sexta-feira, 3 de julho de 2015

LEONOR SCLIAR-CABRAL (1929 - )

Leonor Scliar-Cabral nasceu em PortoAlegre, capital do Rio Grande do Sul. É doutora em Lingüística pela Universidade de São Paulo. Estudou fonoaudiologia e lecionou diversos cursos pedagógicos. Em 1991 foi eleita, na Universidade de Toronto, presidenta da Sociedade Internacional de Psicolingüística Aplicada. Foi presidente da União Brasileira de Escritores de Santa Catarina. Participa da construção de um banco de dados sobre a língua portuguesa. Entre muitas de suas obras publicadas: Sonetos (Florianópolis: NoaNoa, 1987); Romances e Canções Sefarditas  (São Paulo: Massao Ohno, 1990);  Memórias de Sefaradoutro (Florianópolis: Athanor, 1994); De Senectute Erotica (São Paulo: Massao Ohno, 1998, edição bilíngüe com trad. francesa por Marie-Hélène Torres); Poesia Espanhola do Século de Ouro (Florianópolis: Letras Contemporâneas, 1998); “O outro, o mesmo” (trad. poética, In J.L. Borges, Obra Completa, São Paulo: Globo, 1999); Cruz e Sousa, o poeta do desterro (versão poética para o francês com Marie-Hélène Torres das legendas do filme de Sylvio Back, Rio de Janeiro: Sete Letras, 2000) e O sol caía no Guaíba, Porto alegre: Bestiário, 2006. Prepara a publicação em 5 línguas dos sonetos Sagração do alfabeto. 





ZÁYIN


Defrontam-se os guerreiros na batalha
entre a tese e a antítese, entre o bem
contra o mal, entre o apoio e o desdém,
paralelas opostas por navalhas

que desferem os golpes e retalham
as hostes inimigas e detêm-se
diante da diagonal enfim refém
das pontas sobrepostas que a entalham.

Durante sete luas pelo obscuro
mar, a quilha fenícia o reversível
traçado vacilante e inseguro

vai semeando com os dedos espalmados:
só o que a pupila vê, o inacessível
e sua infinita tela descartados.


***


 
CHET


Barreira, muro ou grade, dominó,
tu abafas a voz subentendida
da qual depende a concha escolhida
para ouvir. Amordaça-nos o agora,

prisioneiros que somos como Jó
dos espaços estreitos, da guarida
sem futuro, da ação sempre impedida
pelos braços atados. O algoz

é o relógio imutável do mutismo,
condenando-a à prisão de ser silente
ou de ser a vassala do grafismo

da letra precedente. Garroteados,
só o porvir liberta essa torrente
subterrânea e o fogo represados.


***


SHAVOUT EM GRANADA


Teus pés pequenos sobem alamedas
pelos jardins de Alhambra e suas roseiras
antes que a lua cheia.

Romãs maduras pendem do teu cesto
e dos vinhedos cachos de uvas frescas,
antes que a lua cheia.

Com a perfumada flor de laranjeira
ornarás de guirlandas as estrelas
antes que a lua cheia

e as campinhas soem suas bênçãos
e o Rabi Yosef já comece a ler
antes que a lua cheia.

Antes que tinta em sangue a lua cheia
estanque essa fonte para sempre
de uma inconclusa e eterna fortaleza.


ARAYLTON PÚBLIO (1965 - )



Araylton Públio é natural de Urandi, Bahia, mas há muito fincou suas raízes em Feira de Santana, onde se licenciou em Letras com Inglês e fez mestrado em Literatura e Diversidade Cultural, na Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e atua como professor. Para falar a verdade, Araylton é um artista de múltiplas faces. Há muito vem atuando como dramaturgo, diretor teatral e ator. Seus palcos: Feira de Santana e São Paulo. Paralelamente, jamais deixou de fazer suas incursões no terreno da poesia. Publicando sempre em jornais e revistas, e em seus livros, cujos principais títulos são Trovadores (Edições MAC, 2007); Sinais de transe (Edições MAC, 2007) e Canção dos corações foragidos (Salvador: Secretaria de Cultura e Turismo do Estado da Bahia, Fundação Cultural do Estado da Bahia, EGB, 1998.). 





SE É QUINZE DE NOVEMBRO...


Se troveja Deus está zangado
Se cai um garfo é uma mulher chegando
Estou cá no meu quarto escrevendo poemas
Que são borboletas que rapto

Uma amarela e preta aparece-me desde a infância
Uma fada sorrateira que contemplo em paciência

Se estou triste é porque sou Cristo
Se penso muito e pouco faço, não existo
Sou a metáfora alojada em mim
De asas pretas e amarelas...
Revoando enlouquecida


***


 
AI CAI


Troveja sobre nós
O céu se movimenta
Em caravelas azuis

Um instante de luz quebra o espaço
A chuva a cair sobre nós
Cai, cai, o tempo
Estamos a sós

A carruagem do destino que nos carrega
Está sem cocheiro


***


 
A CHEIA


Posta no olho do céu de prata
Lua enche os olhos d'água
Fica cheia a madrugada
Com pingos de estrelas pelas portas

A sete mil distâncias de mim
Mar de prata estancado
A grande chuva já se foi
Firmamento do espelho invertido

Uma estrela te segue
Ouço a tua derrama por dentro
Posta no centro do mar sedentário
Em ti eu saio, e me encho


WALQUÍRIA RAIZER (1980 - )

Walquíria Raizer é acreana, graduou-se em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Acre e especializou-se em Jornalismo Político pelo Centro Educacional Uninorte. Devido ao  engajamento pessoal com as manifestações culturais, tem o histórico profissional voltado para a política cultural. Defende a poesia como matéria-prima de todas as artes. Publicou O segundo ponto das reticências, em 2007.












RETICÊNCIAS


vou escrever qualquer coisa
que não pareça
nada
( ! )
esse tudo
é mesmo
o que
(devasta)



***



KATAUÊ


O miolo dentro da casca
(pão)

O miolo dentro
( da casca)

A casca virando

O miolo
O miolo
Miolo

Poderia
Correr
Sem
Léguas
(cem)

Um colar de castanha elétrica
Uma flor amarela
Muru

(estou tão acremente despida hoje que o açai perdeu a cor)



***


ACELERAÇÃO



...é como se tudo tivesse
girando
Um giro calmo
(e calculado)

Um giro bom
(pro mundo)

Mas o mundo
(é grande)
E não precisa de mim
( e de ti)

Mas eu, querida
Eu preciso do mundo
E ele está aí
(flertando)