quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

ANTONIO BRASILEIRO (1944- )




Antônio Brasileiro Borges é poeta, artista plástico e professor, além de Membro da Academia Baiana de Letras. Nasceu em Matas do Orobó, interior da Bahia, em 1944 e reside em feira de Santana desde os anos 80. Segundo a professora Alana Frietas, em seu ensaio El Fahad, Antonio Brasileiro “é poeta de muitas faces e homem de muitas artes que apresenta na sua obra poética uma reflexão lírico-filosófica acerca de um dos motivos literários mais cantados na literatura ocidental, o desconcerto do mundo e explora em sua obra esta tentativa vã de compreender a dinâmica do mundo. Filiando-se à tradição camoniana, a sua poesia reflete muitas vezes sobre a instabilidade do mundo e a fragilidade da condição humana, sendo que esta só pode ser superada pela magia da arte, daí a marca da metalinguagem na obra do autor, ele sabe que a contribuição do artista para os homens comuns é justamente a sua obra, ainda que incompreendida, ainda que seja um pobre elefante, ainda que seja inútil a poesia... O poeta se sabe gauche, se sabe deslocado das engrenagens vigentes. Porém, como não mais habita o Parnaso, ele convive com os outros homens, mas não como os outros homens, as diferenças são divisores de água, ainda que imperceptíveis...” Entre inúmeras obras publicadas, destacando-se entre eles: Caronte (romance, 1995), Antologia poética (1996), Da inutilidade da poesia (ensaio, 2002), Poemas reunidos (2005) e Dedal de areia (poesia). Recentemente lançou o livro Desta Varanda, pelo selo cartas baianas, além de ser o idealizador da revista baiana de literatura Hera.





SONETO DO AMOR PROFANO

Não me consinta o amor tanta alegria,
pois, por não merecê-la, me constrange
o peito (já uma dor, não longe, me
sussurra que este amor sem agonias
não há de consentir em tanta graça),
eis que, perdidamente, já pressinto
– e quando, e quando – que em amor perdidos
todos os lances, não há como obtê-lo
de outro modo que não por sacrifícios
e eis que este, pois, gratuita dádiva,
me chega às mãos de um modo tão profano,
de quase sempre estou de que, se o tenho,
já não o tenho por justo e dadivoso,
mas por amor que é fruto só do engano.

E não me engana o amor quando enganoso.


***


QUE DEUS GUARDE MEU PAI


Não passar. Ficar para semente.

Não era isto que meu pai queria?
Sentava-se na rede e adormecia
julgando ter domado a dama ausente.

E sonhava talvez. Talvez menino
montando burros bravos, nu, ao vento;
um homem é a sua ação sobre o destino.

Meu pai então fazia um movimento
e a rede, a adormecer, estremecia:
pequenos sustos no tempo, era só isto.

E escancarava os olhos duramente
para mostrar que se Ela o procurava
era de cara a cara que A encarava.

Que Deus guarde meu pai. Eternamente.


***


CONTEMPLAÇÃO DA NUVEM

                              Para Luís Alberto


A vida é a contemplação daquela nuvem.
E o mundo
uma forma de passar, que inventamos
para não ver que o mundo não é o mundo,
mas uma nuvem
                               passando.

E uma nuvem passando
ensina-nos mais coisas que cem pássaros
mil livros            um milhão de homens.

A vida é a contemplação daquela nuvem.
E o mundo
uma forma de passar, que inventamos
para não ver que o mundo não é o mundo,
mas uma nuvem.
                               Passando.



AUTA DE SOUZA (1876-1901)


Com a paulista Francisca Júlia e a carioca Gilka Machado compõe o grande trio feminino pré-modernista. Se Francisca é a mais social e Gilka a mais carnal, Auta é certamente a mais espiritual das três, segundo a humilde opinião do editor deste blog. Auta de Souza Nasceu em Macaíba (RN), em 12 de setembro de 1876, filha de Eloy Castriciano de Souza e Henriqueta Leopoldina de Souza e irmã de dois políticos e intelectuais, Henrique Castriciano e Eloy de Souza. Aos 14 anos, apareceram os primeiros sinais da tuberculose, obrigando-a a abandonar os estudos e a iniciar uma longa viagem pelo interior em busca de cura.

Auta de Souza deve ser considerada a poetisa norte-rio-grandense que mais ficou conhecida fora do Estado. Sua poesia, de um romantismo ultrapassado e com leves traços simbolistas, circulou nas rodas literárias do país despertando sempre muita emoção e interesse, e foi fartamente incluída nas antologias e manuais de poesia das primeiras décadas. Como a maioria dos escritos femininos, sua obra poética deixou-se contaminar pelas experiências vividas, o que, aliás, não compromete o lirismo e o valor estético de seus versos.

Por volta de 1895, Auta conheceu João Leopoldo da Silva Loureiro, promotor público de sua cidade natal, com quem namorou durante um ano e de quem foi obrigada a se separar pelos irmãos, que preocupavam-se com seu estado de saúde. Pouco depois da separação, ele também morreria vítima da tuberculose. Esta frustração amorosa se tornaria o quinto fator marcante de sua obra, junto à religiosidade, à orfandade, à morte trágica de seu irmão e à tuberculose. A poetisa, então, encerrou seu primeiro livro de manuscritos, intitulado Dhálias, que mais tarde seria publicado sob o título de Horto.

Aos 24 anos, no dia 7 de fevereiro de 1901, Auta de Souza morria tuberculosa. No ano anterior havia publicado seu único livro de poemas sob o título de Horto, com prefácio de Olavo Bilac, que obteve significativa repercussão na crítica nacional. Em 1910, saía segunda edição, em Paris, e, em 1936, a terceira, no Rio de janeiro, com prefácio de Alceu de Amoroso Lima.

Antes de serem reunidos em O Horto, parte de seus poemas foram publicados em jornais como A Gazetinha, de Recife, O Paiz, do Rio de Janeiro, e A República, A Tribuna, o Oito de Setembro, de Natal, e nas revistas Oásis e Revista do Rio Grande do Norte. Os poucos poemas inéditos que deixou foram recolhidos e publicados nas edições seguintes de Horto.





CREPÚSCULO

a Júlia Lyra


O Ângelus soa. Vagarosamente
A noite desce, plácida e divina.
Ouço gemer meu coração doente
Chorando a tarde, a noiva peregrina.

Há pelo espaço um ciciar dolente
De prece em torno da Igrejinha em ruína...
Pássaros voam compassadamente;
Treme no galho a rosa purpurina...

E eu sinto que a tristeza vem suspensa
Sobre as asas da noite erma e sombria...
E que nessa hora de saudade imensa,

Rindo e chorando desce ao coração:
Toda a doçura da melancolia,
Todo o conforto da recordação.

***


TUDO PASSA


Aquela moça graciosa e bela
Que passa sempre de vestido escuro
E traz nos lábios um sorriso puro,
Triste e formoso como os olhos dela...

Diz que sua alma tímida e singela
Já não tem coração: que o mundo impuro
Para sempre o matou... e o seu futuro
Foi-se num sonho, desmaiada estrela.

Ela não sabe que o desgosto passa
Nem que do orvalho a abençoada graça
Faz reviver a planta que emurchece.

Flávia! nas almas juvenis, formosas,
Berço sagrado de jasmins e rosas,
O coração não morre: ele adormece...

***


AO PÉ DO TÚMULO


Eis o descanso eterno, o doce abrigo
Das almas tristes e despedaçadas;
Eis o repouso, enfim; e o sono amigo
Já vem cerrar-me as pálpebras cansadas.

Amarguras da terra! eu me desligo
Para sempre de vós... Almas amadas
Que soluçais por mim, eu vos bendigo
Ó almas de minh'alma abençoadas.

Quando eu daqui me for, anjos da guarda,
Quando vier a morte que não tarda
Roubar-me a vida para nunca mais...

Em pranto escrevam sobre a minha lousa:
"Longe da mágoa, enfim, no Céu repousa
Quem sofreu muito e quem amou demais".

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

INÁCIO JOSÉ DE ALVARENGA, O ALVARENGA PEIXOTO (1742 - 1792)

Inconfidente e poeta brasileiro nascido no Rio de Janeiro, RJ, de posição mediana entre os numerosos versejadores ativos na segunda metade do século XVIII, em Minas Gerais. Estudou com os jesuítas, provavelmente em Braga, Portugal, e (1760) ingressou na Universidade de Coimbra, onde se formou, com louvor (1768). Acrescentou (1769) a seu nome literário o sobrenomePeixoto e se assinava também, como integrante da Arcádia Mineira, com os pseudônimos de Alceu e Eureste Fenício. Doutor em leis pela Universidade de Coimbra, foi juiz de Cintra e regressou ao Brasil (1775) como ouvidor de Rio das Mortes, a atual São João del-Rei. Deixando a magistratura, ficou na região, ocupando-se da lavoura e da mineração, e se casou (1781) com Bárbara Heliodora Guilhermina da Silveira, também poeta e a quem dedicou alguns de seus melhores versos. Proprietário de lavras no sul de Minas, tomou parte no famoso movimento nacionalista da Inconfidência Mineira, por discordar das pesadas taxações do reino. Em companhia de seu parente Tomás Antônio Gonzaga, foi conduzido ao presídio da Ilha das Cobras, no Rio de Janeiro. Negou sua participação no movimento, mas mesmo assim foi condenado à morte, pena comutada para o degredo em Angola, onde permaneceu desterrado e morreu, no presídio de Ambaca (1792). De sua obra restam apenas alguns sonetos e uma pequena obra laudatória. Teria escrito, segundo a tradição, o drama lírico Enéias no Lácio, hoje desaparecido. Suas composições existentes, reunidas em Obras poéticas (1865) por Joaquim Norberto, foram reproduzidas por Péricles Eugênio da Silva Ramos na antologia Poesia do ouro (1964). Embora tenha escrito versos de lealdade a D. Maria I e ao Marquês de Pombal.



Parte superior do formulário
Parte inferior do formulário




Estela e Nise


Eu vi a linda Estela, e namorado
fiz logo eterno voto de querê-la;
mas vi depois a Nise, e é tão bela,
que merece igualmente o meu cuidado.

A qual escolherei, se neste estado
não posso distinguir Nise d'Estela?
Se Nise vir aqui, morro por ela;
se Estela agora vir, fico abrasado.

Mas, ah! que aquela me despreza amante,
pois sabe que estou preso em outros braços,
e esta não me quer por inconstante.

Vem, Cupido, soltar-me destes laços,
ou faz de dois semblantes um semblante,
ou divide o meu peito em dois pedaços.


***

A lástima

 
Na masmorra da Ilha das Cobras,
lembrando-se da família


Eu não lastimo o próximo perigo,
nem a escura prisão estreita e forte;
lastimo os caros filhos e a consorte,
a perda irreparável de um amigo.

A prisão não lastimo, outra vez digo,
nem o ver iminente o duro corte;
é ventura também achar a morte
quando a vida só serve de castigo.

Ah! quão depressa então acabar vira
este sonho, este enredo, esta quimera,
que passa por verdade e é mentira.

Se filhos e consorte não tivera,
e do amigo as virtudes possuíra,
só de vida um momento não quisera.


***

À Dona Bárbara Heliodora

Bárbara bela, do Norte estrela,
que o meu destino sabes guiar,
de ti ausente triste somente
as horas passo a suspirar.

Por entre as penhas de incultas brenhas
cansa-me a vista de te buscar;
porém não vejo mais que o desejo,
sem esperança de te encontrar.

Eu bem queria a noite e o dia
sempre contigo poder passar;
mas orgulhosa sorte invejosa,
desta fortuna me quer privar.

Tu, entre os braços, ternos abraços
aa filha amada podes gozar;
priva-me a estrela de ti e dela,
busca dous modos de me matar!

FLORISVALDO MATTOS (1932- )

O poeta baiano Florisvaldo Mattos é dono de uma dicção que combina rigor formal com alta expressividade lírica. Formado em direito, Florisvaldo Mattos optou pelo jornalismo, atividade que exerce até o presente. Nos anos 60, integrou em Salvador o grupo da chamada Geração Mapa, liderado pelo cineasta Glauber Rocha. Entre suas obras publicadas, estão Reverdor (1965); Fábula Civil (1975); A Caligrafia do Soluço & Poesia Anterior (1996); e Mares Acontecidos (2000), Travessia de Oásis – A Sensualidade na Poesia de Sosígenes Costa. Nesse volume, Florisvaldo analisa a trajetória poética do também baiano Sosígenes (1901-1968) e Poesia Reunida e Inéditos (2010).






SONHOS CLAROS, OLHOS ESQUIVOS...  (INÉDITO)*
     

No sonho vibras; és uma flor que arde.
Abres os olhos, logo se desnuda
A luz da manhã, intensa e sempre muda.
Quando os fechas, já sei que vem a tarde.

No teu trajeto, nada há que eluda
Essa doce ilusão, ou que abastarde
Este meu cogitar (somente o alarde
De pássaros no galho). A mão ossuda

Do tempo para nós dois não existe.
Por entre as árvores, onde persiste
Claro clamor de pensamentos vivos,

Vibra no sonho a glória que me cinge,
Quando vislumbro – ó cintilante esfinge –
A luz da manhã em teus olhos esquivos.

(Salvador, 2011),


***


DURAÇÃO DO AROMA


Não morrem no campo as flores.
Pacíficas continuam
arquiteturas de angústia
dissolvendo-se no chão
amoroso das searas.
Como nuvens distraídas
ficam no solto. Ali somente,
um sofrimento que vem,
uma esperança que vai
da boca dos camponeses
ao chão que abriga silêncio.
Não é pranto nem flor, É vinho.
De amarelo outono e lábios
pranto vinho e flores ficam
incrustados no alimento,


De sangue batendo aos pingos
na superfície das horas
vai seu perfume durando
nas colheitas. Sobrevive
no suor dos músculos tão
sofridos de cicatrizes,
como um hálito de cinza
prenhe de soluço verde.
Prossegue na dor, reunida
à ferrugem dos arados,
a melancolia de olhos,
de pele sacrificada
e ternura corrompida,
de arames e privações.


Que venha o vento brandindo
foices de lua no campo
e corte cercas corte o rio
e das chuvas no caminho
corte horizontes de linho.
Entre abelhas e madeiras,
no coração das florestas
corte as flores e o vizinho
aroma das madrugadas.
Corte pranto dos vaqueiros,
corte rastro dos cavalos
e de quem sofre sozinho
corte voz molhada e fria.
Que venha vento soprando
ferraduras de amargura,
decepe haste das flores
com o alfange da agonia.
Fria lâmina de sombra
inevitável traspasse
o dorso branco do dia.
E o que fica suado na terra
não é pranto nem flor. É vinho.


Sobrevivência do aroma
no lamento desses rostos,
dessas chuvas no caminho,
não morrem no campo as flores:
perduram constituídas
de soluços como o vinho.



***

A CABRA


Talvez um lírio. Máquina de alvura
Sonora ao sopro neutro dos olvidos.
Perco-te. Cabra que és já me tortura
guardar-te, olhos pascendo-me vencidos.

Máquina e jarro. Luar contraditório
sobre lajedo o casco azul polindo,
dominas suave clima em promontório;
cabra, o capim ao sonho preferindo.

Sulca-me, perdurando nos ouvidos,
laborada em marfim — luz e presença
de reinos pastoris antes servidos —,

teu pêlo, residência da ternura,
onde fulguras na manhã suspensa:
flor animal, sonora arquitetura.

 
* Registre-se aqui o nosso mais profundo agradecimento ao poeta por ter tão gentilmente nos honrado com este poema ainda inédito de sua lavra... Abraço  amigo ao "poeta de memórias" Florisvaldo Mattos.

THEREZA CHRISTINA ROCQUE DA MOTTA (1957)....

Thereza Christina Rocque da Motta é poetisa, advogada, editora e tradutora. Publicou Relógio de Sol (1980), Papel Arroz (1981), Joio & trigo (1982, 1983, 2004), Areal (1995), Sabbath (1998), Alba (2001), Chiaroscuro Poems in the dark (2002), Lilacs/Lilases (edição bilíngüe, 2003), Rios (2003), Marco Polo e a Princesa Azul (edição bilíngüe, 2008) e o pôster-poema “Décima lua” (1983). Traduziu romances de Thomas H. Cook (O Caso da Escolha Chatham, Lacerda, 2000) e Sue Monk Kidd (A Sereia e o Monge, Prestígio, 2005), e poemas de Anne Morrow Lindbergh (O Unicórnio e outros poemas, Ibis Libris, a sair), Sylvia Plath, Byron, Shelley, Keats, Yeats e Shakespeare (44 Sonetos escolhidos, Ibis Libris, 2006), livros de não-ficção de John Grogan (Marley & Eu, Ediouro, 2006), de Greg Mortenson e David O. Relin (A terceira xícara de chá, Ediouro, 2007), um romance juvenil de Nina Bernstein (Um livro mágico, Moderna, 2005) e Por que amamos ler? (Novo Conceito, 2008), de Brian Bristol, entre outros. Organiza a Ponte de Versos desde setembro de 2000. Fundou a Ibis Libris em agosto de 2000.





JACARTA

A mim restam essas coisas,
poucas,
larvas de um não-sei-quê que passa,
nós a serem desatados,
livros por ler,
roupas por arrumar,
e a vastidão das idéias novas,
célebre futuro que inventamos.


***

ÉDIPO MENINO

Sem o colo de tua mãe,
vives a apascentar ovelhas,
refúgio de tua alma.

Sem oráculos que te amedrontem,
vês teu rosto no lago,
flutuando na superfície do sonho.

Sem estradas que te levem,
ficas à espera do reino,
tua casa, côncavo desespero,
vigília de tua sombra, esteio.

Antes não se cumprisse o destino.


***


REVERSO

Terei teu corpo
– a fina casca de teu tormento –
e terás me consumido até o último frêmito.

Te sorvo as têmporas úmidas
e estreito teus pulsos entre meus dedos
– faço-te sangrar teu desejo escarpado e íngreme.

Impregna-me com tua voz.
Deita-me em teus vazios estreitos,
tua fome cercada de segredos.

Sou tua vida.
Tua fala.
És, ao reverso,
a alma que procuro.

Tenha-me, porque sou breve.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

RAIMUNDO CORREA (1859-1911)


Nasceu a bordo do navio São Luís, ancorado em águas maranhenses. Filho de família de classe elevada, foram seus pais o desembargador José da Mota de Azevedo Correia e Maria Clara Vieira da Mota de Azevedo Corrêa ambos naturais do Maranhão. Seu pai descendia dos Duques de Caminha e era filho de pais portugueses. Realizou o curso secundário no Colégio pedro II, no Rio de Janeiro.

Em 1882 formou-se advogado pela Faculdade do Largo de São Francisco, desenvolvendo uma bem-sucedida carreira como Juiz de Direito no Rio de Janeiro e em Minas Gerais. Teve um sobrinho que levou seu nome, filho de seu tio José da Mota de Azevedo Correia, Raimundo Correia Sobrinho, formado em direito e poeta como o tio, que escreveu um livro de poesias Oração aos Aflitos publicado, em 1945, pela Livraria José Olympio Editora.

Raimundo Correia iniciou a sua carreira poética com o livro Primeiros sonhos, revelando forte influência dos poetas românticos Fagundes Varela, casimiro de Abreu e Castro Alves. Em 1883 com o livro Sinfonias, assume o parnasianismo e passa a integrar, ao lado de Alberto de Oliveira e Olavo Bilac, a chamada "Tríade Parnasiana".

Os temas adotados por Raimundo Correia giram em torno da perfeição formal dos objetos. Ele se diferencia um pouco dos demais parnasianos porque sua poesia é marcada por um forte pessimismo, chegando até a ser sombria. Ao analisar a obra de Raimundo Correia percebe-se que há nela uma evolução. Ele iniciou sua carreira como romântico, depois adotou o parnasianismo e, em alguns poemas aproximou-se da escola simbolista.

Faleceu a 13 de setembro de 1911, em Paris, onde fora tratar da saúde.





A Cavalgada

A lua banha a solitária estrada...
Silêncio!... Mas além, confuso e brando,
o som longínquo vem se aproximando
do galopar de estranha cavalgada.

São fidalgos que voltam da caçada;
vêm alegres, vêm rindo, vêm cantando
e as trompas a soar vão agitando
o remanso da noite embalsamada...

E o bosque estala, move-se, estremece.
Da cavalgada o estrépito que aumenta
perde-se após no centro da montanha...

E o silêncio outra vez soturno desce...
E límpida, sem mácula, alvacenta,
a lua a estrada solitária banha...

***


Plena nudez 

Eu amo os gregos tipos de escultura:
Pagãs nuas no mármore entalhadas;
não essas produções que a estufa escura
das modas cria, tortas e enfezadas.

Quero em pleno esplendor, viço e frescura
os corpos nus; as linhas onduladas
livres: da carne exuberante e pura
todas as saliências destacadas...

Não quero, a Vênus opulenta e bela
de luxuriantes formas, entrevê-la
da transparente túnica através:

Quero vê-la, sem pejo, sem receios,
 os braços nus, o dorso nu, os seios 
nus... toda nua, da cabeça aos pés!

***


Banzo 

Visões que na alma o céu do exílio incuba,
mortais visões! Fuzila o azul infando...
Coleia, basilisco de ouro, ondeando
o Niger... Bramem leões de fulva juba...

Uivam chacais... Ressoa a fera tuba
dos cafres, pelas grotas retumbando, 
e a estralada das árvores, que um bando
de paquidermes colossais derruba...

Como o guaraz nas rubras penas dorme,
dorme em ninhos de sangue o sol oculto...
Fuma o saibro africano incandescente...

Vai com a sombra crescendo o vulto enorme 
do baobá... E cresce na alma o vulto
de uma tristeza, imensa, imensamente.  


RUBENS JARDIM (1946)

Rubéns Jardim é autor de três livros de poemas: Ultimatum (1966), Espelho Riscado (1978) e Cantares da Paixão(2008). Teve trabalhos publicados em diversas antologias: Poesia del Brasile D'Oggi (1969, Itália), Antologia Poética da Geração 60 (2000,SP), Letras de Babel (2001, Uruguai), Paixão por São Paulo (2004), Rayo de Esperanza (2004, Espanha). Participou da Catequese Poética, movimento que levou a poesia e os poetas para as ruas e as praças, nos anos 60. Promoveu e organizou o ANO JORGE DE LIMA, em 1973. Na 1ª Bienal Internacional de Poesia, em 2008, fez leitura de poemas, lançou livro e teve um poema visual exposto no Museu Nacional da República. Publica poemas em diversos espaços da internet como Zunái, Overmundo, Beco dos Poetas, Mural dos Escritores, Vidráguas, revista Zap, Cronópios, Eutomia, Portal Literal, Poetas del Mundo,etc. Mantém um site: www.rubensjardim.com





FRAGMENTOS


Minha alma é pequena
e minha memória menor ainda.
Não fosse isso estaria mais perto
daquilo que me corrói:
o leite derramado.


II
Não vou me encontrar
se não encontrar em outra parte
A parte de mim que não responde:
Grito soterrado.


III
Já tentei acertar contas
com Deus e o Diabo
E as terras do sol.
Mas minha dívida
é comigo mesmo.


IV
Julgador e julgado
Réu e juiz
Não há farsa
nessa trama
Mas haverá proclamas?


***


O POEMA DO AVESSO

O que há em mim
é a lenta preparação
do que há em ti
sombra segada
sangrada
e sagrada
até nos olhos dos meninos
que nasceram sem olhos

vidência única
(vide o verso)

visão múltipla
(vede o anverso)

e tudo que está
do outro lado
do espelho.

***



LIÇÃO

A dura lição
de quem vende
algodão doce
é que a vida é
amarga.

BOTELHO DE OLIVEIRA (1636-1711)

Manuel Botelho de Oliveira cursou Direito na Universidade de Coimbra, em Portugal. De volta ao Brasil, passou a exercer a advocacia e foi eleito vereador da Câmara de Salvador. Em 1694 tornou-se capitão-mor dos distritos de Papagaio, Rio do Peixe e Gameleira, cargo obtido em função de empréstimo de 22 mil cruzados para a criação da Casa da Moeda, na Bahia. Conviveu com Gregório de Matos e versou sobre os temas correntes da poesia de seu tempo. A sua primeira obra impressa foi Mal Amigo, escrita em 1663 e publicada em Coimbra. Sua principal obra é a coletânea de poemas Música do Parnaso, escrita em 1705, publicado em Lisboa, tornando-o o primeiro autor nascido no Brasil a ter um livro impresso. Na obra, destaca-se o poema À Ilha de Maré, com vocabulário típico dos barrocos, e um dos primeiros a louvar a terra e descrever com esmero a variedade de frutos e legumes brasileiros, lembrando sempre a inveja que fariam às metrópoles européias. 




O SOL E ANARDA


O sol ostenta a graça luminosa,
Anarda por luzida se pondera;
o sol é brilhador na quarta esfera,
brilha Anarda na esfera de formosa.

Fomenta o sol a chama calorosa,
Atada ao peito viva chama altera,
o jasmim, cravo e rosa ao sol se esmera,
cria Anarda o jasmim, o cravo e a rosa.

O sol à sombra dá belos desmaios,
com os olhos de Anarda a sombra é clara,
pinta maios o sol, Anarda maios.

Mas (desiguais só nisto) se repara
o sol liberal sempre de seus raios,
Anarda de seus raios sempre avara.


***


ROSA, E ANARDA


Rosa da formosura, Anarda bela
igualmente se ostenta como a rosa;
Anarda mais que as flores é formosa,
mais formosa que as flores brilha aquela.

A rosa com espinhos se desvela,
arma-se Anarda espinhos de impiedosa;
na fronte Anarda tem púrpura airosa,
a rosa é dos jardins purpúrea estrela.

Brota o carmim da rosa doce alento,
respira olor de Anarda o carmim breve,
ambas dos olhos são contentamento:

mas esta diferença Anarda teve:
que a rosa deve ao sol seu luzimento,
o sol seu luzimento à Anarda deve.


***


Vendo a Anarda Depõe o Sentimento


A serpe, que adornando várias cores,
com passos mais oblíquos, que serenos,
entre belos jardins, prados amenos,
é maio errante de torcidas flores;

se quer matar da sede os desfavores,
os cristais bebe com a peçonha menos,
por que não morra com os mortais venenos,
se acaso gosta dos vitais licores.

Assim também meu coração queixoso,
na sede ardente do feliz cuidado
bebe c’os olhos teu cristal formoso;

Pois para não morrer no gosto amado,
depõe logo o tormento venenoso,
se acaso gosta o cristalino agrado.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

ALBERTO DA CUNHA MELO (1942-2007)

Neto e filho de poetas, José Alberto Tavares da Cunha Melo estreou em livro em 1966, ano em que o historiador Tadeu Rocha batizou de Geração 65 o grupo de poetas surgidos nas páginas do Diário de Pernambuco naquela época.

Como sociólogo, trabalhou por onze anos na Fundação Joaquim Nabuco. Em sua atuação como jornalista, foi editor do Commercio Cultural, do Jornal do Commercio (Recife) de Pernambuco, e da Revista Pasárgada, além de colaborador da coluna Arte pela Arte, do Jornal da Tarde de São Paulo, e da coluna Marco Zero, da Revista Continente Multicultural.

Foi o maior incentivador do Movimento de Escritores Independentes de Pernambuco nos anos 1980.

Foi, também, Vice-Presidente da União Brasileira de Escritores – Secção Pernambuco – UBE-PE, entre 1983-1984, primeira gestão da entidade após a sua reorganização, com o início da abertura política no Brasil, e, por duas vezes, Diretor de Assuntos Culturais da Fundação do Patrimônio e Artístico de Pernambuco – FUNDARPE.

Além das obras individuais, publicou poemas em antologias nacionais e estrangeiras. Em 2001, foi incluído na coletânea Os cem melhores poetas brasileiros do século XX, organizada por José Nêumanne Pinto (São Paulo: Geração Editorial).








NUM ESCRITÓRIO DA MESBLA

Quando muito, nos permitiam
ouvir um assovio de fora
mas não podíamos voltar
para um lado nossas cabeças.

Na grande sala não havia
um só momento em que tivéssemos
dolorosa oportunidade
de comparar os nossos rostos.

Um de nós ocultava sempre
um livro escuro na gaveta,
e o consultava nos instantes
em que devia descansar.

Outro, numa mesa afastada,
(menos erudito e mais triste)
colecionava no intervalo
selos de países distantes.

No escritório, só raramente,
íamos contemplar na parede
o gado manso que partia
na paisagem do calendário.


***

CASA VAZIA

Poema nenhum, nunca mais,
será um acontecimento:
escrevemos cada vez mais
para um mundo cada vez menos,

para esse público dos ermos
composto apenas de nós mesmos,

uns joões batistas a pregar
para as dobras de suas túnicas
seu deserto particular,

ou cães latindo, noite e dia,
dentro de uma casa vazia.





***

ORAÇÃO PELO POEMA

A cem quilômetros por hora,
solto a direção do automóvel,
para escrever alguma coisa
mais urgente que minha vida.

Devo portanto utilizar
o vocabulário econômico
do Século: é proibido
amar, fumar, pisar na grama.

Mas gostaria que restasse
algum tempo para dizer
no poema as palavras súbitas
de recompensa e remissão.

Ó meu Deus, eu quero escrever
a minha vida, não teu Céu.
Eu estou só e enlouquecido
como as ovelhas mais longínquas.

Dá pelo menos a esperança
de terminar o doloroso
poema. Dá isso a teu filho,
caído, e coberto de sal.