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terça-feira, 25 de agosto de 2015

FRANCISCO OTAVIANO (1825-1884)

Francisco Otaviano de Almeida Rosa foi advogado, jornalista, político, diplomata e poeta, nascido na cidade do Rio de Janeiro, em 26 de junho de 1825, e faleceu na mesma cidade em 28 de junho de 1884. É o patrono da Cadeira no 13, por escolha do fundador Visconde de Taunay. Era filho do Dr. Otaviano Maria da Rosa, médico, e de Joana Maria da Rosa. Fez os primeiros estudos no colégio do professor Manuel Maria Cabral, e no decorrer da vida escolar dedicou-se principalmente às línguas, à história, à geografia e à filosofia. Matriculou-se na Faculdade de Direito de São Paulo, em 1841, na qual se bacharelou em 1845. Regressou ao Rio, onde principiou a vida profissional na advocacia e no jornalismo, nos jornais Sentinela da Monarquia, Gazeta Oficial do Império do Brasil (1846-48), da qual se tornou diretor em 1847, Jornal do Comercio (1851-54) e Correio Mercantil. Foi eleito secretário do Instituto da Ordem dos Advogados, cargo que exerceu por nove anos; deputado geral (1852) e senador (1867). Como jornalista, empenhou-se com entusiasmo nas campanhas do Partido Liberal e tomou parte preponderante na elaboração da Lei do Ventre Livre, em 1871. Já participara da elaboração do Tratado da Tríplice Aliança, em 1865, quando foi convidado por Olinda para ocupar a pasta dos Negócios Estrangeiros, mas não a aceitou, ficando em seu lugar Saraiva. Como jornalista, empenhou-se com entusiasmo nas campanhas do Partido Liberal e tomou parte preponderante na elaboração da Lei do Ventre Livre, em 1871. Poeta desde menino, não se dedicou suficientemente à literatura. Ele mesmo exprimiu com frequência a tristeza de haver sido arrebatado à poesia pela política, por ele chamada de "Messalina impura", num epíteto famoso. Apesar da carreira fácil, respeitável e brilhante, cultivou sempre a nostalgia das letras. Sua obra poética representa uma espécie de inspiração do homem médio, mas não banal, o que lhe dá, do ponto de vista psicológico, uma comunicabilidade aumentada pela transparência do verso, leve e corredio. Em torno do eixo central de sua personalidade literária se organizam as tendências comuns do tempo, num verso quase sempre harmonioso e bem cuidado. Nas suas traduções de Horácio, Catulo, Byron, Shakespeare, Shelley, Victor Hugo, Goethe, revela-se também poeta excelente. Ficou para sempre inscrito entre os nossos poetas da fase romântica, mesmo que não tenha exercido a literatura com paixão, e o patriota que foi dá-lhe lugar entre os grandes vultos brasileiros do século XIX. Entre suas principais obras literárias, encontram-se Cantos de Selma, poesias (1872); Traduções e poesias (1881); poesias esparsas na Revista da Academia Brasileira de Letras, nos 15 e 16; Poesias, contidas na Lira Popular publicada por Custódio Quaresma. Outras obras: Inteligência do Ato Adicional (1857); As Assembléias provinciais (1869); O Tratado da Tríplice Aliança (1870); Questão militar (discursos proferidos no Senado e na Câmara dos Deputados pelo Barão de Cotegipe, Saraiva, Francisco Otaviano, Afonso Celso e Silveira Martins); Cartas, coligidas por Wanderley Pinho (1977).










Soneto

Morrer, dormir, não mais: termina a vida
e com ela terminam nossas dores,
um punhado de terra, algumas flores,
e às vezes uma lágrima fingida!

Sim, minha morte não será sentida,
não deixo amigos e nem tive amores!
ou se os tive mostraram-se traidores,
algozes vis de uma alma consumida.

Tudo é pobre no mundo; que me importa
que ele amanhã se esb'roe e que desabe,
se a natureza para mim está morta!

É tempo já que o meu exílio acabe;
vem, pois, ó morte, ao nada me transporta
morrer, dormir, talvez sonhar, quem sabe?

***



RECORDAÇÕES


Oh! se te amei! Toda a manhã da vida
gastei-a em sonhos que de ti falavam!
Nas estrelas do céu via teu rosto,
ouvia-te nas brisas que passavam:
Oh! se te amei! Do fundo de minh’alma
imenso, eterno amor te consagrei...
era um viver em cisma de futuro!
Mulher! oh! se te amei!

Quando um sorriso os lábios te roçava,
meu Deus! que entusiasmo que sentia!
láurea coroa de virente rama
inglório bardo, a fronte me cingia;
à estrela alva, às nuvens do Ocidente,
em meiga voz teu nome confiei.
Estrela e nuvens bem no seio o guardam;
mulher! oh! se te amei!

Oh! se te amei! As lágrimas vertidas,
alta noite por ti; atroz tortura
do desespero d’alma, e além, no tempo,
uma vida sumir-se na loucura...
Nem aragem, nem sol, nem céu, nem flores,
nem a sombra das glórias que sonhei...
Tudo desfez-se em sonhos e quimeras...
Mulher! oh! se te amei! 

***



ILUSÕES DA VIDA


Quem passou pela vida em branca nuvem
e em plácido repouso adormeceu;
quem não sentiu o frio da desgraça,
quem passou pela vida e não sofreu,
foi espectro de homem - não foi homem,
só passou pela vida - não viveu.


segunda-feira, 11 de março de 2013

BEATRIZ BRANDÃO (1779 - 1868)




Beatriz Francisca de Assis Brandão nasceu na cidade de Vila Rica, então capital da província de Minas Gerais, atual Ouro Preto, a 29 de julho de 1779. Filha do sargento-mor Francisco Sanches Brandão e de Isabel Feliciana Narcisa de Seixas. Dedicou-se à poesia, à prosa e à tradução, assinando-se apenas com o prenome à guisa de pseudônimo, D. Beatriz, no período em que colaborava para a Marmota Fluminense. Depois de publicar seus versos no Parnaso brasileiro, os reúne em volume sob o título de Cantos da mocidade, em 1856. A segunda obra publicada foi Carta de Leandro a Hero, e Carta de Hero a Leandro, também no Parnaso brasileiro. Em 28 abril de 1868, já bastante conhecida, mereceu um artigo, no Correio Mercantil, intitulado "Prima de Marília", onde se lê que "D. Beatriz era um ânimo varonil e uma inspirada poetisa." D. Beatriz dedicou-se também ao ensino. Dirigiu em Vila Rica um educandário para meninas. E participou da nossa imprensa, tendo publicado no Guanabara e na Marmota Fluminense, de 1852 a 1857. Faleceu no Rio de Janeiro a 5 de fevereiro de 1868. É a patrona da cadeira n° 38 da Academia Mineira de Letras e pertenceu à Sociedade Promotora da Instituição Pública da Cidade de Ouro Preto









SONETO
 
Voa, suspiro meu, vai diligente,
Busca os Lares ditosos onde mora
O terno objeto, que minha alma adora,
Por quem tanta aflição meu peito sente.

Ao meu bem te avizinha docemente;
Não perturbes seu sono: nesta hora,
Em que a Amante fiel saudosa chora,
Durma talvez pacífico e contente.

Com os ares, que respira, te mistura;
Seu coração penetra; nele inspira
Sonhos de amor, imagens de ternura.

Apresenta-lhe a Amante, que delira;
Em seu cândido peito amor procura;
Vê se também por mim terno suspira. 


***



SONETO

Meu coração palpita acelerado,
Exulta de prazer, de amor delira,
Novo alento meu peito já respira,
É mil vezes feliz o meu cuidado.

O meu Tirce de mim vive lembrado,
Saudoso, como eu, por mim suspira;
Que seleto prazer a esta alma inspira
A amorosa expressão do bem amado!

Doce prenda dos meus ternos amores,
Amada, suavíssima escritura,
Que em meu peito desterras vãos temores;

Em ígneos caracteres na alma pura
Grava, Amor, com os farpões abrasadores
Estes doces penhores da ternura.
 

***




SONETO

Que tens, meu coração? Porque ansioso
Te sinto palpitar continuamente?
Ora te abrasas em desejo ardente,
Outra hora gelas triste e duvidoso?

Uma vez te abalanças valeroso
A suportar da ausência o mal veemente;
Mas logo esmorecido, descontente,
Abandonas o passo perigoso?

Meu terno coração, ela, resiste,
Não desmaies, não tremas; pode um dia
Inda o Fado mudar o tempo triste.

Suporta da saudade a tirania,
Que ainda verás feliz, como já viste,
Raiar a linda face da alegria.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

AFFOSO ÁVILA (1928-2012)

Affonso Celso Ávila Publicou seu primeiro livro de poesia, O Açude. Sonetos da Descoberta, em 1953. Na época, trabalhava como auxiliar de gabinete do então governador Juscelino Kubitschek e como colaborador dos periódicos Diário de MinasTendência e Estado de Minas. Nos anos seguintes, participaria da campanha de JK para presidente e se aproximaria dos poetas concretistas de São Paulo. Em 1961, saiu seu livro Carta do Solo; em 1963, era a vez de Frases-feitas. Em 1967, tornou-se colaborador da revista Invenção, do grupo concretista. Sua identificação com a poesia de vanguarda o levaria a retirar sua participação na I Bienal Nestlé de Literatura, em protesto aos ataques às vanguardas dos anos 60. Em 1991 recebeu o Prêmio Jabuti de Poesia, pelo livro O Visto e o Imaginado (1990). Sua poesia, bastante influenciada pelo concretismo, caracteriza-se pela experimentação lingüística e pela forte presença temática do erotismo e do engajamento ideológico. Crítico e jornalista, fundador com Fábio Lucas, Rui Mourão e Fritz Teixeira de Salles, da revista Tendência. Organizador, por encargo da Reitoria da Universidade de Minas Gerais, da Semana Nacional de Poesia de Vanguarda, realizada em 1963. 







SONETO



Não vos traga tristeza a chuva fria
a se esgueirar nas tardes sem corola.
Sobe o chumbo (o sem cor) das coisas vivas
sufocando o clamor das vossas horas.

Sobre o ontem deitastes. Neve amiga
da pegada os sinais na terra afoga
(vede o exemplo da nuvem que destila
o fel de si na gota que se evola).

Sede o espelho, não mais.  O próprio nervo
se desfaça no plano de cristal
onde a imagem enfim se compreende.

Plenitude da origem e do termo
o nimbo vos ensine o largo mar.
Sereis então o grande indiferente.


***




CASTRAÇÃO


Com suas iníquas
máquinas de tédio
aprende o degredo
com seus chãos reversos

— com suas escumas
de vinagre e pasmo
celebra os opróbrios
com seu desamparo

— com suas sezões
de pejo e salsugem
arqueja os verões
com seus gozos rudes

— com suas ilhargas
de fuligem e asco
deslembra as novilhas
com seus curvos favos

— com suas obesas
barbelas de adorno
ostenta a vergonha
com seu grão roncolho.


***



O AÇUDE


Há neste açude lendas afogadas,
deuses dormindo o sono que os transcende.
Nenhuma sede irá buscá-lo incauta.
Nele, porém, dois cães vigiam sempre.

Não há peixes no açude, nem há vagas.
A seu apelo mudo na atende
O vento viajor das madrugadas.
O açude é um cemitério diferente.

Os mesmos cães na ladram. Pelo afã
Soment é que parecem-nos dois cães.
O açude é um muro longo, erguido em gelo,

Que por castigo os deuses sem destino
tornaram mausoléu, doando ao limo
o segredo final para rompê-lo.

terça-feira, 11 de setembro de 2012

MACIEL MONTEIRO (1804-1968)

Antonio Peregrino Maciel Monteiro, Barão de Itamaracá, nasceu em Recife, Pernambuco, e morreu em Lisboa. Poeta, orador, jornalista, formado em Letras, Ciências e Medicina, estudou em Paris. Ocupou vários cargos públicos. Além de sua tese de doutorado em Medicina, não publicou nada em vida. Um dos poetas indicados por Silvio Romero, ao lado de Álvares Machado e João de Barros Falcão, como de transição para o Romantismo. Entre as suas obras principais, encontram-se: Poesis (1905); Poesias (1962). 






FORMOSA



Formosa, qual pincel em tela fina
debuxar jamais pôde ou nunca ousara;
formosa, qual jamais desabrochara
na primavera a rosa purpurina;

Formosa, qual se a própria mão divina
lhe alinhara o contorno e a forma rara;
formosa, qual jamais no céu brilhara
astro gentil, estrela peregrina;

Formosa, qual se a natureza e a arte,
dando as mãos em seus dons, em seus louvores,
jamais soube imitar no todo ou em parte;

Mulher celeste, oh! anjo de primores!
quem pode ver-te, sem querer amar-te?
quem pode amar-te, sem morrer de amores?! 

***

SONETO

Era já posto o sol. A natureza
em ondas de perfume se banhava;
aqui, pendia a rosa, além brilhava
alguma flor de virginal pureza.

 Nuvem sutil, de pálida tristeza,
 pelo cândido rosto lhe vagava.
 nas negras tranças do cabelo estava
 murcha e mais triste uma saudade presa.

 Oh! pintor que a pintaste! Era mais bela
 que a lua deslumbrante de fulgores,
 surgindo dentre as sombras da procela!

 Ao vê-la, aos meus olhos matadores,
voou meu coração aos lábios dela,
minh´alma ardente se banhou de amores.

***


UM SONHO
                     ao embarque e partida de uma Senhora.

Ela foi-se! E com ela foi minh’alma
n’asa veloz da brisa sussurrante,
que ufana do tesouro que levava,
ia... corria... e como vai distante!

Voava a brisa e no atrevido rapto
frisava do Oceano a face lisa:
eu que a brisa acalmar tentava insano,
com meus suspiros alentava a brisa!

No horizonte esconder-se anuviado
eu a vi; e dois pontos luminosos
apenas onde ela ia me mostravam:
eram eles seus olhos lacrimosos!

Pouco e pouco empanou-se a luz confusa,
que me sorria lá dos olhos seus;
e dalém ondulando uma aura amiga
aos meus ouvidos repetiu adeus!

Nada mais via eu, nem mesmo um raio
fulgir a furto a esperança bela;
mas meus olhos ilusos descobriram
numa amável visão a imagem dela.

Esvaiu-se a visão, qual nuvem áurea
ao bafejar da vespertina aragem;
se aos olhos eu perdia a imagem sua,
no meu peito eu achava a sua imagem.

Ela foi-se! ... E com ela foi minh’alma
na asa veloz da brisa sussurrante,
que ufana do tesouro que levava,
ia... corria... e como vai distante!




quarta-feira, 5 de setembro de 2012

JOSÉ ALBANO (1893-1929)



Poeta singular, no dizer de Manuel Bandeira, "porque inteiramente fora dos quadros da poesia brasileira", José de Abreu Albano nasceu em Fortaleza no dia 12 de abril de 1882 e estudou no Seminário da cidade entre 1892 e 1893. Mas logo o pai o mandou estudar na Europa, onde requentou os melhores colégios, na Inglaterra (Stonyhurst College), na Áustria (Colégio Stella Matutina) e na França (Colégio dos Irmãos da Doutrina Cristã). Dessa formação algo "eclesiástica" duas ilações podem ser tomadas: uma, a linhagem de sua poesia mística; a outra, a sua predileção pelo passado, pois achava que a perfeição artística estava lá. Não lia os escritores de seu tempo e a sua obra, de modo geral, é de gosto clássico, arcaizante, camoniana. Assim, fugia ao esquema, algo repetitivo do Romantismo/Parnasianismo/Simbolismo, fuga para o passado, pois "propositadamente ele não quis ultrapassar a Renascença", como diz José Sombra. Bem jovem ainda, José Albano está de volta à terra natal, quando começa a publicar seus poemas no jornal A República e estuda no Liceu do Ceará. Em 1902 vai para o Rio de Janeiro, com a intenção de estudar Direito, mas interrompe o curso e volta ao Ceará, na condição de professor de latim do Liceu. Europa, Ceará e Rio de janeiro marcarão as várias etapas da vida do poeta. Depois de trabalhar no Ministério das Relações Exteriores, José Albano, já casado, vai para o consulado brasileiro em Londres. Mas abandona a carreira pública para viajar pelo mundo, enquanto continua a produzir seus poemas de feição clássica. Poliglota, escreve em francês, inglês e alemão, mas, como lembra Manuel Bandeira, "tão versado em idiomas estrangeiros, prezava como ninguém a pureza do vernáculo". Inquieto, "um doido com intervalos de gênio", como disse Gondin da Fonseca, José Albano acaba abalado mentalmente, mas se recupera após três anos de tratamento no Brasil e volta à Europa. Alguns de seus poemas são enfeixados, pelo próprio autor, em "plaquetes requintadas", dificilmente encontráveis hoje em alguma biblioteca. Deve-se a Manuel Bandeira e a Braga Montenegro o estudo e a divulgação de suas Rimas. Manuel Bandeira, como inúmeros críticos da obra de José Albano, ficou indeciso quanto à classificação estética do poeta, naquele começo do século com escolas que se entrecruzavam e influenciavam lealmente os poetas. Como o Parnasianismo tinha uma feição algo clássica, tal constatação levou alguns estudiosos a incluírem José Albano nesta Escola. Manuel Bandeira, depois de julgá-lo fora "dos quadros da poesia brasileira", levanta a questão: "Todavia, alguma coisa em sua poesia soa à corrente poética do tempo em que ele viveu. Esse tempo era o simbolismo. Pela espiritualidade de sua inspiração, pela musicalidade de sua forma, pela sensibilidade por assim dizer outonal de seus versos, é dentro do quadro simbolista que melhor cabe a sua singular figura. José Albano morreu na França, em Montauban, às margens do rio Tarn, no dia 11 de julho de 1923, e foi sepultado no pequeno cemitério da cidade.


SONETO


Poeta fui e do áspero destino
Senti bem cedo a mão pesada e dura.
Conheci mais tristeza que ventura
E sempre andei errante e peregrino.

Vivi sujeito ao doce desatino
Que tanto engana, mas. tão pouco dura;
E ainda choro o rigor da sorte escura,
Se nas dores passadas imagino.

Porém, como me agora vejo isento
Dos sonhos que sonhava noite e dia,
E só com saudades me atormento;

Entendo que não tive outra alegria
Nem nunca outro qualquer contentamento
Senão de ter cantado o que sofria.


***



PRECE


Bom Jesus, amador das almas puras
Bom Jesus, amador das almas mansas,
De ti vêm as serenas esperanças,
De ti vêm as angélicas doçuras.
 
Em toda parte vejo que procuras
O pecador ingrato e não descansas,
Para lhe dar as bem-aventuranças
Que os espíritos gozam nas alturas.
 
A mim, pois, que de mágoa desatino
E, noite e dia, em lágrimas me banho,
Vem abrandar o meu cruel destino,
 
E terminado este degredo estranho,
Tem compaixão de mim, pastor divino,
Que não falte uma ovelha ao teu rebanho!


***


ESPARSA

Há no meu peito uma porta
a bater continuamente;
dentro a esperança jaz morta
e o coração jaz doente.
Em toda parte onde eu ando,
ouço este ruído infindo:
são as tristezas entrando
e as alegrias saindo.



quinta-feira, 2 de agosto de 2012

REYNALDO VALINHO ALVAREZ (1931- )


Reynaldo Valinho Alvarez, carioca, formado em Letras, Direito, Economia e Administração, publicou vinte e dois livros de poesia, dois de ficção, dois de ensaio e quinze livros para crianças e adolescentes, além de participar de mais de cinquenta coletâneas de poemas, contos e ensaios, com outros autores, e de colaborar em jornais e revistas. Foi laureado pelas principais instituições culturais do país, entre elas a Academia Brasileira de Letras, o Instituto Nacional do Livro, a Fundação Biblioteca Nacional, o Conselho Estadual de Cultura do Rio de Janeiro, a Fundação Cultural do Distrito Federal, e a Fundação Catarinense de Cultura, além de entidades em Portugal, no México, na Itália e na Espanha. Traduzido para o sueco, o italiano, o espanhol, o francês, o corso, o galego, o persa, o macedônio e o inglês, foi incluído pela crítica entre os nomes mais expressivos da poesia brasileira contemporânea, que representou em festivais internacionais na Suécia, na Macedônia, no Canadá e na Espanha. Publicou 41 livros, 6 deles no exterior, em Portugal, na Suécia, na Itália, no Canadá e na Espanha, sendo que, do total, 22 foram de poesia, 15 de literatura infanto-juvenil, 2 de ficção e 2 de ensaios. Traduzido em sueco, italiano, francês, espanhol, galego, corso, persa, inglês e macedônio, foi premiado em Portugal, no México, na Itália, onde recebeu o Prêmio Camaiore Especial Internacional de Poesia, concedido anteriormente a Karol Woitila (Papa João Paulo II), Eugênio Evtuchenko (um dos maiores poetas russos do século 20) e Lawrence Ferlinghetti (famoso poeta da literatura norte-americana contemporânea), entre outras personalidades. Conquistou em 2009 o Premio Fray Luis de León da Universidade de Salamanca, Espanha, pelo conjunto de sua obra poética. Obteve 30 primeiros lugares e dezenas de colocações secundárias em concursos literários de âmbito nacional e internacional. Entre eles, contam-se os prêmios Fernando Chinaglia 1977 e 1978, da União Brasileira de Escritores; os prêmios Coelho Neto 1978, Carlos de Laet 1978, José Veríssimo 1979 e Olavo Bilac 1981, da Academia Brasileira de Letras; os prêmios Brasília de Poesia para Obra Inédita 1978 e 1980 e Brasília de Crônica para Obra Inédita 1980, da Fundação Cultural do Distrito Federal; o prêmio Emílio Moura 1979, da Coordenadoria de Cultura do Estado de Minas Gerais; o prêmio Status de Poesia Brasileira 1979, da revista Status; o prêmio Instituto Nacional do Livro de Literatura Infantil 1978; o prêmio Augusto Mota 1980, da Sociedade Unificada de Ensino Superior Augusto Mota – SUAM; o prêmio de Ficção 1979, do G.D.E. do Banco Borges & Irmão, Porto, Portugal; os prêmios Nova Friburgo de Literatura 1979 e 1980, da Prefeitura Municipal de Nova Friburgo, RJ; o prêmio Walter Auada 1980, da Academia Ribeirão-pretana de Letras, Ribeirão Preto, SP. Essas premiações tiveram, entre os pareceristas e julgadores, nomes como os de Agustina Bessa Luís e Antônio Rebordão Navarro em Portugal, e Octávio de Faria, Alceu Amoroso Lima, Barbosa Lima Sobrinho, Dom Marcos Barbosa, Benedito Nunes, Afonso Ávila, Mário Chamie, Affonso Romano de Sant’Anna, Adélia Prado, Fany Abramovitch e José Augusto Guerra, no Brasil.  Posteriormente, ganhou, entre outros prêmios, o Mário Quintana de 1989, do Instituto Estadual do Livro do Rio Grande do Sul e da Petrobrás; o Édison Moreira de 1990, da Academia Mineira de Letras e da Rede Milton Reis de Comunicação; o Austregésilo de Athayde de 1984 da Prefeitura Municipal de Lençóis Paulista; o Othon Bezerra de Mello de 1981, da Academia Pernambucana de Letras; o Prêmio Cruz e Sousa 1997 de Poesia, da Fundação Catarinense de Cultura; o Jabuti 1998 de Poesia, da Câmara Brasileira do Livro; o Camaiore Internacional Especial de Poesia de 1999, da Itália; foi Hors-concours do Cecília Meireles de Poesia, de 1997, da União Brasileira de Escritores e Personalidade Cultural Internacional de 1999, da mesma entidade, e recebeu o Golfinho de Ouro de Literatura de 2002, do Conselho Estadual de Cultura do Rio de Janeiro. Em 2009 conquistou o Premio Fray Luis de León da Universidade de Salamanca pelo conjunto de sua obra poética. Como autor de livros de literatura infanto-juvenil, recebeu o Prêmio Instituto Nacional do Livro de Literatura Infantil de 1978, do Instituto Nacional do Livro, Menção Especial do Prêmio Maioridade Crefisul, do Banco Crefisul, o segundo lugar no Prêmio Carioquinha de Literatura, de 1996, da Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, e o primeiro lugar no mesmo prêmio em 1997. Foi incluído na Ciranda do Livro da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, Hoechst e Fundação Roberto Marinho, foi selecionado duas vezes para o Programa Salas de Leitura da FAE, do Ministério da Educação e Cultura, e teve livros considerados Altamente Recomendáveis para Crianças pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil. Representou o Brasil em festivais internacionais de poesia na Suécia, na Macedônia (duas vezes), no Canadá e na Espanha (três vezes). Fez parte de numerosas comissões julgadoras de concursos nacionais de literatura. Manteve, por muitos anos, colunas literárias nos jornais Última Hora e Jornal de Letras. Colaborou em revistas, jornais e suplementos literários do Brasil e do exterior. Participou de mais de 30 obras coletivas com outros escritores, nos gêneros poesia, ensaio e ficção. Foi duas vezes Diretor Cultural da Associação Brasileira de Propaganda, várias vezes vice-presidente da União Brasileira de Escritores do Rio de Janeiro e diretor do Sindicato dos Escritores do Estado do Rio de Janeiro. Pertence ao Pen Clube, à Academia Carioca de Letras, à Academia Guanabarina de Letras e ao Instituto Sanmartiniano de Cultura. Elogiado pelos escritores portugueses Ferreira de Castro, Agustina Bessa Luís e Antônio Rebordão Navarro, e pelos brasileiros Menotti del Picchia, Marques Rebelo, Carlos Drummond de Andrade, Dom Marcos Barbosa, Eduardo Portella, Alceu Amoroso Lima, Alphonsus Guimarães Filho, Virgílio Moretzsohn, Fernando Py, Danilo Gomes, Fagundes de Menezes, Reynaldo Bairão, foi considerado herdeiro de Jorge de Lima por Antônio Olinto, que o aproximou de John Donne. Benedito Nunes vinculou-o a Augusto dos Anjos e a T.S.Eliot e o declarou mais do que um verse-maker brilhante. Ivan Junqueira afirma que, por seus ineditismos formais e conteudísticos, Canto em si confere ao poeta posição quase solitária entre seus pares. E também lembra Jorge de Lima, T.S.Eliot e Augusto dos Anjos. Para Edilberto Coutinho, “é mais um grande poeta brasileiro que – a exemplo de um Cabral, um Ledo Ivo, um Drummond – mostra seu domínio também na prosa.” Antônio Carlos Vilaça saúda na Cidade em grito, o primeiro livro do poeta, “o talento e a solidão”. Para Octávio de Faria, já ao publicar seu segundo livro, Canto em si e outros cantos, era “Inequivocamente, um grande poeta. Já consagrado, e sem possibilidade de qualquer futuro fracasso”. Ainda segundo Benedito Nunes: “Tomando como eixo a oscilação entre som e sentido, a poesia de RVA absorve a herança moderna e defronta-se, também, com a tradição do novo”.





SONETO


Na cinza desta tarde me comovo,
levado por lembranças tão pequenas
que me volta o desejo de partida
quando já estou bem próximo à chegada
e me sobram razões de ter ficado
sem sonhar o momento de partir
nem cultivar tenções de continuar.
Procedo como um louco que se perde
nas voltas renovadas do caminho
e sem saber repisa a mesma trilha.
Repasso o longo espaço percorrido
e me faço perguntas sem resposta.
Onde terei deixado o que perdi
ou que terei deixado ao me perder.


***


A Paz quase impossível


Tudo é parede em torno, tudo é nada
e em vão martelo o crânio contra o muro,
os ladrilhos manchados da prisão,
o cárcere maldito, a solitária,
a cela-surda em que não sento ou deito,
mastigando os insetos do meu dia,
a palavra travada, a fala morta
no tubo amordaçado da garganta,
eu, Sísifo rolando a pedra bruta,
eu, Prometeu acorrentado e exposto
ao abutre infernal, eu, navegante
sem bússola ou sextante, remo ou vela,
eu, estrangeiro indesejado, eu, morto,
insistindo no jogo de estar vivo.


***


ESTRANGEIRO


Sou estrangeiro em todos os lugares.
Inútil procurar-te, aldeia minha.
Subo de escada todos os andares,
com a fria espada a acutilar-me a espinha.
Não sou daqui nem sou de lá. Perdi-me
na indecisão de becos e de esquinas.
Como o pardal diante do gato, vi-me
apanhado por garras assassinas.
Os mapas pendurados nas paredes
riem de mim como insensíveis redes,
rasgando os peixes que não fogem mais.
Prenderam-me entre muros que abomino
e toda a noite entoam-me seu hino
de insultos, gritos e ódios triunfais.  

sexta-feira, 6 de julho de 2012

JUNQUEIRA FREIRE (1832-1855)


Luís José Junqueira Freire nasceu em Salvador, Bahia, em 1832, onde estudou Humanidades. Aos dezoito anos se tornou monge da ordem beneditina e permaneceu na vida religiosa por cerca de quatro anos. A clausura trouxe frustração e foi tema de suas poesias. Junqueira Freire morreu com apenas vinte e três anos vítima de problemas cardíacos. Durante sua vida esteve dividido entre a vida religiosa, espiritual e a sua falta de fé e vocação para a vida celibatária. Suas experiências foram retratadas em suas duas obras poéticas: Inspirações do claustro e Contradições poéticas.  A decisão do autor por uma vida monástica foi em razão dos problemas de convívio familiar sofridos e suas poesias são marcadas por uma autobiografia reveladora. Além disso, nos poemas de Junqueira Freire constam a crise moral da igreja do século XIX e os conflitos do escritor entre a profissão de frei e os fatos que presenciou dentro da igreja. O poeta ainda expressou em suas obras seu pessimismo em relação à vida, seu interesse pelo mundanismo, sua sexualidade reprimida, seu desejo pelo pecado e seu sentimento de culpa. 






Temor


                            (Hora de Delírio)



Não, não é louco. O espírito somente
É que quebrou-lhe um elo da matéria.
Pensa melhor que vós, pensa mais livre,
Aproxima-se mais à essência etérea.

Achou pequeno o cérebro que o tinha:
Suas idéias não cabiam nele;
Seu corpo é que lutou contra sua alma,
E nessa luta foi vencido aquele.

Foi uma repulsão de dois contrários;
Foi um duelo, na verdade insano:
Foi um choque de agentes poderosos:
Foi o divino a combater com o humano.

Agora está mais livre. Algum atilho
Soltou-se-lhe do nó da inteligência;
Quebrou-se o anel dessa prisão de carne,
Entrou agora em sua própria essência.

Agora é mais espírito que corpo:
Agora é mais um ente lá de cima;
É mais, é mais que um homem vão de barro:
É um anjo de Deus, que Deus anima.

Agora, sim - o espírito mais livre
Pode subir às regiões supernas:
Pode, ao descer, anunciar aos homens
As palavras de Deus, também eternas.

E vós, almas terrenas, que a matéria
Ou sufocou ou reduziu a pouco,
Não lhe entendeis, por isso, as frases santas,
E zombando o chamais, portanto: - um louco!

Não, não é louco. O espírito somente
É que quebrou-lhe um elo da matéria.
Pensa melhor que vós, pensa mais livre,
aproxima-se mais à essência etérea. 



***




Martírio


Beijar-te a fronte linda
Beijar-te o aspecto altivo
Beijar-te a tez morena
Beijar-te o rir lascivo

Beijar o ar que aspiras
Beijar o pó que pisas
Beijar a voz que soltas
Beijar a luz que visas

Sentir teus modos frios,
Sentir tua apatia,
Sentir até répúdio,
Sentir essa ironia,

Sentir que me resguardas,
Sentir que me arreceias,
Sentir que me repugnas,
Sentir que até me odeias,

Eis a descrença e a crença,
Eis o absinto e a flor,
Eis o amor e o ódio,
Eis o prazer e a dor!

Eis o estertor de morte,
Eis o martírio eterno,
Eis o ranger dos dentes,
Eis o penar do inferno!




***


Soneto


Arda de raiva contra mim a intriga,
Morra de dor a inveja insaciável;
destile seu veneno detestável
a vil calúnia, pérfida inimiga.

Una-se todo, em traiçoeira liga,
contra mim só, o mundo miserável.
Alimente por mim ódio entranhável
o coração da terra que me abriga.

Sei rir-me da vaidade dos humanos;
sei desprezar um nome não preciso;
sei insultar uns cálculos insanos.

Durmo feliz sobre o suave riso
de uns lábios de mulher gentis, ufanos;
e o mais que os homens são, desprezo e piso