CANTO II
Ah, ousamos
reger o mar sagrado
para onde a
noite inválida se afasta
com a partitura
efêmera das horas!
Treme no aquário
nossas mãos. O rio
torna a
mover-se, envolve nossos pés,
restaura o amor
na imagem fugidia
de nossos olhos
ímpios e vulgares,
e um riso antigo
vem doer na bpca
da sibila cruel
que nos desata
o nó da
liberdade que ansiamos.
Que surpresa
incontida nos impele
e faz que
penetremos insubmissos
nestes vales
revoltos, nestas dunas,
neste vasto
silêncio encarcerado
em templos e
oceanos que não vemos?
Outrora aqui
tecemos com paciência
lendas heróicas,
lagos, e as palavras
com que
reconquistamos o segredo
da noite
inicial, e construímos
com a sua
tessitura a eternidade.
Aqui com nossas
lágrimas regamos
chão,
firmamento, rios. Dissolvemos
a luz da aurora
em nossas amarguras.
E, para dissipar
o espesso tédio,
dilatamos o
cerco do horizonte
para além das
colunas demarcadas
pelo Eterno que,
agora, nos contempla
e soma o nosso
esforço, esta agonia
em que nos vamos
iludindo a vida
com sangue,
pedra, fel e poesia.
Mas onde os
nossos mares? Onde as naves
que nossas mãos
domavam, contornando
suas ondas e
praias, suas vozes,
a sinfonia
mágica das águas,
o rodízio das
noites, a cantiga dos afogados, o sorriso e o choro
das crianças
perdidas, navegando
nos braços das
sereias, e a tristeza
de Deus, ao
perceber nosso fracasso
no mar que ele
nos dera e nós perdemos?
Era vasto o
domínio. Nosso olhar
limitava o
destino das fronteiras
por onde a morte
inútil circulava.
Calculamos o
tempo e o esperdiçamos.
Fomos tardos no
avanço, e cedo vimos
fugir de nossas
mãos o leme, e a rota
se perdeu. Nosso
canto, diluído
nas águas, já
não rege o itinerário
desta sagrada
luta que engendramos:
perdido o jogo,
a morte nos suplanta.
***
BALIZA
Cravar a estrela
no chão
e dizer à noite:
agora,
afaste-se a
escuridão
que eu vou
chegando com a aurora.
E fazer brotar
da terra
- da terra que
tudo faz –
não a treva e o
ódio da guerra,
mas a luz e o
amor da paz.
Que eu vim
traçar nos caminhos
(invés de dor e
agonia)
a rota livre dos
homens
com as tintas
claras do dia.
***
de auroras, noites e sereias
Jogo os dados no
mar, como quem joga
a sorte das
estrelas ou do vento,
e fico a
embaralhar as ondas, como
o lúcido
hierofante que desvenda
nas cartas
o destino dos mortais.
Não sei qual é a
carta-chave, mas
capto o sentido
exato e a voz de quem
profere a frase
mágica de tudo.
E se há no
fundo náufragos que vão
com dedos ágeis
folheando páginas
de noites e de
auroras impossíveis,
na
superfície há sempre olhos profanos
de peixes e
sereias, traduzindo
o jogo de meus
dedos sobre o mar.
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