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segunda-feira, 3 de novembro de 2014

JORGE DE LIMA (1893-1953)... E OS 100 ANOS DO LIVRO "XVI ALEXANDRINOS"...

Jorge de Lima, sobre óleo de Portinari, 1937 (coleção particular)





Destinado a pequenas notas de livros didáticos criminosos, pondo-o como um poeta menor e sem interesse, e que chegam às mãos de milhões de alunos de todo o Brasil, limitando-o apenas a uma Negra Fulô insípida, Jorge Mateus de Lima (1893-1953) é, ao lado de Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira, considerado por muitos, um dos poetas mais representativos de todo o Modernismo Brasileiro.

Mas, ao contrário dos outros dois, sua poesia é, sem sombras de dúvidas, a mais intelectual e a mais profundamente formal de todo o século XX, igualando-se apenas a Fernando Pessoa, em Portugal, e ao Bruno Tolentino, aqui, no Brasil.

Todavia, passados mais de 60 anos de sua morte, nem um grande poeta foi tão boicotado, tanto na influência, como em sua importância, quanto este alagoano de União, e a crítica literária brasileira dos últimos 50 anos, medíocre e despreparada – com raríssimas exceções, é claro – tem sido, segundo César Leal (um dos que fazem parte das exceções), em seu maravilhoso Os cavaleiros de Júpiter, a principal responsável por tal desprezo, pois muito mais interessados com os processos econômico-sociais do País, deslocam todo o seu interesse àqueles autores que, imbuídos de semelhante pensamento, têm sua participação mais intensa nesta “tomada de posição”, cujo resultado não poderia ser outro, senão um barbarismo estilístico parasitário que só o pensamento marxista poderia construir, o qual, infelizmente, tem sido a face mais conhecida não só de nossa crítica literária, mas de todo o “pensamento intelectual” brasileiro até os dias de hoje.

Jorge de Lima, maior do que tudo isso, produz uma desdobrável visão da realidade, que é uma função essencial de todo grande poeta, realizando o milagre da fusão temporal, embora sinta a necessidade sempre urgente de transcrevê-lo, no dizer de Murilo Mendes, produzindo uma poesia do Espírito, no sentido mais autêntico do termo. Por estas razões, também, que não é de estranhar que os nossos críticos comunistas e os ditos poetas que nunca fizeram um soneto (não pelo facto de não gostarem, mas pela incapacidade de fazê-lo) sejam incapazes de compreender uma poesia elegante e de tão grande alcance intelectual como a de Jorge de Lima.

Sabendo que o Cristianismo, principalmente o Cristianismo Católico Europeu, está na essência mesma da Cultura Brasileira e que a Bíblia nada mais é do que o principal Mito Fundador da Cultura Ocidental, Jorge Mateus de Lima é para Literatura Brasileira, um pilar fundamental e, por isso mesmo, indispensável, na compreensão não só de a nossa cultura, mas do muito de tudo aquilo que a antecede, pois o bardo alagoano nada mais é que uma síntese de toda a Literatura Universal, além de ser um dos poetas brasileiros que, logicamente, melhor compreendeu Dante Alighieri e Luis de Camões, como a própria História do Cristianismo.

Quem duvidar, por favor, leia a obra de Jorge de Lima, mas vou logo avisando, é preciso ser um iniciado em muitas dessas coisas, para não acabar no time de ignorantes, que há mais de meio século, compõe nossa Crítica Literária.

Em seu mês de aniversário, o blog A POESIA DO BRASIL homenageia o poeta alagoano nos 100 anos da publicação de seu primeiro livro os XIV Alexandrinos.
Um abraço a todos... e muita poesia em suas vidas.








O ACENDEDOR DE LAMPIÕES


Lá vem o acendedor de lampiões da rua!
Este mesmo que vem infatigavelmente,
parodiar o sol e associar-se à lua
quando a sombra da noite enegrece o poente!

Um, dois, três lampiões, acende e continua
outros mais a acender imperturbavelmente,
a medida que a noite aos poucos se acentua
e a palidez da lua apenas se pressente.

Triste ironia atroz que o senso humano irrita:
ele que doira a noite e ilumina a cidade,
talvez não tenha luz na choupana em que habita,

Tanta gente também nos outros Insinua
crenças, religiões, amor, felicidade,
como este acendedor de lampiões da rua!




***




DOMÍNIO RÉGIO

Investiguei a Grécia em Platão e em Homero,
vi Sócrates beber a taça de cicuta...
Depois passei a Roma e analisei de Nero
na boca de Petrônio essa face corrupta.

Conheci Santo Anselmo e São Tomás, Lutero,
estudei de Voltaire a inteligência arguta
e finalmente andei como se fosse Asvero
pela Ciência e a História em requintada luta...

Mas a Arte é que me impõe o seu domínio régio
e é por isso que adoro a mão de Tintoretto
e a sublime palheta e o pincel de Correggio...

E é por isso que eu amo o verso alexandrino
e burilo, Mulher, este pobre soneto
inspirado a pensar em teu perfil divino.


***


CIPÓS

Vegetação bravia. A floresta é do norte;
coqueiros, bambuais, jequitibás frondosos
e presa à selva inteira os cipós portentosos
oprimida e sofrendo o mesmo abraço forte.

Pequenos vegetais condenados à morte
que dantes eram bons e de galhos seivosos,
agora têm alguns, raquíticos, nodosos
gravetos outros já, recurvados sem porte.

Sublime foi então este arvoredo esguio:
a pletora da selva ia outros matando
como o forte aniquila quem é doentio.

Então ele fugiu à compressão funesta,
estirou-se, alongou-se e em cipós se tornando
ei-lo feito opressor esmagando a floresta.






quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

JORGE MATEUS DE LIMA (1893-1953)


Nasceu em União dos Palmares, Etado de Alagoas, e morreu na cidade do Rio de Janeiro. Foi político, médico, poeta, romancista, biógrafo, ensaísta, tradutor e pintor brasileiro. Inicialmente autor de versos alexandrinos, posteriormente transformou-se em um modernista. Era filho de um comerciante rico e mudou-se para Maceió em 1902, com a mãe e os irmãos. Em 1909 foi morar em Salvador onde iniciou os estudos de medicina. Concluiu o curso no Rio de Janeiro em 1914, mas foi como poeta que projetou seu nome. Neste mesmo ano publicou o primeiro livro, XIV Alexandrinos. Voltou para Maceió em 1915 onde se dedicou à medicina, além da literatura e da política. Quando se mudou de Alagoas para o Rio, em 1930, montou um consultório na Cinelândia, transformado também em ateliê de pintura e ponto de encontro de intelectuais. Reunia-se lá gente como Murilo Mendes, Graciliano Ramos e José Lins do Rego. Nesse período publicou aproximadamente dez livros, sendo cinco de poesia. Também exerceu o cargo de deputado estadual, de 1918 a 1922. Com a Revolução de 1930 foi levado a radicar-se definitivamente no Rio de Janeiro. Em 1939 passou a dedicar-se também às artes plásticas, participando de algumas exposições. Em 1952, publicou seu livro mais importante, o épico Invenção de Orfeu. Em 1953, meses antes de morrer, gravou poemas para o Arquivo da Palavra Falada da Biblioteca do Congresso de Washington, nos Estados Unidos da América. Entre 1937 e 1945 teve sua candidatura à Academia Brasileira de Letras recusada por seis vezes. Para Ivan Junqueira, a Academia cometeu uma imperdoável injustiça com o autor, cujo trabalho literário foi excepcionalmente bem recebido pela crítica e pelo público. O acadêmico não acredita que o poeta tenha transitado à margem da literatura de seu tempo e, afirma, quando se refere ao maior poema do autor - Invenção de Orfeu, "…até hoje, transcorridos mais de 50 anos de sua publicação, não há poeta brasileiro que dele não se lembre." Os textos de Jorge de Lima abrigam uma colossal possibilidade de leituras (a convivência entre a tradição e o novo, o vulgar e o sublime, o regional e o universal) refletem um artista em constante mutação, que experimentou estilos diversos como o parnasiano, o o regional o barroco, o religioso. Na sua multiplicidade, Jorge de Lima pertence a todas as épocas, mesmo se reportando a um tema ou uma situação específica, ao tocar em injustiças sociais que mudaram pouco desde o início da civilização e quando escreve sobre as grandes dúvidas de todos nós, "…da miséria humana, da tentativa de superação de nossas amarras e de nossas limitações.", explica o poeta e jornalista Claufe Rodrigues, leitor voraz de Jorge de Lima. Ítalo Moriconi, poeta e professor de literatura brasileira na UERJ, autor, entre outros, de Como e por que ler a poesia brasileira do século XX, ao analisar a obra de Jorge de Lima (contrariamente à Ivan Junqueira quanto a questão de o poeta não ter alcançado fama por conta de sua obra ser, em parte, muitas vezes hermética e comprometida com o catolicismo), não acredita na hipótese de que a questão religiosa tenha atrapalhado a carreira do poeta: "Como poeta religioso Jorge de Lima nunca produziu nada com a qualidade de um Murilo Mendes em "Poesia liberdade". O lugar canônico de Lima vem dos sonetos, da sua primeira poesia modernista e, sobretudo de Invenção de Orfeu”. Moriconi afirma que a maioria dos professores de letras não conhece bem nem Murilo Mendes nem Jorge de Lima e toca num ponto fundamental para a pouca visibilidade do poeta: "…como levar um poeta tão complexo a um currículo básico de graduação? "(…)Quem os conhece, mesmo quando os amam, como é o meu caso, hesitam em substituir um daqueles quatro por esses dois.", referindo-se aos poetas Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Mário Quintana e João Cabral de Melo Neto.










SONETOS GÊMEOS


Se me vires inúmero, através
deste poema, entre as coisas e as criaturas,
como se eu próprio fosse o que outrem é,
dissipado nas páginas impuras,

arrebatado pelo próprio poema,
possesso, surpreendido, fragmentado,
travestido de herói ou de réu, em
quase todos os versos degredado,

negarás, meu irmão, a alma que vive
perdida na ansiedade de si mesma
sonhando a paz, querendo a paz; a paz

mas nas tormentas em que a paz revive
mas nos tormentos em que a paz se lesma
e se intumesce. Eu enlouqueço! Mas

até na álgida paz da insânia Deus
me busca para ser o seu convulsivo
a amado filho em torno de quem crês
  morar a paz que Ele destina viva

a todo aquele que lhe faz perguntas.
Eis as respostas nessas vozes gêmeas,
deblaterando sobre o teu defunto,
sobre teu louco, sobre o teu recente

corpo hoje inda nascido e já julgado
e já descido, e já movido nesses
campos da morte, sob os passos, pássaros,

aos ventos indo, sob as noites gastas,
passos sobre as caliças, sob os gessos,
sob as bocas sem choro, em seus nadas.


***


O grande desastre aéreo de ontem

a Cândido Portinari





Vejo sangue no ar, vejo o piloto que levava uma flor para a noiva, abraçado com a hélice. E o violinista em que a morte acentuou a palidez, despenhar-se com sua cabeleira negra e seu estradivárius. Há mãos e pernas de dançarinas arremessadas na explosão. Corpos irreconhecíveis identificados pelo Grande Reconhecedor. Vejo sangue no ar, vejo chuva de sangue caindo nas nuvens batizadas pelo sangue dos poetas mártires. Vejo a nadadora belíssima, no seu último salto de banhista, mais rápida porque vem sem vida. Vejo três meninas caindo rápidas, enfunadas, como se dançassem ainda. E vejo a louca abraçada ao ramalhete de rosas que ela pensou ser o paraquedas, e a prima-dona com a longa cauda de lantejoulas riscando o céu como um cometa. E o sino que ia para uma capela do oeste, vir dobrando finados pelos pobres mortos. Presumo que a moça adormecida na cabine ainda vem dormindo, tão tranqüila e cega! Ó amigos, o paralítico vem com extrema rapidez, vem como uma estrela cadente, vem com as pernas do vento. Chove sangue sobre as nuvens de Deus. E há poetas míopes que pensam que é o arrebol.


***





SONETO


Era um cavalo todo feito em chamas
alastrado de insânias esbraseadas;
pelas tardes sem tempo ele surgia
e lia a mesma página que eu lia.

Depois lambia os signos e assoprava
a luz intermitente, destronada,
então a escuridão cobria o rei
Nabucodonosor que eu ressonhei.

Bem se sabia que ele não sabia
a lembrança do sonho subsistido
e transformado em musas sublevadas.

Bem se sabia: a noite que o cobria
era a insânia do rei já transformado
no cavalo de fogo que o seguia.