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João Carlos Teixeira Gomes é ensaísta, poeta, professor de literatura brasileira na Universidade Federal da Bahia. Em 1985 publicou um livro sobre Gregório de Mattos e a tradição da sátira peninsular (Gregório de Mattos, o Boca de Brasa) que foi muito bem recebido pela crítica e pelo público e que até hoje é referência para os estudos do “Boca do Inferno”. Outro trabalho de sua autoria, também publicado, foi Camões Contestador e Outros Ensaios. Além desses, participou, em colaboração, dos livros Dezoito Contistas Baianos, Da Ideologia do Pessimismo à Ideologia da Esperança, A Obsessão Barroca da Morte de Manuel Bernardes e Quevedo. É também o autor do polêmico Memórias das Trevas - Uma devassa na vida de Antônio Carlos Magalhães, Geração Editorial - São Paulo, ocupa a cadeira nº. 15 da Academia de Letras da Bahia. Tem três livros de poesias publicados: Ciclo Imaginário, O Domador de Gafanhotos e A Esfinge Contemplada. Deste último, lançado pela Editora Nova Fronteira - Rio de Janeiro, 1988. Seu próximo livro de poemas, de onde este belo soneto Da ilusão feminina, nos foi gentilmente cedido, está no prelo... |
DA ILUSÃO FEMININA (Inédito)*
Para além da beleza que enfeitiça,
és a musa que nenhuma outra iguala
e se perco a razão nessa premissa,
pior é, por te amar, perder a fala.
Do bravo amor na afortunada liça,
com os segredos que o meu verso cala,
sinto o ardor que o coração atiça,
sinto a paixão que teu perfume exala.
Ó feiticeira que me tens domado,
rendido à tentação dos olhos claros,
dúbios focos de amor desesperado,
nada pode conter teus artifícios,
pois se usas seduzir em lances raros
nas artes de iludir tens dons propícios.
***
CARTA ELEGÍACA
A GERÂNIA MIRAGAIA
I
Amo-te porque detesto a exatidão.
Porque tens o apelo das coisas imprevisíveis.
Como o pôr-do-sol,
que, sendo o mesmo, surpreende todos os dias;
ou a colocação das estrelas
no céu, sujeitas a giros mínimos,
todavia perceptíveis;
a oscilação das marés,
a renovação da natureza.
Nada é tão completo
que não deva mudar a cada momento.
II
E, na verdade, muda.
Contempla com atenção a paisagem
do teu rosto
para que enfim não te assustem
as tramas do tempo falaz
que te espreita (ávido) da engrenagem das horas.
Jamais a superfície dos espelhos
permitirá segredos a teus olhos atentos.
É ilusão suborná-los.
Neles, a cada manhã,
o exato registro das armadilhas do tempo,
ante cujos enredos
somente os ventos permanecem inalterados
– porque sopram da Eternidade.
E embora seja algo de leve e de alado
(porque assim é a beleza moça)
obviamente não tens a essência
ou as disponibilidades dos ventos.
III
Ah, os ventos. Quem os decifra?
Suas rotas são circulares
e por isso imutáveis.
Estes que agora te envolvem as formas efêmeras
são os mesmos que desfolharam as árvores do Paraíso no primeiro outono,
varreram o refúgio dos deuses antigos
e os desertos dos profetas,
invadiram as ágoras silenciosas
e se multiplicaram no corredor dos séculos,
ungidos de poder e desdém.
Mais uma vez chegaram para testemunhar
a fragilidade da perecível argila.
Vieram e estão indo,
pois o seu trânsito é ilimitado: tocarão
as gerações sucessivas
até o final dos tempos,
quando de novo soprarão sobre a terra deserdada,
vasto campo de ossos empilhados
após as flagelações do Juízo.
Ama os ventos porque são livres,
mas inveja-os porque são perenes
e continuarão a rodar em desatino,
enquanto a cada instante
murcharão as pétalas da tua beleza,
grande flor temporal que um dia a morte virá colher
para enfeitar a fronte descarnada,
ela que incessante cultiva
nos umbrais da vida sem retorno
os seus buquês de pungência e corrosivo mistério.
***
A PEDRA PERDIDA
Era uma pedra perdida,
de duro calcário espesso.
Era uma pedra in natura.
Não era vidro, nem gesso.
No chão crestado jazia,
alheia às paixões do mundo:
argila da eternidade,
crosta do tempo infecundo.
Cauteloso, examinei-a
tomando-a na mão discreta:
— É algo que somente existe
em sua essência incompleta.
Corra o tempo fugidio
e há de ser sempre o que é:
forma pura que se basta
sem se dar conta nem fé,
massa vã que se empareda
num rude universo tosco,
presa dos próprios limites
contidos no brilho fosco.
Não pensa, não quer, não sonha.
Nada sabe nem aspira.
Mas eu, que choro e que tenho
um coração que delira,
que sinto o vibrar da cólera
e do fervor mais profundo,
eu logo serei fumaça
dissolvida além do mundo,
matéria desativada
ou pó de humana carcaça
— mas a pedra reinará
na glória turva do nada.
Daqui a mais alguns anos
(que depressa hão-de passar)
já serei fumo esvaído
- mas a pedra há de restar.
E assim ficará, invicta,
sem desejos nem remorsos,
pairando com soberbia
no que sobrar dos meus ossos.
Com raiva, num puro assomo,
tomei a pedra na mão
e lancei-a ao mar profundo:
nada buliu na manhã
nem a paz nimbou o mundo.
Pois à muda natureza
são coisas que não consomem
a dureza de uma pedra
e os sentimentos de um homem.
* Registre-se aqui o nosso mais profundo agradecimento ao poeta por ter tão gentilmente nos honrado com este poema ainda inédito de sua lavra... Abraço amigo ao "Pena de Aço"... João Carlos Teixeira Gomes.