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quinta-feira, 5 de abril de 2012

MIGUEL CARNEIRO (1957- )


Miguel Antônio Carneiro nasceu em Riachão do Jacuípe em 14 de Junho de 1957. Poeta, ficcionista e dramaturgo. Publicou, na França, Poémes (1977), com tradução de Pedro Vianna. Publicou os livros de poesia Pelas Lupas do Jaguaracambé e Outros Poemas (1986), Os Cânticos (1993) e Boca do Tempo (2002). Pela Editora do Brasil publicou o opúsculo infantil No País dos Kiriris (1991). E os livros de contos Esconso e Outras Histórias (Selo Letras da Bahia, 1994) e O Diabo em Desordem (Coleção Apoio, 1999), Sete Cantares de Amigos (Edições Arpoador, 2003), Trancelim de incrédulos (Virtualbooks, 2010) e Corisco vermelho em casa caiada (Virtualbooks, 2011)  . Na internet duas de suas obras no site: www.ieditora.com.br. Inserido com verbete na página 438 volume I da Enciclopédia de Literatura Brasileira de Afrânio Coutinho e J. Galante de Sousa, Editora Global, São Paulo, 2001.



PARA EMBALAR KZÉ EM SEU DELÍRIO NOTURNO



Em memória de José Narciso de Magalhães Carvalho Moraes Filho,
o ZECA DE MAGALHÃES (1959-2007)

“Aliás não temos aqui cidade permanente, vamos em busca da futura.” (Heb. 13-15)







Numa sexta-feira,
em Pindorama,
quando a folia momesca,
reinava na velha província da Baía de Todos os Santos e Inevitáveis Demônios.
Entre a cana,
o colosso dos camarotes da Barra
e a falsa alegria,
e o Tempo com sua traíragem,
que resolveu te tirar de campo,
te descendo do telhado.
Deixou os teus,
órfãos de tua amizade
e de tua poesia.
Não era ainda
nem segundo tempo,
e nem havíamos ganhado o jogo.
Mas,
em memória de ti,
poeta leminskiano,
abominador da mediocridade poética baiana de igrejinhas e confrarias cafonas.
Não recolheremos nossas bandeiras,
nem meteremos nossos rabos entre as pernas,
nem ficaremos desiludidos,
nem abaixaremos nossas frontes
para os chacais da palavra.
Ficamos,sim,
aqui,
todos os teus,
que te foram ternos,
passando uma chuva
com teu verso clandestino na memória
e aquela certeza absoluta
que a tua luta
não foi em vão.
Ficaram poucos...
Mas teu nome, Narciso,
será sempre eterno em meu coração.





25/02/2007


 ***





 ao meu irmão Pedro Casaldáliga Plá






Corro os olhos no trecho
a procura de santos
profetas e peregrinos
que me ajudem a romper
esses tempos de desolamento
mas meus  olhos encharcados de lágrimas
enxergam apenas
Dom Pedro Casaldáliga!
Então
rememoro o seu anel de urucum,
o báculo borduna de um guerreiro do Xingu.
Beijo daqui da Bahia 
as suas mãos limpas
puras
como um diamante cravejado em meu peito
de menino velho.
E o seu verso
me surge na memória:
“Eu
e tu, Araguaia,
somos um tempo só.”
Em Ribeirão Cascalheira,
junto ao Santuário dos Mártires da Caminhada,
há 30 anos jaz o Mártir
Pe. João Bosco Penido Burnier...
Indo assim tangendo quadras,
de garças brancas colorindo a paisagem
e um tuiuiú baleado no peito

Pedro Casaldáliga,
segue
meu Poeta Irmão
pelos caminhos de São Félix
zanzando nos caminhos do mundo,
brada:
“Tudo é relativo
menos Deus e a fome.”
Dando testa a tantos grileiros
                            a inúmeros  madeireiros
essa gente covarde
acostumada a manter seus latifúndios
e as capitanias hereditárias
de seus crimes e servidão
parasitando o suor do Bugre,
do Nordestino,
do Lascado,
nesse fim de mundo
com suas fazendas enlameadas de escravidão.
Dom Pedro
em sentinela
abominando toda esta exploração.
As terras indígenas nunca demarcadas
a burocracia emperrando
e os seus  guerreiros na mata em desolação.
“E os rios,
estes rios outrora preservados na inocência,
cruzados pela lua e os pássaros e o vento,
rios de paz, de peixes, de livre liberdade,
agora profanados...
Araguaia, punido Berocá!
Xavantino aramado!
Tapirapé enlameado de turismo...”
Pedro de pé
sem abaixar a cabeça jamais
proclamando o Evangelho da Libertação
nesses tempos de pouca fé
de corações embrutecidos
pela sanha do lucro
Pedro  Santo
canonizado em meu coração
Pedro Profeta
no deserto de sua Pregação
Pedro Peregrino
com seu rebanho de boa lã
Pedro Poeta
meu irmão Catalão.





Verão de 2007, Bahia de Todos os Santos.



***


Balada da Minha Dor





Eu sou um cão vadio sobre a face da terra,
Farejando no ar tanto indignação.
Eu lambi as feridas de São Roque,
Levei o seu precioso pão.

Eu fui o cão de caça do palácio de Gotardo.
Transitei num tempo de peste,
e nas colinas ao Leste,
quando me buscaram,
eu estava distante cravejando minha presa no calcanhar do Cão.

Eu estive com São Lázaro,
e testemunhei a sua ressurreição
Por longas décadas andei de pelo caído,
de sardas espalhadas pelo chão.
E nem por isso abaixei o meu focinho,
nem deixei que o carinho,
diluísse nesses tempos de completa podridão.

Eu permaneci ligado,
Algumas vezes travado:
de haxixe, maconha e bom bocado.
Nesse condado repleto por putas, veados e ladrões.

Eu vi a miséria tomar conta de meu país
e nem assim me exilei,
eu aqui fiquei.