domingo, 14 de junho de 2015

NÍSIA FLORESTA BRASILEIRA AUGUSTA [DIONÍSIA GONÇALVES PINTO] (1810-1885)


Filha do português Dionísio Gonçalves Pinto com uma brasileira, Antônia Clara Freire, nasceu em uma pequena cidade do Rio Grande do Norte, tendo sido foi batizada como Dionísia Gonçalves Pinto. No entanto, ficaria conhecida pelo pseudônimo de Nísia Floresta Brasileira Augusta. Floresta, o nome do sítio (fazenda) onde nasceu. Brasileira é o símbolo de seu ufanismo, uma necessidade de afirmação da nacionalidade de quem vivera quase três décadas na Europa. Augusta é uma recordação de seu segundo marido, Manuel Augusto de Faria Rocha, com quem se casou em 1828, pai de sua filha Lívia Augusta. Em 1828, o pai de Nísia havia sido assassinado no Recife, para onde a família havia se mudado. Em 1831 publica em um jornal pernambucano (Espelho das brasileiras) uma série de artigos sobre a condição feminina. Do Recife, já viúva, com a pequena Lívia e sua mãe, Nísia vai para o Rio Grande do Sul onde se instala e dirige um colégio para meninas. O início da Guerra dos Farrapos interrompe seus planos e Nísia resolve fixar-se no Rio de Janeiro, onde funda e dirige os colégios Brasil e Augusto, conhecidos pelo alto nível de ensino. Em 1849, por recomendação médica leva sua filha que havia se acidentado gravemente, para a Europa. Ali permaneceu por um longo tempo, morando a maior parte do período em Paris. Em 1853, publicou Opúsculo Humanitário, uma coleção de artigos sobre emancipação feminina , que foi merecedor de uma apreciação favorável de Auguste Comte, pai do Positivismo. Esteve no Brasil entre 1872 e 1875, em plena campanha abolicionista liderada por Joaquim Nabuco, mas quase nada se sabe sobre sua vida nesse período. Retorna para a Europa em 1875 e em 1878 publica seu último trabalho Fragments d’un ouvrage inédit: Notes biographiques. Nísia morreu de pneumonia e foi enterrada no cemitério de Bonsecours. Em agosto de 1954, quase setenta anos depois, os despojos foram levados para sua cidade natal, que já se chamava Nísia Floresta. Primeiramente foram depositados na igreja matriz, depois foram levados para um túmulo no sítio Floresta, onde ela nasceu. A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos marcou a data com o lançamento de um selo postal. Direitos das mulheres e injustiça dos homens, primeiro livro escrito por ela, e o primeiro no Brasil a tratar dos direitos das mulheres à instrução e ao trabalho, inspirado no livro da feminista inglesa Mary Wollstonecraft: Vindications of the Rights of Woman. Nísia não fez uma simples tradução, ela se utiliza do texto da inglesa e introduz suas próprias reflexões sobre a realidade brasileira. Não é, portanto, o texto inglês que se conhece ao ler estes Direitos das mulheres e injustiça dos homens. Nesta tradução livre, temos talvez o texto fundante do feminismo brasileiro, se o vemos como uma nova escritura, ainda que inspirado na leitura de outro. Foi esse livro que deu à autora o título de precursora do feminismo no Brasil e até mesmo da América Latina, pois não existem registros de textos anteriores realizados com estas intenções, mas ela não parou por ai, em outros livros ela continuará destacando a importância da educação feminina para a mulher e a sociedade. São eles: Conselhos a minha filha, de 1842; Opúsculo humanitário, de 1853; A Mulher, de 1859. Em seu livro Patronos e Acadêmicos - referente às personalidades da Academia Norte-Riograndense de Letras, Veríssimo de Melo começa o capítulo sobre Nísia da seguinte maneira: “Nísia Floresta Brasileira Augusta foi a mais notável mulher que a História do Rio Grande do Norte registra”.
















AQUI SOB ESTA ABÓBODA


Aqui sob o zimbório, onde um santo viveu,
Eu cismo sobre o nada... E a lama entristeceu...
E vem-me ao coração, assim, desiludido,
Santa recordação do meu filho querido...
A lembrança dos meus é orvalho enluarado
Suavizando o calor do meu peito abrasado.
Da vida no espinhal, de minha mãe a imagem
É perfume de flor, é verde de ramagem...
Branca e doce visão aos pés do altar pendida,
Intercedendo aos céus pela filha dorida,
Que chora de amargor, ante o vício e o pecado,
Enquanto escuta da alma um som nunca estudado...
Brando e divino som, que ao coração me vem
Como réstias do sol, como um sopro do Bem...
Seria a tua prece, ó mãe, o teu cicio
Que em mim repercutindo, eu sinto que alivio?
Deus fazendo vibrar seráfica oração,
Harmonia do céu, dentro do coração?
Ó mãe, esposo e pai, ó trindade primeira,
Que eu recordo, entre o crepe e a flor da laranjeira,
Como estrelas brilhando em rosários de luz,
Um clarão derramai aos pés da minha Cruz!...


***


Improviso
                                              ao distinto literato e grande poeta
                                                     Antônio Feliciano de Castilho

 Vate sublime, que os primeiros sonhos 
Da juventude minha hás embalado, 
Quando às margens do fresco Beberibe 
Os teus primores d’arte eu decorava 
Às ilusões entregue dessa idade, 
Em que os risos de amor tanto seduzem! 
Tu nos deixas enfim! e as plagas nossas 
Ao verem-te sair gemem saudosas; 
Gemem os corações dos brasileiros, 
Que como meu reter-te não puderam 
Nesta terra que ufana te incensara 
Se o gênio aqui tivesse um templo seu! 
Inclina triste a fronte, ó pãor-de-açúcar, 
Ao poeta que passa! ao gênio deve 
A matéria imponente assim curvar-se. 
Embalde indiferente ela se ostente, 
A grande inteligência, que mar afora 
Lá se vai!...nos corações nossos deixando 
Da pungente saudade a dor acerba! 


***


A Lágrima de um Caeté

(Fragmento)




Lá quando no Ocidente o sol havia
seus raios mergulhado, e a noite triste
denso ebânico véu já começava
vagarosa a estender por sobre a terra;
pelas margens do fresco Beberibe,
em seus mais melancólicos lugares,

azados para a dor de quem se apraz
sobre a dor meditar que a Pátria enluta!

Vagava solitário um vulto de homem,
de quando em quando ao céu levando os olhos
sobre a terra depois triste os volvendo...
Não lhe cingia a fronte um diadema,
insígnia de opressor da humanidade...
armas não empunhava, que os tiranos
inventaram cruéis, e sob as quais
sucumbe o rijo peito, vence o inerte,
mata do fraco a bala o corajoso,
mas deste ao pulso forte aquele foge...
caia-lhe dos ombros sombreados
por negra espessa nuvem de cabelos,
arco e cheio carcaz de simples flechas:
adornavam-lhe o corpo lindas penas
pendentes da cintura, as pontas suas
seus joelhos beijavam musculosos
em seu rosto expansivo não se viam
os gestos, as momices, que contrai
a composta infiel fisionomia
desses seres do mundo social,
que devorados uns de paixões feras,
no vício mergulhados falam outros
altivos da virtude, que postergam
de Deus os sãos preceitos quebrantando!
Orgulhosos depois... ostentar ousam
de homem civilizado o nome, a honra!...

(...)

Era um homem sem máscara, enriquecido
não do ouro roubado aos iguais seus,
nem de míseros africanos d'além-mar,
às plagas brasileiras arrastados
por sedenta ambição, por crime atroz!
Nem de empregos que impudentes vendem,
a honra traficando! o mesmo amor!!
Mas uma alma, de vícios não manchada,
enriquecida tinha das virtudes
que valem muito mais que esses tesouros.
Era da natureza o filho altivo,

tão simples como ela, nela achando
toda a sua riqueza, o seu bem todo...
O bravo, o destemido, o grão selvagem,
o Brasileiro era... - era um Caeté! -
era um Caeté, que vagava
na terra que Deus lhe deu,
onde Pátria, esposa e filhos
ele embalde defendeu!...

(...)

Ó terra de meus pais, ó Pátria minha!
Que seus restos guardando, viste de outros
longo tempo a bravura disputar
ao feroz estrangeiro a Pátria nossa,
a nossa liberdade, os frutos seus!...
Recolhe o pranto meu, quando dispersos
pelas vastas florestas tristes vagam
0s poucos filhos teus à morte escapos,
ao jugo de tiranos opressores,
que em nome do piedoso céu vieram
tirar-nos estes bens que o céu nos dera!
As esposas, a filha, a paz roubar-nos!...
Trazendo d' além-mar as leis, os vícios,
nossas leis e costumes postergaram!
Por nossos costumes singelos e simples
em troco nos deram a fraude, a mentira.
De bárbaros nos dando o nome, que deles
na antiga e moderna História se tira. 


RIBEIRO PEDREIRA (1978 - )

Luiz Eduardo Ribeiro Pedreira nasceu em Santo Amaro. Apesar de ter passado boa parte de sua vida no município de Feira de Santana, com seus pais (também santamarenses), sempre manteve laços afetivos muito fortes com a sua terra natal, onde tem familiares e amigos.  Publicou seu primeiro livro de poemas, Saveiros de Papel, em 2015, pela Editora Mondrongo. Foi co-fundador do extinto grupo de recital Inéditos & Dispersos, com o qual gravou um disco de poemas escritos por poetas conterrâneos. Teve alguns de seus versos publicados, também, nos periódicos O Ataque (impresso e virtual) e O Trombone, ambos de Santo Amaro. Além de poeta é letrista de música popular, ainda inédito e tem canções em parceria com Paulo Gabiru, Hélio Braz, Márcio Valverde e Milton Primo, dentre outros. 








Augusto

à memória do Tio Gugu





Partiu como quem sagrara o fim
no aceitar das dores.

Acertara os ponteiros do tempo
pelas intensidades de existir

e qualquer descuido
foi mera consistência
dos passos havidos.

Para não tropeçar nas pedras
levava no bolso alguma geologia...

mas dessa vez foi tão rápido
que acabou deixando a saudade.




 ***





Pequeno tratado sobre a inveja



Hoje eu descobri
que a inveja envelhece.

Só que as rugas aparecem
não na pele, mas no olhar.




 ***


  

Soterópolis



O que me toca na Cidade da Bahia
é a contradição do centro antigo
e o que não existe mais.



CARLOS NEJAR (1939 - )

Luiz Carlos Verzoni Nejar nasceu em Porto Alegre, Rio Grande do Sul. É tradutor, advogado, promotor e procurador de justiça aposentado e, principalmente, poeta. O seu primeiro livro de poemas, Sélesis, foi lançado em 1960 e hoje conta com mais de 30 títulos, além de romances: Um certo Jaques Netan (1991), O túnel perfeito (1994), Carta aos loucos (1998), ensaios diversos e até literatura infanto-juvenil: O Menino-rio (1985), Era um vento muito branco (1987), A formiga metafísica (1988), Zão (1989), Grande vento (1997). Participou de inúmeras antologias e coletâneas de poesias e tem sua obra traduzida para diversos idiomas. Em 1989, entrou na Academia Brasileira de Letras, ocupando a cadeira de seu conterrâneo Vianna Moog. Na condição de promotor de justiça, viajou por todo o interior do Rio Grande do Sul, conhecendo palmo a palmo o pampa que avulta na sua visão poética. Participou de vários congressos e eventos internacionais de poesia. Entre alguns de seus principais livros de poesias, encontram-se: O campeador do vento (1966), Danações (1969), Ordenações (1971), Casa dos arreios (1973), O poço do calabouço (1974), A árvore do mundo (1977), Os viventes (1979), Livro de gazéis (1984), A genealogia da palavra (1989), Amar, a mais alta constelação (1991), Simon vento Bolívar (1993), Arca da aliança (1995), Sonetos do paiol, Ao sul da aurora (1997) e O poço dos milagres (2005), obra em prosa não bem recebida pela crítica. 









Abandonei-me ao vento...

 

Abandonei-me ao vento. Quem sou, pode
explicar-te o vento que me invade.
E já perdi o nome ao som da morte,
ganhei um outro livre, que me sabe

quando me levantar e o corpo solte
o meu despojo vão. Em toda parte
o vento há-de soprar, onde não cabe
a morte mais. A morte a morte explode.

E os seus fragmentos caem na viração
e o que ela foi na pedra se consome.
Abandonei-me ao vento como um grão.

Sem a opressão dos ganhos, utensílio,
abandonei-me. E assim fiquei conciso,
eterno. Mas o amor guardou meu nome.



***



Soneto aos sapatos quietos



Os pés dos sapatos juntos.
Hei-de calçá-los, soltos
e imensos, e talvez rotos,
como dois velhos marujos.

Nunca terão o desgosto
que tive. Jamais o sujo
desconsolo: estando postos,
como eu, em chãos defuntos.

Em vãos de flor, sem o riacho
de um pé a outro, entre guizos.
Não há demência ou fome.

Sapatos nos pés não comem.
Só dormem. Porém, descalço
pela alma, o paraíso. 

 

***



Aos amigos e inimigos 


De amigos e inimigos 
fui servido, 
agora estamos unidos, 
atrelados ao degredo. 

Nunca fui o escolhido 
onde os deuses me puseram. 
Nem sou deles, sou de mim 
e dos íntimos infernos. 

Não. 
Não me entreguem aos mortos, 
os filhos que me pariram 
e plasmei com meus remorsos 
no seu mágico convívio. 

De amigos e inimigos 
fui servido 
e com tão finada vida 
e alegados motivos, 
que ao dar por eles, já partira 
e quando dei por mim, não estava vivo.