreirismo."









Soneto II


Quando, c'os olhos míopes, eu sigo
Esta vida que sempre nos ilude,
Como a dama, ao passar um ataúde,
Tenho ataques de nervos, meu amigo.

Logo ao nascer, arrancam-nos o umbigo;
Depois, a vara inspira-nos virtude,
E, ao amor dedicando a juventude,
Pomos as nossas costas em perigo.

Casamos... que tolice! O ano inteiro
Em inútil suor banha-se a testa,
Que a mulher nos dá cabo do dinheiro.

A velhice mil mágoas nos empresta;
Só do tabaco nos agrada o cheiro;
Chega a morte de foice e... acaba a festa.


***


Beijo de Mãe


Quando meu peito continha
Um coração inocente,
No regaço providente
De minha mãe repousei:
Ela, então, mal respirando,
Beijou-me, e eu acordei...

Depois, no peito bateu-me
O coração, violento:
Comovida, sem alento,
Outra mulher me beijou:
Esse férvido contato
Que eternidade selou!

Agora, tenho saudades
De meu berço, entre mil ais;
Lembro os risos maternais
E aquele afago inocente,
Porque, em lábios de mulher,
Só beijo de mãe não mente.



***



O Sobrado


Do céu à luz decadente
Contemplai esse sobrado
Que na face do presente
Lança o escárnio do passado:
Seu vulto negro ali está,
Nas trevas nódoa mais densa
Como sacrílega ofensa
Em alma perdida já.

Ei-lo! É no térreo degredo
Moço poeta a cismar,
Imóvel, como o penedo
Que escuta as vozes do mar.
Ei-lo aí! Dilacerado
Livro que o aquilão abriu,
E os segredos do passado
Aos meus olhos descobriu.

Esse teto quantos sonhos
Não abrigou de ventura!
Ai! quantos votos risonhos
Hoje o vento inda murmura!
Tristeza aqui não sentis?
Nestas lôbregas paredes
Tocante história não ledes
De alguma época feliz?

Apagou-lhe os caracteres
O tempo no andar veloz,
Imagem desses prazeres
Que deixam remorso após.
Passaste, oh quadra de amores,
Como o fumo em espiral,
E, perdendo tuas flores,
Secaste, pobre rosal.

Como em uma alma abatida
Por paterna maldição,
No que foi templo de vida
Hoje impera a solidão.
Aqui, a lira inquieta
Furta-se aos cantos de amor,
Embarga a voz do poeta
Um acréscimo de dor.

O homem sonha monumentos
E só ruínas semeia,
Para pousada dos ventos;
Como os palácios de areia
Dos seus brincos infantis,
Mal divisa o que apetece,
Que tudo se desvanece...
Feliz quem amou! Feliz!


HERCULANO NETO (1977 - )

Herculano Neto nasceu em Santo Amaro da Purificação. É poeta, ficcionista. Publicou pela Fundação Casa de Jorge Amado (Prêmio Braskem Cultura e Arte) o livro de poesia Cinema (Casa de Palavras, 2009) e, pela editora Mondrongo, A casa da árvore (Mondrongo, 2014). Pela Coleção Cartas Bahianas lançou o volume de contos Salvador abaixo de Zero. (Edição P55, 2012). Também assume a função de letrista de música popular e possui canções gravadas por Raimundo Fagner, Alcione, Roberto Mendes, entre outros...          






DESENCONTROS


não tenho medo de ser simples
tenho medo de ser oco
de ser raso

não tenho medo do esquecimento
tenho medo da lembrança feita de mágoa
do rancor

não tenho medo da rotina
da crise de meia-idade
da constância dos funerais
das mesmas conversas
dos mesmos amigos

tenho medo do verão
tenho medo da saudade

tenho medo dos caminhos que não segui
das escolhas que não fiz
dos desencontros




***



DIREITO PRESCRITO


nasci
com defeito de fábrica
defeito na alma

minha mãe não notou
meu pai não notou
ninguém notou

só perceberam
quando achei de me remendar
me colar
me parafusar

aí já era tarde


***




Cinema novo


cresci numa cidade
onde não havia mais cinemas
planos sequências se repetiam nas ruas
nos becos
projetados nos muros

cardinales bonitas
se revezavam
no curta-metragem
da minha infância

cresci numa cidade
onde não havia quase nada

apenas história para lembrar





NESTOR DA COSTA OLIVEIRA (1913-1977)*

Nestor da Costa Oliveira, filho do casal Manoel Gonçalves de Oliveira, apelidado de “Seu Né”, e Dona Maria José da Costa Oliveira. Nasceu no Município de Santo Amaro, no dia 10 de junho de 1913, no povoado de São Bento de Inhatá, distrito da Lapa. Formou-se em contador pela Escola de Ciências Contábeis, localizada no Largo da Piedade, em Salvador. Iniciou sua vida profissional como escriturário, na firma Magalhães S/A, Lavoura e Industria Reunidas, empresa à qual pertencia a Usina São Bento. Nas cidades de Nilo Peçanha, Cairu e Camamu, exerceu as funções, ora de secretário, ora de tesoureiro, nas prefeituras. Entre 1942 e 1945, exerceu as funções de prefeito de Nilo Peçanha. Período da interventria de Pinto Aleixo. Ainda em Nilo Peçanha, no dia 30 de janeiro de 1941, casou-se com Dona Glória Hora Rocha, tendo com ela os seguintes filhos: Isis da Costa Oliveira, Dólia da Costa Oliveira, Antônio José da Costa Oliveira e Grácia da Costa Oliveira. Em 1948, chega ao nosso município, o de Santo Amaro, Nestor da Costa Oliveira a convite do Prefeito Osvaldo Dias Pereira que iniciava a sua administração. Em 01 de abril de 1949, afastou-se das atividades de caráter administrativo assumindo as funções de educador, nomeado que foi para a regência da disciplina de Português do Gynásio Santamarense. Foi fundador do Jornal O Archote, exercendo o jornalismo. Foi vereador da Câmera Municipal de Santo Amaro, mandato exercido de 07 de abril, de 1963, a de dezembro do mesmo ano decorrente das divergências com o Prefeito em exercício. Em 26 de abril de 1977, no Salão Nobre da Prefeitura Municipal de Santo Amaro, lançou, a sua única obra editada, cujo título é Espelho de Três Faces. Por concluir ficou, um romance, titulado de Os Descedores do Jequié. Nestor da Costa Oliveira morreu no amanhecer do dia 23 de junho de 1979, no Arraial da Pedra, no município de Santo Amaro.






OBSTINAÇÃO


Pelo prazer de voar tal qual uma asa,
Ou folha solta sobre errante veio,
Indiferente à dor, à mágoa alheio,
Feliz na bruma ou renteando a vasa...

Fiel ao sonho eterno que te abrasa,
Dentro da cerração, da noite em meio,
Voar sem rumo seja o teu anseio
Que tu, meu coração, és também, asa!

Asa solta de um pássaro sem ninho,
Desamando os limites, sem caminho,
Com a flama do ideal que agito em mim,

Na vertigem da glória desmedida
De voar, de voar, que é um voo a vida,
De morrer voando sem chegar ao fim!


***


DESTINO


Dorme a cigarra o derradeiro sono
A tarde, à fulva luz no chão molhado,
Como a corola que do galho eivado
Fosse rolando ao vai e vem do outono...

Quem viu no espaço um luminoso trono
Abrindo ao sonho o pensamento alado,
Fez jus demais para ser muito amado,
Não devera morrer nessa abandono...

Ela-corpo sutil do vidro e laca
Que os restos do verão -pequena e fraca
Num milagre o largo som recorta,

Findo o tormento da jornada encalma,
Vai derramar o som que lhe vai n'alma
Dentro da concha de uma folha morta...


***





CONTRASTE


Por mais que eu faça nesta vida para
Imitar a formiga, à faina presa,
Sinto frustrado o esforço – e é vício e tara
No lábio alheio, o meu culto à beleza...

Por mais que eu saiba que é virtude rara
O trabalho, me entrego à natureza
Que, nenhuma alegria se compara
A de enflorir as leivas da tristeza.

Não penso em mim; todo me esqueço e, enquanto
Cuida a irmã da colheita, do consumo,
Do fermento, do pão de cada dia.

Cismo e bendigo o par de asas sem rumo
Para quem basta o sol que acende o canto,
Que a treva de outras almas alumia.








*
Este post foi sugerido e elaborado por meu amigo e poeta Dado Ribeiro Pedreira, que reuniu o material raríssimo  deste ilustre santamarense como ele... Muito obrigado, poeta!