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Boêmio notório e de vida inteiramente
desregrada, José Américo Augusto Olímpio Cavalcanti dos Alboquerques Maranhão Sobrinho "foi o mais
considerável poeta do seu tempo, no extremo Norte, e o simbolista ortodoxo, o
satanista por excelência do movimento naquela região", segundo o crítico
Andrade Murici. Criado em Barra do Corda, no interior do Maranhão, conta-se que
quando criança era irrequieto, brincalhão e levado mesmo da breca, no dizer dos
seus contemporâneos. Freqüentou irregularmente os primeiros estudos no
conceituado colégio do Dr. Isaac Martins, educador de excepcionais qualidades,
ardoroso propagandista republicano e abolicionista. Em 15 de agosto de 1899,
com o auxílio paterno, embarcou para São Luís, onde no ano seguinte funda a
"Oficina dos Novos" e matricula-se com o nome de José Maranhão
Sobrinho na antiga Escola Normal, em 1901, tendo para isso obtido a ajuda de
uma pequena bolsa de estudo, naqueles tempos denominada pensão. Por motivo de
se haver indisposto com alguns professores, em seguida abandonava o curso
normal e, sem emprego, aos poucos entregou-se à vida boêmia. Em 1903,
impressionados com a vida boêmia que levava em São Luís, alguns amigos mais
dedicados o embarcaram, quase à força, para Belém do Pará, na esperança de que
ali mudasse de procedimento, trabalhasse e arranjasse meios de publicar seus
livros. Na capital paraense, colocou-se no jornal Notícias e passou a colaborar
na tradicional Folha do Norte. Bem
depressa, tornou-se popular nas rodas boêmias e nos meios intelectuais.
Colaborou também em jornais e outras publicações de São Luís e de vários
Estados, incluindo-se entre estas a Revista
do Norte, de Antônio Lôbo e Alfredo Teixeira. Em 1908 funda Academia
Maranhense de Letras, unido à plêiade de escritores e poetas locais. Nisso
transfere-se para a Amazônia onde, residindo em Manaus, passa a colaborar com a
imprensa local e torna-se membro fundador da Academia Amazonense de Letras. Sua
vida sempre foi boêmia e desregrada, escrevendo seus versos em bares, mesas de
botequim ou qualquer ambiente em que predominasse álcool, papel e tinta.
Despreocupado pela sorte dos seus poemas, publicou seus livros em péssimas
edições sem capricho ou conservação, aos cuidados de amigos e admiradores,
deixando esparsa grande parte do que escreveu em jornais, revistas e folhas de
cadernos de venda. Novamente muda-se mas para Belém, onde conhece o poeta
Carlos D. Fernandes, que havia sido amigo de Cruz e Sousa e pertencera ao grupo
da revista Rosa-Cruz. Dois anos depois, de retorno a Manaus, lá fixa-se como
funcionário público do Estado, onde vem a falecer no dia do seu aniversário em
plena noite de natal, no dia 25 de dezembro de 1915, com apenas 36 anos de
idade. Em Barra da Corda, o seu nome é lembrado oficialmente em uma única praça
e pela Academia Barra-Cordense de Letras. A poesia de Maranhão Sobrinho é de
fato colorida e fantasiosa, por vezes cheia de um resplendor de pedrarias,
quando muito se revela satânica e, em alguns momentos, penetrada do amargor de
Cruz e Sousa. "... É o representante mais completo da escola simbolista no
Maranhão", diz Antônio Reis Carvalho, e de fato, segundo os críticos
literários, é notória a influência dos poetas franceses Mallarmé, Verlaine e
Baudelaire. Na poesia de Maranhão Sobrinho a idéia é simbólica, o sentimento é
romântico e a forma é parnasiana, afirma o literato Reis Carvalho. Literariamente
batizado na escola simbolista, Maranhão Sobrinho é conhecido pelos críticos e
estudiosos de literatura como um dos três melhores poetas simbolistas
brasileiros, ao lado de Cruz e Souza e Alphonsus de Guimarães.
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TELA DO NORTE
No estirão, percutindo os chifres, a boiada
monótona desliza; ondulando, a poeira,
em fulvas espirais, cobre toda a chapada
em cujos poentes o sol põe uns tons de fogueira.
Baba de sede e muge a leva; triturada
sob as patas dos bois a relva toda cheira!
Boiando, corta o ar a mórbida toada
do guia que, de pé, palmilha à cabeceira...
Nos flancos da boiada, aos recurvos galões
as éguas, vão tocando a reses fugitivas
o vaqueiros, com o sol nas pontas dos ferrões...
E, do gado o tropel, com as asas derreadas
quase riscando o chão, que o sol calcina, esquivas,
arrancam coleando as emas assustadas...
***
MÁRTIR
Das
cinco chagas de pesar, que exangue,
Trago
no triste coração magoado,
Descem
rosários de rubi de sangue
Como
do corpo do Crucificado...
Pende-me
a fronte sobre o peito, langue,
De
infinitas Traições alanceado...
E,
na noite da Mágoa, expiro exangue
Na
Cruz de Pedra da Paixão pregado...
Subi,
de joelhos, expirando, o adusto
Desfiladeiro
enorme do Calvário...
Sob
o madeiro da Saudade, a custo!
Sem
consumar meus sonhos adorados,
Oiço,
no meio do Martírio vário,
O
chocalhar sacrílego dos Dados...
***
INTERLUNAR
Entre
nuvens cruéis de púrpura e gerânio,
rubro
como, de sangue, um hoplita messênio
o
sol, vencido, desce o planalto de urânio
do
ocaso, na mudez de um recolhido essênio...
Veloz
como um corcel, voando num mito hircânio,
tremente,
esvai-se a luz no leve oxigênio
da
tarde, que me evoca os olhos de Estefânio
Mallarmé,
sob a unção da tristeza e do gênio!
O
ônix das sombras cresce ao trágico declínio
do
dia que, a lembrar piratas do mar Jônio,
põe,
no ocaso, clarões vermelhos de assassínio...
Vem
a noite e, lembrando os Montes do Infortúnio,
vara
o estranho solar da Morte e do Demônio
Com
as torres medievais as sombra do Interlúnio...