Mostrando postagens com marcador Soneto.... Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Soneto.... Mostrar todas as postagens

sábado, 16 de abril de 2016

JORGE MEDAUAR (1918-2003)


Jorge Emílio Medauar nasceu em Água Preta do Mocambo, sede do então distrito de Ilhéus, hoje cidade e município de Uruçuca. Descende de pais sírio-libaneses. É da chamada “Geração de 45”. Em 1959 foi galardoado com o Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro na categoria "Contos/crônicas/novelas", mesmo ano que Jorge Amado ganho na categoria romance. Foi diretor geral da sucursal paulista de O Globo e, no Rio, secretário da revista Literatura. Era membro da Academia de Letras de Ilhéus e da Academia de Letras do Brasil, com sede em Brasília. Prêmio Jabuti em 1959.








Canto da minha terra

Todos cantam sua terra,
também vou cantar a minha.

Minha terra tem coqueiros,
coco mole, babaçu,
piaçaba, carnaúba,
macaxeira,  jerimum.

Minha terra tem talentos,
Castro Alves, Rui Barbosa,
meu xará, um romancista,
Jesus Cristo que é de lá.

Todos cantam sua terra.

Minha terra tem Bonfim,
cangerê, urucubaca,
Iemanjá, Oxolufã,
Pai-de-santo, candomblé.

Minha terra tem saveiros,
procissão e romaria,
pescador e jangadeiro,
lua cheia sobre o mar.

Minha terra tem jagunços,
tem tocaias e caxixes,
tem São Jorge cavaleiro,
e outros santos de valor.

Minha terra tem dendê,
mugunzá e caruru,
tapioca, acarajé,
mingau de puba e beiju.

Todos cantam sua terra,
também eu cantei a minha.


***




Autobiografia

Meu nome todo é Jorge Emílio Medauar
Filho de imigrantes árabes
Tenho ficha na polícia cidadão indesejável elemento
                                                                      [agitador
E amo gatos bichinhos miúdos sem importância
Nunca matei passarinho (uma vez fui, a mão tremeu)

Amo amizades construídas em bar esquina cabaré
O rio da minha terra
O mar onde pulo em mergulhos
Onde vejo barcos gaivotas penso em piratas
                                                        [heróis da infância
Penso em viagens conhecer tudo quanto é
                                                        [canto do mundo
Amo até porque compreendo os que me magoam
Quando nasci em Água Preta meu pai como
                                                         [qualquer pai
Se alegrou deu dinheiro aos pobres
Farinha e carne seca aos cegos de feira
Minha mãe fez promessa prometeu meu nome a
                                                        [São Jorge meu protetor
Também fui batizado crismado como cristão

Cresci aprendi sofri amei
Amei tanto que virei poeta para amar também
Esta coisa que me espreme o coração
Isto que me dá de noite de manhã a qualquer
                                                         [momento
Que me põe na mesa me obriga a chorar
A ver letras tremendo em minha frente
Gota de lágrima escorrendo pelo rosto borrando
                                                        [a página

Por hoje
- Adeus





***



Soneto          


Sabei, sabei que fiz de antigos cedros
Barcos que a infância pôs à flor das ondas:
Meu pai, que é Medauar, teceu-me as velas
E a filha dos Zaidans, que é minha mãe,

Pôs amoras de mel no tombadilho.
Nesses barcos navego, marinheiro
Fenício do Zodíaco e dos trópicos
Vermelhos de lamentos e canção

Hoje tenho lagunas onde aporto,
Tranquilamente, sob a lua branca,
O coração de Tâmara madura.

Se vos trago damascos e Kakláua
É porque recebi dos velhos árabes
Um lastro de doçura nesses barcos.


quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

JORGE MATEUS DE LIMA (1893-1953)


Nasceu em União dos Palmares, Etado de Alagoas, e morreu na cidade do Rio de Janeiro. Foi político, médico, poeta, romancista, biógrafo, ensaísta, tradutor e pintor brasileiro. Inicialmente autor de versos alexandrinos, posteriormente transformou-se em um modernista. Era filho de um comerciante rico e mudou-se para Maceió em 1902, com a mãe e os irmãos. Em 1909 foi morar em Salvador onde iniciou os estudos de medicina. Concluiu o curso no Rio de Janeiro em 1914, mas foi como poeta que projetou seu nome. Neste mesmo ano publicou o primeiro livro, XIV Alexandrinos. Voltou para Maceió em 1915 onde se dedicou à medicina, além da literatura e da política. Quando se mudou de Alagoas para o Rio, em 1930, montou um consultório na Cinelândia, transformado também em ateliê de pintura e ponto de encontro de intelectuais. Reunia-se lá gente como Murilo Mendes, Graciliano Ramos e José Lins do Rego. Nesse período publicou aproximadamente dez livros, sendo cinco de poesia. Também exerceu o cargo de deputado estadual, de 1918 a 1922. Com a Revolução de 1930 foi levado a radicar-se definitivamente no Rio de Janeiro. Em 1939 passou a dedicar-se também às artes plásticas, participando de algumas exposições. Em 1952, publicou seu livro mais importante, o épico Invenção de Orfeu. Em 1953, meses antes de morrer, gravou poemas para o Arquivo da Palavra Falada da Biblioteca do Congresso de Washington, nos Estados Unidos da América. Entre 1937 e 1945 teve sua candidatura à Academia Brasileira de Letras recusada por seis vezes. Para Ivan Junqueira, a Academia cometeu uma imperdoável injustiça com o autor, cujo trabalho literário foi excepcionalmente bem recebido pela crítica e pelo público. O acadêmico não acredita que o poeta tenha transitado à margem da literatura de seu tempo e, afirma, quando se refere ao maior poema do autor - Invenção de Orfeu, "…até hoje, transcorridos mais de 50 anos de sua publicação, não há poeta brasileiro que dele não se lembre." Os textos de Jorge de Lima abrigam uma colossal possibilidade de leituras (a convivência entre a tradição e o novo, o vulgar e o sublime, o regional e o universal) refletem um artista em constante mutação, que experimentou estilos diversos como o parnasiano, o o regional o barroco, o religioso. Na sua multiplicidade, Jorge de Lima pertence a todas as épocas, mesmo se reportando a um tema ou uma situação específica, ao tocar em injustiças sociais que mudaram pouco desde o início da civilização e quando escreve sobre as grandes dúvidas de todos nós, "…da miséria humana, da tentativa de superação de nossas amarras e de nossas limitações.", explica o poeta e jornalista Claufe Rodrigues, leitor voraz de Jorge de Lima. Ítalo Moriconi, poeta e professor de literatura brasileira na UERJ, autor, entre outros, de Como e por que ler a poesia brasileira do século XX, ao analisar a obra de Jorge de Lima (contrariamente à Ivan Junqueira quanto a questão de o poeta não ter alcançado fama por conta de sua obra ser, em parte, muitas vezes hermética e comprometida com o catolicismo), não acredita na hipótese de que a questão religiosa tenha atrapalhado a carreira do poeta: "Como poeta religioso Jorge de Lima nunca produziu nada com a qualidade de um Murilo Mendes em "Poesia liberdade". O lugar canônico de Lima vem dos sonetos, da sua primeira poesia modernista e, sobretudo de Invenção de Orfeu”. Moriconi afirma que a maioria dos professores de letras não conhece bem nem Murilo Mendes nem Jorge de Lima e toca num ponto fundamental para a pouca visibilidade do poeta: "…como levar um poeta tão complexo a um currículo básico de graduação? "(…)Quem os conhece, mesmo quando os amam, como é o meu caso, hesitam em substituir um daqueles quatro por esses dois.", referindo-se aos poetas Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Mário Quintana e João Cabral de Melo Neto.










SONETOS GÊMEOS


Se me vires inúmero, através
deste poema, entre as coisas e as criaturas,
como se eu próprio fosse o que outrem é,
dissipado nas páginas impuras,

arrebatado pelo próprio poema,
possesso, surpreendido, fragmentado,
travestido de herói ou de réu, em
quase todos os versos degredado,

negarás, meu irmão, a alma que vive
perdida na ansiedade de si mesma
sonhando a paz, querendo a paz; a paz

mas nas tormentas em que a paz revive
mas nos tormentos em que a paz se lesma
e se intumesce. Eu enlouqueço! Mas

até na álgida paz da insânia Deus
me busca para ser o seu convulsivo
a amado filho em torno de quem crês
  morar a paz que Ele destina viva

a todo aquele que lhe faz perguntas.
Eis as respostas nessas vozes gêmeas,
deblaterando sobre o teu defunto,
sobre teu louco, sobre o teu recente

corpo hoje inda nascido e já julgado
e já descido, e já movido nesses
campos da morte, sob os passos, pássaros,

aos ventos indo, sob as noites gastas,
passos sobre as caliças, sob os gessos,
sob as bocas sem choro, em seus nadas.


***


O grande desastre aéreo de ontem

a Cândido Portinari





Vejo sangue no ar, vejo o piloto que levava uma flor para a noiva, abraçado com a hélice. E o violinista em que a morte acentuou a palidez, despenhar-se com sua cabeleira negra e seu estradivárius. Há mãos e pernas de dançarinas arremessadas na explosão. Corpos irreconhecíveis identificados pelo Grande Reconhecedor. Vejo sangue no ar, vejo chuva de sangue caindo nas nuvens batizadas pelo sangue dos poetas mártires. Vejo a nadadora belíssima, no seu último salto de banhista, mais rápida porque vem sem vida. Vejo três meninas caindo rápidas, enfunadas, como se dançassem ainda. E vejo a louca abraçada ao ramalhete de rosas que ela pensou ser o paraquedas, e a prima-dona com a longa cauda de lantejoulas riscando o céu como um cometa. E o sino que ia para uma capela do oeste, vir dobrando finados pelos pobres mortos. Presumo que a moça adormecida na cabine ainda vem dormindo, tão tranqüila e cega! Ó amigos, o paralítico vem com extrema rapidez, vem como uma estrela cadente, vem com as pernas do vento. Chove sangue sobre as nuvens de Deus. E há poetas míopes que pensam que é o arrebol.


***





SONETO


Era um cavalo todo feito em chamas
alastrado de insânias esbraseadas;
pelas tardes sem tempo ele surgia
e lia a mesma página que eu lia.

Depois lambia os signos e assoprava
a luz intermitente, destronada,
então a escuridão cobria o rei
Nabucodonosor que eu ressonhei.

Bem se sabia que ele não sabia
a lembrança do sonho subsistido
e transformado em musas sublevadas.

Bem se sabia: a noite que o cobria
era a insânia do rei já transformado
no cavalo de fogo que o seguia.



quinta-feira, 26 de abril de 2012

FAGUNDES VARELA (1841 – 1875)

Luís Nicolau Fagundes Varela nasceu em 1841, no município de Rio Claro, província do Rio de Janeiro. Depois dos estudos básicos na província natal, matriculou-se na Faculdade de Direito de São Paulo (1862), casando-se no mesmo ano. Daqui por diante a vida foi-lhe um rosário de boêmia, de infelicidades, de intemperança alcoólica, mas de fecundidade poética e de extraordinária inspiração. Um ano passou em Recife (1865) continuando o curso de Direito (3º ano). Em 1866 está de volta a São Paulo, matriculando-se no 4º ano. Os sofrimentos morais levam-no a abandonar o curso e todos os compromissos sociais: só duas realidades o consolam - a poesia e a natureza. Em 1875, com trinta e quatro anos, morre de apoplexia, deixando uma esposa (segundo matrimônio), duas filhinhas e uma obra poética de fulgurações de gênio:  Noturnas (São Paulo, 1861); O estandarte auriverde (São Paulo, 1863); Vozes da América (São Paulo, 1864); Cantos e fantasias (Paris, 1865); Cantos meridionais (São Paulo, 1809); Cantos do ermo e da cidade (Paris, 1869); Anchieta ou o Evangelho nas selvas (Rio, 1875); Cantos Religiosos (Rio, 1878) e Diário de Lázaro (Rio, 1880). Publicaram-se as Obras Completas em três volumes (Havre, 1886?), editadas pela Livraria Garnier.







Cântico do Calvário

À Memória de Meu Filho
Morto a l l de Dezembro
de 1863.


Eras na vida a pomba predileta
Que sobre um mar de angústias conduzia
O ramo da esperança. — Eras a estrela
Que entre as névoas do inverno cintilava
Apontando o caminho ao pegureiro.
Eras a messe de um dourado estio.
Eras o idílio de um amor sublime.
Eras a glória, — a inspiração, — a pátria,
O porvir de teu pai! — Ah! no entanto,
Pomba, — varou-te a flecha do destino!
Astro, — engoliu-te o temporal do norte!
Teto, caíste! — Crença, já não vives!

Correi, correi, oh! lágrimas saudosas,
Legado acerbo da ventura extinta,
Dúbios archotes que a tremer clareiam
A lousa fria de um sonhar que é morto!
Correi! Um dia vos verei mais belas
Que os diamantes de Ofir e de Golgonda
Fulgurar na coroa de martírios
Que me circunda a fronte cismadora!
São mortos para mim da noite os fachos,
Mas Deus vos faz brilhar, lágrimas santas,
E à vossa luz caminharei nos ermos!
Estrelas do sofrer, — gotas de mágoa,
Brando orvalho do céu! — Sede benditas!
Oh! filho de minh'alma! Última rosa
Que neste solo ingrato vicejava!
Minha esperança amargamente doce!
Quando as garças vierem do ocidente
Buscando um novo clima onde pousarem,
Não mais te embalarei sobre os joelhos,
Nem de teus olhos no cerúleo brilho
Acharei um consolo a meus tormentos!
Não mais invocarei a musa errante
Nesses retiros onde cada folha
Era um polido espelho de esmeralda
Que refletia os fugitivos quadros
Dos suspirados tempos que se foram!
Não mais perdido em vaporosas cismas
Escutarei ao pôr do sol, nas serras,
Vibrar a trompa sonorosa e leda
Do caçador que aos lares se recolhe!

Não mais! A areia tem corrido, e o livro
De minha infanda história está completo!
Pouco tenho de anciar! Um passo ainda
E o fruto de meus dias, negro, podre,
Do galho eivado rolará por terra!
Ainda um treno, e o vendaval sem freio
Ao soprar quebrará a última fibra
Da lira infausta que nas mãos sustento!
Tornei-me o eco das tristezas todas
Que entre os homens achei! O lago escuro
Onde ao clarão dos fogos da tormenta
Miram-se as larvas fúnebres do estrago!
Por toda a parte em que arrastei meu manto
Deixei um traço fundo de agonias! ...

Oh! quantas horas não gastei, sentado
Sobre as costas bravias do Oceano,
Esperando que a vida se esvaísse
Como um floco de espuma, ou como o friso
Que deixa n'água o lenho do barqueiro!
Quantos momentos de loucura e febre
Não consumi perdido nos desertos,
Escutando os rumores das florestas,
E procurando nessas vozes torvas
Distinguir o meu cântico de morte!
Quantas noites de angústias e delírios
Não velei, entre as sombras espreitando
A passagem veloz do gênio horrendo
Que o mundo abate ao galopar infrene
Do selvagem corcel? ... E tudo embalde!
A vida parecia ardente e douda
Agarrar-se a meu ser! ... E tu tão jovem,
Tão puro ainda, ainda n'alvorada,
Ave banhada em mares de esperança,

Rosa em botão, crisálida entre luzes,
Foste o escolhido na tremenda ceifa!
Ah! quando a vez primeira em meus cabelos
Senti bater teu hálito suave;
Quando em meus braços te cerrei, ouvindo
Pulsar-te o coração divino ainda;
Quando fitei teus olhos sossegados,
Abismos de inocência e de candura,
E baixo e a medo murmurei: meu filho!
Meu filho! frase imensa, inexplicável,
Grata como o chorar de Madalena
Aos pés do Redentor ... ah! pelas fibras
Senti rugir o vento incendiado
Desse amor infinito que eterniza
O consórcio dos orbes que se enredam
Dos mistérios do ser na teia augusta!
Que prende o céu à terra e a terra aos anjos!
Que se expande em torrentes inefáveis
Do seio imaculado de Maria!
Cegou-me tanta luz! Errei, fui homem!
E de meu erro a punição cruenta
Na mesma glória que elevou-me aos astros,
Chorando aos pés da cruz, hoje padeço!

O som da orquestra, o retumbar dos bronzes,
A voz mentida de rafeiros bardos,
Torpe alegria que circunda os berços
Quando a opulência doura-lhes as bordas,
Não te saudaram ao sorrir primeiro,
Clícía mimosa rebentada à sombra!
Mas ah! se pompas, esplendor faltaram-te,
Tiveste mais que os príncipes da terra!
Templos, altares de afeição sem termos!
Mundos de sentimento e de magia!
Cantos ditados pelo próprio Deus!
Oh! quantos reis que a humanidade aviltam,
E o gênio esmagam dos soberbos tronos,
Trocariam a púrpura romana
Por um verso, uma nota, um som apenas
Dos fecundos poemas que inspiraste!

Que belos sonhos! Que ilusões benditas!
Do cantor infeliz lançaste à vida,
Arco-íris de amor! Luz da aliança,
Calma e fulgente em meio da tormenta!
Do exílio escuro a cítara chorosa
Surgiu de novo e às virações errantes
Lançou dilúvios de harmonias! — O gozo
Ao pranto sucedeu. As férreas horas
Em desejos alados se mudaram.
Noites fugiam, madrugadas vinham,
Mas sepultado num prazer profundo
Não te deixava o berço descuidoso,
Nem de teu rosto meu olhar tirava,
Nem de outros sonhos que dos teus vivia!

Como eras lindo! Nas rosadas faces
Tinhas ainda o tépido vestígio
Dos beijos divinais, — nos olhos langues
Brilhava o brando raio que acendera
A bênção do Senhor quando o deixaste!
Sobre o teu corpo a chusma dos anjinhos,
Filhos do éter e da luz, voavam,
Riam-se alegres, das caçoilas níveas
Celeste aroma te vertendo ao corpo!
E eu dizia comigo: — teu destino
Será mais belo que o cantar das fadas
Que dançam no arrebol, — mais triunfante
Que o sol nascente derribando ao nada
Muralhas de negrume! ... Irás tão alto
Como o pássaro-rei do Novo Mundo!

Ai! doudo sonho! ... Uma estação passou-se,
E tantas glórias, tão risonhos planos
Desfizeram-se em pó! O gênio escuro
Abrasou com seu facho ensangüentado
Meus soberbos castelos. A desgraça
Sentou-se em meu solar, e a soberana
Dos sinistros impérios de além-mundo
Com seu dedo real selou-te a fronte!
Inda te vejo pelas noites minhas,
Em meus dias sem luz vejo-te ainda,
Creio-te vivo, e morto te pranteio! ...

Ouço o tanger monótono dos sinos,
E cada vibração contar parece
As ilusões que murcham-se contigo!
Escuto em meio de confusas vozes,
Cheias de frases pueris, estultas,
O linho mortuário que retalham
Para envolver teu corpo! Vejo esparsas
Saudades e perpétuas, — sinto o aroma
Do incenso das igrejas, — ouço os cantos
Dos ministros de Deus que me repetem
Que não és mais da terra!... E choro embalde.

Mas não! Tu dormes no infinito seio
Do Criador dos seres! Tu me falas
Na voz dos ventos, no chorar das aves,
Talvez das ondas no respiro flébil!
Tu me contemplas lá do céu, quem sabe,
No vulto solitário de uma estrela,
E são teus raios que meu estro aquecem!
Pois bem! Mostra-me as voltas do caminho!
Brilha e fulgura no azulado manto,
Mas não te arrojes, lágrima da noite,
Nas ondas nebulosas do ocidente!
Brilha e fulgura! Quando a morte fria
Sobre mim sacudir o pó das asas,
Escada de Jacó serão teus raios
Por onde asinha subirá minh'alma.

***


Névoas


Nas horas tardias que a noite desmaia
Que rolam na praia mil vagas azuis,
E a lua cercada de pálida chama
Nos mares derrama seu pranto de luz,

Eu vi entre os flocos de névoas imensas,
Que em grutas extensas se elevam no ar,
Um corpo de fada — sereno, dormindo,
Tranqüila sorrindo num brando sonhar.

Na forma de neve — puríssima e nua —
Um raio da lua de manso batia,
E assim reclinada no túrbido leito
Seu pálido peito de amores tremia.

Oh! filha das névoas! das veigas viçosas,
Das verdes, cheirosas roseiras do céu,
Acaso rolaste tão bela dormindo,
E dormes, sorrindo, das nuvens no véu?

O orvalho das noites congela-te a fronte,
As orlas do monte se escondem nas brumas,
E queda repousas num mar de neblina,
Qual pérola fina no leito de espumas!

Nas nuas espáduas, dos astros dormentes
— Tão frio — não sentes o pranto filtrar?
E as asas, de prata do gênio das noites
Em tíbios açoites a trança agitar?

Ai! vem, que nas nuvens te mata o desejo
De um férvido beijo gozares em vão!...
Os astros sem alma se cansam de olhar-te,
Nem podem amar-te, nem dizem paixão!

E as auras passavam — e as névoas tremiam
— E os gênios corriam — no espaço a cantar,
Mas ela dormia tão pura e divina
Qual pálida ondina nas águas do mar!

Imagem formosa das nuvens da Ilíria,
— Brilhante Valquíria — das brumas do Norte,
Não ouves ao menos do bardo os clamores,
Envolto em vapores — mais fria que a morte!

Oh! vem; vem, minh'alma! teu rosto gelado,
Teu seio molhado de orvalho brilhante,
Eu quero aquecê-los no peito incendido,
— Contar-te ao ouvido paixão delirante!...

Assim eu clamava tristonho e pendido,
Ouvindo o gemido da onda na praia,
Na hora em que fogem as névoas sombrias
– Nas horas tardias que a noite desmaia.

E as brisas da aurora ligeiras corriam.
No leito batiam da fada divina...
Sumiram-se as brumas do vento à bafagem,
E a pálida imagem desfez-se em — neblina!

 
***

SONETO

Desponta a estrela d'alva, a noite morre.
Pulam no mato alígeros cantores,
E doce a brisa no arraial das flores
Lânguidas queixas murmurando corre.

Volúvel tribo a solidão percorre
Das borboletas de brilhantes cores;
Soluça o arroio; diz a rola amores
Nas verdes balsas donde o orvalho escorre.

Tudo é luz e esplendor; tudo se esfuma
Às carícias da aurora, ao céu risonho,
Ao flóreo bafo que o sertão perfuma!

Porém minh'alma triste e sem um sonho
Repete olhando o prado, o rio, a espuma:
- Oh! mundo encantador, tu és medonho
!