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José dos Santos Souza, nasceu em Riachuelo, Sergipe. Aos 13 anos, o menino
Santo Souza já falava de amor em seus poemas. José Santo Souza um dos maiores
poetas vivos do país, viveu em sua cidade natal até os 17 anos trabalhando em
farmácia, e em Aracaju, ele continuou trabalhando no ramo onde aprendeu a
manipular medicamentos com a mesma maestria que o conservou na função por 26
anos. Somente em 1938 ele retornou à poesia. Por puro desencanto, Santo Souza
parou de escrever e foi se dedicar a música, aliás, com todo autodidatismo que
lhe é peculiar. Estudou música aos 15 anos como se estivesse estudando
aritmética, talvez por isso aprendeu a tocar em três meses, inclusive compondo
para clarineta algumas valsas para a namorada. Autor de vários livros, todos os
poemas, sendo o primeiro livro publicado Cidade
Subterrânea (1953) e assim suas obras
vieram sucessivamente como: Caderno de
Elegias (1954); Relíquias (1955);
Ode Órfica (1956); Pássaro de Pedra e Sono (1964); Oito Poemas Densos (1964); Concerto e Arquitetura (1974); Pentáculo do Medo (1980); A Ode e o Medo (1988); Obra Escolhida (1989); Âncoras de Arco (1994); A Construção do Espanto (1998); Rosa de Fogo e Lágrima (2004); Réquiem para Orféu (2005); Deus Ensanguentado (2008); Crepúsculo de Esplendores (2010)...
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CANTO II
Ah, ousamos
reger o mar sagrado
para onde a
noite inválida se afasta
com a partitura
efêmera das horas!
Treme no aquário
nossas mãos. O rio
torna a
mover-se, envolve nossos pés,
restaura o amor
na imagem fugidia
de nossos olhos
ímpios e vulgares,
e um riso antigo
vem doer na bpca
da sibila cruel
que nos desata
o nó da
liberdade que ansiamos.
Que surpresa
incontida nos impele
e faz que
penetremos insubmissos
nestes vales
revoltos, nestas dunas,
neste vasto
silêncio encarcerado
em templos e
oceanos que não vemos?
Outrora aqui
tecemos com paciência
lendas heróicas,
lagos, e as palavras
com que
reconquistamos o segredo
da noite
inicial, e construímos
com a sua
tessitura a eternidade.
Aqui com nossas
lágrimas regamos
chão,
firmamento, rios. Dissolvemos
a luz da aurora
em nossas amarguras.
E, para dissipar
o espesso tédio,
dilatamos o
cerco do horizonte
para além das
colunas demarcadas
pelo Eterno que,
agora, nos contempla
e soma o nosso
esforço, esta agonia
em que nos vamos
iludindo a vida
com sangue,
pedra, fel e poesia.
Mas onde os
nossos mares? Onde as naves
que nossas mãos
domavam, contornando
suas ondas e
praias, suas vozes,
a sinfonia
mágica das águas,
o rodízio das
noites, a cantiga dos afogados, o sorriso e o choro
das crianças
perdidas, navegando
nos braços das
sereias, e a tristeza
de Deus, ao
perceber nosso fracasso
no mar que ele
nos dera e nós perdemos?
Era vasto o
domínio. Nosso olhar
limitava o
destino das fronteiras
por onde a morte
inútil circulava.
Calculamos o
tempo e o esperdiçamos.
Fomos tardos no
avanço, e cedo vimos
fugir de nossas
mãos o leme, e a rota
se perdeu. Nosso
canto, diluído
nas águas, já
não rege o itinerário
desta sagrada
luta que engendramos:
perdido o jogo,
a morte nos suplanta.
***
BALIZA
Cravar a estrela
no chão
e dizer à noite:
agora,
afaste-se a
escuridão
que eu vou
chegando com a aurora.
E fazer brotar
da terra
- da terra que
tudo faz –
não a treva e o
ódio da guerra,
mas a luz e o
amor da paz.
Que eu vim
traçar nos caminhos
(invés de dor e
agonia)
a rota livre dos
homens
com as tintas
claras do dia.
***
de auroras, noites e sereias
Jogo os dados no
mar, como quem joga
a sorte das
estrelas ou do vento,
e fico a
embaralhar as ondas, como
o lúcido
hierofante que desvenda
nas cartas
o destino dos mortais.
Não sei qual é a
carta-chave, mas
capto o sentido
exato e a voz de quem
profere a frase
mágica de tudo.
E se há no
fundo náufragos que vão
com dedos ágeis
folheando páginas
de noites e de
auroras impossíveis,
na
superfície há sempre olhos profanos
de peixes e
sereias, traduzindo
o jogo de meus
dedos sobre o mar.