SONETO DE CONTEMPLAÇÃO
(SOBRE UM TEMA DE ELPÍDIO FONSECA)
Eu
vi teu corpo nu à luz da lua
ou o
brilho teu na lua refletido...?!
Por certo
eu contemplara enternecido
a lua que
na terra se fez nua.
Depois
saímos luminando a rua
com o
brilho de teu corpo revivido
e te
entregaste a mim com o olhar tão vívido
como
fizera a minha carne à tua.
Neste
mesmo fulgor nos completamos
com a
chama ideal já transformada
num ir e
vir de luz que deslumbramos.
E assim
permanecemos neste enleio:
tu - sarça
imarcescível e alumiada
eu - a derramar estrelas no teu seio.
Feira de Santana/Candeias 23-24
de julho de 2015.
***
TRÊS SONETOS NADA CONVENCIONAIS
I
[RAZÃO X FELICIDADE]
– Minha vida com Maria? Uma desgraça!
Desconchavo de amor e de tormento.
O espaço que ocupei em sua massa
cinzenta? Grande quão seu “pensamento”
que aliás bem poderia dá-lo às traças
pro seu orgulho e meu contentamento –
qual um Kierkegaard carente de chalaças
elas adoram um péssimo argumento…
Cheinho de razão e de ateísmos
eu (um dia) a contestei com um carinho
digno dos mais sinceros Neomarxismos…
Ela se foi – com uma cara de Tom Berenger –
e aqui fiquei (tão sábio), mas sozinho
e bruto como um clone do Schwarzenegger.
Desconchavo de amor e de tormento.
O espaço que ocupei em sua massa
cinzenta? Grande quão seu “pensamento”
que aliás bem poderia dá-lo às traças
pro seu orgulho e meu contentamento –
qual um Kierkegaard carente de chalaças
elas adoram um péssimo argumento…
Cheinho de razão e de ateísmos
eu (um dia) a contestei com um carinho
digno dos mais sinceros Neomarxismos…
Ela se foi – com uma cara de Tom Berenger –
e aqui fiquei (tão sábio), mas sozinho
e bruto como um clone do Schwarzenegger.
II
[A VIRGEM DOS DEVANEIOS]
– Cansada
de sofrer de desenganos
subiu no ônibus e olhou além
de um horizonte que ninguém via... ninguém...
Era assim uma rotina de vinte anos.
Pagava, se achatava e refletia:
“se é para desperdiçar meus seios – vixe! –
melhor era sofrer num Mitsubishi”.
E sentia que a vida lhe ruía.
Certo dia (porém) os olhos de Ana
se viram em outros olhos – xerocados –
dois sóis em meio a tantos desgraçados.
Mas ele achou-a “feia e doidivanas”.
Ana (que não o poupou de um adjetivo)
morreu de suspirar num coletivo.
III
[FANTASIA PÓS-CARNAVALESCA
SOBRE UM TEMA DE CARLOS PENA FILHO]
Liliane – a
desolada – se rendia
aos apelos cruéis de um Ballentine’s
e como um velho conselheiro Aires
tentou viver uma vida em que não cria.
Mas viu em suas reflexões alcoólicas
que “a dor de uma paixão ninguém entende”
e o coração a si não se compreende
em suas resignações tão melancólicas.
Como quem opina no programa da Hebe
Conselhos sua mãe ofereceu-lhe
Pois: – “Deus do Céu não vela por quem bebe”!
Livre de culpas – toda serelepe –
Liliane (a renovada) obedeceu-lhe...
e foi fumar maconha em Arembepe.
***
UMA VIAGEM
(ou O CRÂNIO DOS PEIXES)
a Agostinho
Ribeiro do Nascimento e família
e a todos os Ipiraenses de vão-e-vem como eles...
Un souvenir heureux est peut-être sur
terre plus vrai que le bonheur
A. MUSSET
e a todos os Ipiraenses de vão-e-vem como eles...
Un souvenir heureux est peut-être sur
terre plus vrai que le bonheur
A. MUSSET
I
– A rodoviária é sempre a mesma
aglutinação de almas a se moverem
cada uma com seu vazio diário ao passo
das coisas perpétuas – são os mesmos tipos
diferentes dos mesmos rostos multiplicados tão longínquos e sombrios à incansável
jornada de cada dia por dentro daquela
mesma matéria a cada minuto mais
exposta a cada passo mais restrita e em
cada palavra não dita uma perdida
urgência de viver...
É aqui que meus instantes declaram
sua existência descontínua e fundamental.
É na poltrona do ônibus que uma explosão
de vida me elabora por trás dos
seres que fogem. É por sua janela
que os elementos se resultam
no fantasma incorruptível de meu destino
na ponderabilidade incorrigível
do meu Espírito ou na lembrança
distante de minhas melancolias e de todas
as hostilidades
– da identidade anterior de
todos os meus pensamentos.
Daqui parto como a última e nenhuma
vez a partir de novo. Daqui parto:
circunspecto e impreciso – mas principalmente
forasteiro: peregrino da minha
e de tantas almas
como todas, talvez?!
Daqui parto sobre a Asa fugaz
das rodas e da Estrada ao lado de toda
tristeza profunda e ilegível com o asfalto
(como a me indicar uma metáfora) ou
com o meu companheiro de poltrona
a me mostrar em seu imperceptível perfil
o espelho de meus dias e de meus sentidos:
a denúncia de minha solidão
(e da sua) à face fria da evasão
de todos os meus sonhos.
Aos poucos Feira de Sant’Anna some ao longe:
naufragada nas rochas no
como todas, talvez?!
Daqui parto sobre a Asa fugaz
das rodas e da Estrada ao lado de toda
tristeza profunda e ilegível com o asfalto
(como a me indicar uma metáfora) ou
com o meu companheiro de poltrona
a me mostrar em seu imperceptível perfil
o espelho de meus dias e de meus sentidos:
a denúncia de minha solidão
(e da sua) à face fria da evasão
de todos os meus sonhos.
Aos poucos Feira de Sant’Anna some ao longe:
naufragada nas rochas no
calor e nas mãos penosas
do horizonte infinito. Sua imensidão e sua
vulnerabilidade dão lugar à Caatinga
consciente de sua Beleza e de sua Fúria
(faminta de tantas raízes e tantas líricas
afogada sob a imensidão fria e perene
dos Céus... sobrevivente sob
a tardia evolução das pedras e
dos homens que como elas
edificam seus dias de tempo
e pó): revigorada de um erotismo
verde a Caatinga toca os meus
olhos de unânime perfume e
consistência...
(Comumente a Caatinga tem a Morte
por amuleto mas por esses tempos a vida
é sua máscara. Concretamente mudo
o verde que deságua por essas terras
cobre-as de muitas esperanças fugitivas.
Feliz e forte em si mesmo
– e nos instantes que se desprendem
a cada um de seus passos –
o sertanejo sorri alegre em vê-la
como por uma primeira vez
do horizonte infinito. Sua imensidão e sua
vulnerabilidade dão lugar à Caatinga
consciente de sua Beleza e de sua Fúria
(faminta de tantas raízes e tantas líricas
afogada sob a imensidão fria e perene
dos Céus... sobrevivente sob
a tardia evolução das pedras e
dos homens que como elas
edificam seus dias de tempo
e pó): revigorada de um erotismo
verde a Caatinga toca os meus
olhos de unânime perfume e
consistência...
(Comumente a Caatinga tem a Morte
por amuleto mas por esses tempos a vida
é sua máscara. Concretamente mudo
o verde que deságua por essas terras
cobre-as de muitas esperanças fugitivas.
Feliz e forte em si mesmo
– e nos instantes que se desprendem
a cada um de seus passos –
o sertanejo sorri alegre em vê-la
como por uma primeira vez
repleta de saudades
com a feminilidade das terras que se
casam com o mar e entre
ele e sua filosófica longitude declamam
sua matéria de eternidade afastada
e vida azul sempre presente
e oculta...)
Anguera surge pequenina e surpreendente
debruçada na cama dos morros
com a feminilidade das terras que se
casam com o mar e entre
ele e sua filosófica longitude declamam
sua matéria de eternidade afastada
e vida azul sempre presente
e oculta...)
Anguera surge pequenina e surpreendente
debruçada na cama dos morros
repousada de amor e desencantos
ora tardios ora secretos
e inanimados.
Sobre o tapete duro do prazer das
serras vê-se Anguera descrente e viva a
cada instante de amor, aproxima-nos
de si enquanto a estrada
a consome em memória.
Enquanto a lembrança e o tédio
a semeiam em eclipse e vento
– em santificação letal e falsa
para o novo reencontro dos
antigos esquecimentos
que sempre voltam.
O carro as pessoas e as esperanças
cortam a carne da estrada (nova e velha)
como ao vencedor a Morte zomba.
Miúdas certezas miúdos beijos
miúdos olhares sob a claridade doce
das serras se envolvem no ônibus
enquanto indiferente durmo para
tudo isso e busco um tempo
explodido entre os morros que anunciam
a mão esquelética da Transformação:
a síntese precária da natureza
sob a criação que se extingue
de minuto a minuto
de vivência em vivência de cada segundo
de eternidade a eternidade
em cada herança de sono
de outras e de outras
vidas e Vidas...
(Serra Preta existe apenas no mistério
e nas migalhas do imaginário:
nunca a vi... sempre por trás
da paralisia encoberta da montanha
de verde e pensamento.
Sempre decifrada no nada
e naquilo que em mim sobrou de absoluto e bêbado
e que só sei que as tenho só por esquecer.
Serra Preta é uma música da
qual não me lembro de tê-la lembrado
alguma vez. Serra Preta é um
nome uma rapsódia uma epifania.
Uma narrativa sem fatos que
reconto a mim enquanto
Eu os outros e o carro
sangramos a estrada...)
As paradas que faz o carro
ora tardios ora secretos
e inanimados.
Sobre o tapete duro do prazer das
serras vê-se Anguera descrente e viva a
cada instante de amor, aproxima-nos
de si enquanto a estrada
a consome em memória.
Enquanto a lembrança e o tédio
a semeiam em eclipse e vento
– em santificação letal e falsa
para o novo reencontro dos
antigos esquecimentos
que sempre voltam.
O carro as pessoas e as esperanças
cortam a carne da estrada (nova e velha)
como ao vencedor a Morte zomba.
Miúdas certezas miúdos beijos
miúdos olhares sob a claridade doce
das serras se envolvem no ônibus
enquanto indiferente durmo para
tudo isso e busco um tempo
explodido entre os morros que anunciam
a mão esquelética da Transformação:
a síntese precária da natureza
sob a criação que se extingue
de minuto a minuto
de vivência em vivência de cada segundo
de eternidade a eternidade
em cada herança de sono
de outras e de outras
vidas e Vidas...
(Serra Preta existe apenas no mistério
e nas migalhas do imaginário:
nunca a vi... sempre por trás
da paralisia encoberta da montanha
de verde e pensamento.
Sempre decifrada no nada
e naquilo que em mim sobrou de absoluto e bêbado
e que só sei que as tenho só por esquecer.
Serra Preta é uma música da
qual não me lembro de tê-la lembrado
alguma vez. Serra Preta é um
nome uma rapsódia uma epifania.
Uma narrativa sem fatos que
reconto a mim enquanto
Eu os outros e o carro
sangramos a estrada...)
As paradas que faz o carro
são mais que uma necessidade:
são um enterro (uma morte onde se caminha) –
são uma existência que vai depressa
sempre correndo – a si mesma se levando.
Cada ponto de ônibus é um falecimento.
Cada viajante que sobre o âmago
do ônibus despoja sua provisória vida
é mais um morto na descida que leva longe:
longe demais do Viver
são um enterro (uma morte onde se caminha) –
são uma existência que vai depressa
sempre correndo – a si mesma se levando.
Cada ponto de ônibus é um falecimento.
Cada viajante que sobre o âmago
do ônibus despoja sua provisória vida
é mais um morto na descida que leva longe:
longe demais do Viver
longe demais das cores da Caatinga que
com o curto tempo desbotar-se-ão
com a Alma e seus homens
de cor e pedra e alma e sonhos...
Bravo vem manso e cansado...
quase imperceptível ao longe de seu entroncamento
que não leva a parte alguma de todos nós.
O Bravo ao contrário de Serra Preta
não existe no mistério mas é um
mistério uma charada que se desvenda
a cada dia enquanto a morte se nos chega:
o Bravo é uma voz que até nós sobe
de tão simples – de tão mística – de tão
pressentida no vazio dos
ônibus sempre ocos.
(Os rios por essas épocas do ano
são como veias para os ossos da terra
com o curto tempo desbotar-se-ão
com a Alma e seus homens
de cor e pedra e alma e sonhos...
Bravo vem manso e cansado...
quase imperceptível ao longe de seu entroncamento
que não leva a parte alguma de todos nós.
O Bravo ao contrário de Serra Preta
não existe no mistério mas é um
mistério uma charada que se desvenda
a cada dia enquanto a morte se nos chega:
o Bravo é uma voz que até nós sobe
de tão simples – de tão mística – de tão
pressentida no vazio dos
ônibus sempre ocos.
(Os rios por essas épocas do ano
são como veias para os ossos da terra
para os esqueletos das rochas e para o espírito
dos gados que se pensam –
quase sempre sem sangue
quase sempre esquálidos (abandonados)
de soluções e de vastos mundos
por onde passam.
Os rios quase nada nos dizem de velharias
de retirantes ou dos corações perdidos
de pó e espinhos e gente e santos e mil diabos.
Os rios como fios elétricos da terra
inumana e indesejada sempre nos falam
do fazer falso do Novo
quase sempre esquálidos (abandonados)
de soluções e de vastos mundos
por onde passam.
Os rios quase nada nos dizem de velharias
de retirantes ou dos corações perdidos
de pó e espinhos e gente e santos e mil diabos.
Os rios como fios elétricos da terra
inumana e indesejada sempre nos falam
do fazer falso do Novo
do divino por fora de todo perdido...
Os rios mesmo na Caatinga
são sempre novos e infantis – adolescentes
talvez?! – mais imaturos como
nunca e mais jovens que a Eternidade
que ao mesmo tempo é velha
e transcende o tempo e as coisas
e suas almas e seus
vestígios...)
A serra ao longe que há pouco era uma
menina observa-me do alto
Os rios mesmo na Caatinga
são sempre novos e infantis – adolescentes
talvez?! – mais imaturos como
nunca e mais jovens que a Eternidade
que ao mesmo tempo é velha
e transcende o tempo e as coisas
e suas almas e seus
vestígios...)
A serra ao longe que há pouco era uma
menina observa-me do alto
de sua testa de árvores e pedras como um
Adamastor adoecido
– Pau Ferro fica logo atrás desse gigante
ingênuo: com seu perfume de lembrança
e sua metálica audição de granitos bambus
bananas e macambiras e sua imensa e inexplorada
longitude de poucos metros
com seu colossal abandono de
pequenino e seus abismos de pai ao lado
da materna dor do Nordeste
escondida no ventre dos sertanejos
que são um único fraternal e
fraco corpo. Pau Ferro tem a cor do cheiro
das plantas sertanejas e a desilusão
de seus habitantes e de um tempo
que é para sempre ontem...
O amanhecer voa claro em Pau Ferro
– Pau Ferro fica logo atrás desse gigante
ingênuo: com seu perfume de lembrança
e sua metálica audição de granitos bambus
bananas e macambiras e sua imensa e inexplorada
longitude de poucos metros
com seu colossal abandono de
pequenino e seus abismos de pai ao lado
da materna dor do Nordeste
escondida no ventre dos sertanejos
que são um único fraternal e
fraco corpo. Pau Ferro tem a cor do cheiro
das plantas sertanejas e a desilusão
de seus habitantes e de um tempo
que é para sempre ontem...
O amanhecer voa claro em Pau Ferro
e o colorido
do calor do dia sopra mais fundo em
minhas vistas. A ânsia de ultrapassar
os instantes dependurados sobre Pau Ferro
perdem-se em mim como estes últimos
versos com que chego ao quase
fim de minha jornada –
começada dia a dia entre o
sempre e derradeiro fim...
do calor do dia sopra mais fundo em
minhas vistas. A ânsia de ultrapassar
os instantes dependurados sobre Pau Ferro
perdem-se em mim como estes últimos
versos com que chego ao quase
fim de minha jornada –
começada dia a dia entre o
sempre e derradeiro fim...
II
– Eu sinto Ipirá como quem chega de mim
ao chegar em seu abdômen de sangue
e mármore aliás
para
que valeria tanto chão e pressa
se cada hora
não fosse perfeita
sobresse destino tão
presumível
e impossível de
se viver.
Do que valeria
tanto se cada coisa
sempre-mesma
se apresentasse a mim
indefinível?. Eu
sinto Ipirá ao vê-la e ao pisar-lhe
o chão como peregrino que sou e de mim mesmo.
Eu a sinto como quem sofre e como quem come.
Sinto-a em cada um de seus ares com
fincadas flechas nas aproximações
das crianças que aprenderam
a não ter esperanças e
algum dia
testemunharão
o grave frio das fúrias
que a alma nos entrega e
pede de volta na
mesma sã e
incorruptível
moeda.
Estou em Ipirá:
depositado e abreviado
de dias e compromissos
menos imediatos.
Estou em seu olho que
me parece vir...
estou em
sua velhice
e em sua vontade...
Estou no sono
de Ipirá
quando aqui
sempre chego e
Ipirá me espera (Ipirá
me espera em si
por dentro de mim e em
nossa sabedoria desmemoriada
por parecermos demais... – Ipirá me saudara...) –
o Tempo muda rápido, numa vagareza mais do
que comum do tempo e seus artífices e
o vigor do encontro é mais demorado
e um quanto que mais enérgico.
Pois aqui já dizia alguém da terra
que sangue suor e todas as
lágrimas dos dias
se misturam nesse chão
de barro e vida.
Os dias por aqui
apesar do sangue e da
transpiração dos dias e dos
muitos sentimentos
apesar dos homens e dos
porcos das máquinas das alfaces
dos fumos de suas mulheres
e de seus falimentos
estão em minha tranquilidade...
A feira é um gesto um
acordo entre
seres entrecruzados
um aperto de mãos abreviado
de vida e de longas descidas
pelo rio da morte
e da insatisfação
– a feira (tão famosa e tão não
lembrada por tantos)
deposita sua voz
no lombo surrado dos
carros de bois
e dos homens sobre os carros
e sobre os próprios homens
permanecidos parados
pedindo perdão aos seus
primeiros pecados
e palavras
parecidos
se cada hora
não fosse perfeita
sobresse destino tão
presumível
e impossível de
se viver.
Do que valeria
tanto se cada coisa
sempre-mesma
se apresentasse a mim
indefinível?. Eu
sinto Ipirá ao vê-la e ao pisar-lhe
o chão como peregrino que sou e de mim mesmo.
Eu a sinto como quem sofre e como quem come.
Sinto-a em cada um de seus ares com
fincadas flechas nas aproximações
das crianças que aprenderam
a não ter esperanças e
algum dia
testemunharão
o grave frio das fúrias
que a alma nos entrega e
pede de volta na
mesma sã e
incorruptível
moeda.
Estou em Ipirá:
depositado e abreviado
de dias e compromissos
menos imediatos.
Estou em seu olho que
me parece vir...
estou em
sua velhice
e em sua vontade...
Estou no sono
de Ipirá
quando aqui
sempre chego e
Ipirá me espera (Ipirá
me espera em si
por dentro de mim e em
nossa sabedoria desmemoriada
por parecermos demais... – Ipirá me saudara...) –
o Tempo muda rápido, numa vagareza mais do
que comum do tempo e seus artífices e
o vigor do encontro é mais demorado
e um quanto que mais enérgico.
Pois aqui já dizia alguém da terra
que sangue suor e todas as
lágrimas dos dias
se misturam nesse chão
de barro e vida.
Os dias por aqui
apesar do sangue e da
transpiração dos dias e dos
muitos sentimentos
apesar dos homens e dos
porcos das máquinas das alfaces
dos fumos de suas mulheres
e de seus falimentos
estão em minha tranquilidade...
A feira é um gesto um
acordo entre
seres entrecruzados
um aperto de mãos abreviado
de vida e de longas descidas
pelo rio da morte
e da insatisfação
– a feira (tão famosa e tão não
lembrada por tantos)
deposita sua voz
no lombo surrado dos
carros de bois
e dos homens sobre os carros
e sobre os próprios homens
permanecidos parados
pedindo perdão aos seus
primeiros pecados
e palavras
parecidos
profundos
profanados parte por parte – repartidos.
Ipirá talvez seja
um rio de tão idoso
ou a própria morte
de tão forte e de tão
inegavelmente precisa.
Ipirá cabe em três palmos e meios
de minhas mãos
vista do Morro Alto,
e Eu caibo em sua
subjetividade
como quem se imagina
em matéria leve e
incorruptivelmente
bruta.
Mas nada é maior em Ipirá
que a sua desilusão
de mais de mil cabeças:
cabeças de gentes
de porcos
de bois
profanados parte por parte – repartidos.
Ipirá talvez seja
um rio de tão idoso
ou a própria morte
de tão forte e de tão
inegavelmente precisa.
Ipirá cabe em três palmos e meios
de minhas mãos
vista do Morro Alto,
e Eu caibo em sua
subjetividade
como quem se imagina
em matéria leve e
incorruptivelmente
bruta.
Mas nada é maior em Ipirá
que a sua desilusão
de mais de mil cabeças:
cabeças de gentes
de porcos
de bois
de
galinhas
de comércio de pasto e leite...
Calcada no infinito
profundo e desnecessário
dos morros e das fazendas
Ipirá se move ao passo
dos jumentos que carregam
o mel da Caboronga
(a velocidade dos jumentos
é uma velocidade imprecisa –
é a velocidade da esperança e do
medo de toda esperança.)...
Ipirá é uma migalha orgulhosa
de Universo
ante à incompreensão
suja e santa
do próprio Universo...
Despida de Céus
sua honradez desnecessária
germina-se dos verdes pastos
dos morros que são seu travesseiro
e de seus capins (de um verde imenso
de vida e anulação) –
tapete efêmero e irrecuperável
de suas obras cristalizadas –
caem seus animais de ferro
e rocha e carne e espiritualidade
inumanas:
breves brados surdos das paisagens
inconclusas de sua memória
e de seus braços atados
à suspensa pena
de intervenção definitiva
da concepção do tempo
como agente consciente da dissolução
das coisas...
Eu respiro Ipirá pelas narinas da noite
e pelos pulmões
de comércio de pasto e leite...
Calcada no infinito
profundo e desnecessário
dos morros e das fazendas
Ipirá se move ao passo
dos jumentos que carregam
o mel da Caboronga
(a velocidade dos jumentos
é uma velocidade imprecisa –
é a velocidade da esperança e do
medo de toda esperança.)...
Ipirá é uma migalha orgulhosa
de Universo
ante à incompreensão
suja e santa
do próprio Universo...
Despida de Céus
sua honradez desnecessária
germina-se dos verdes pastos
dos morros que são seu travesseiro
e de seus capins (de um verde imenso
de vida e anulação) –
tapete efêmero e irrecuperável
de suas obras cristalizadas –
caem seus animais de ferro
e rocha e carne e espiritualidade
inumanas:
breves brados surdos das paisagens
inconclusas de sua memória
e de seus braços atados
à suspensa pena
de intervenção definitiva
da concepção do tempo
como agente consciente da dissolução
das coisas...
Eu respiro Ipirá pelas narinas da noite
e pelos pulmões
das
madrugadas mais próximas e breves...
Sinto todo o seu perfume de profundidade e angústia
de sensações de medo intensificados de suas
banidas lembranças e de seus momentos
maiores de dramática intensidade
de seu determinismo de seu
gozo profundo acompanhado
de dor tão forte e religiosa
de sua reprodução e morte...
Ipirá aspira à vida em cada um
de seus paralelepípedos
em um a um de seus becos
uma por uma de suas praças
e ruas quase infinitas
e que são nervos de seu cérebro
esquecido e lúcido
de loucura concreta e adequada.
Ipirá respira a vida
em sua linguagem
mística de
sertanejos calados
e animados de vazio e
doçura.
Ipirá deseja
e sopra vida
e Vida
no aroma
incorrupto
de seus mendigos
roceiros
senhoras
Sinto todo o seu perfume de profundidade e angústia
de sensações de medo intensificados de suas
banidas lembranças e de seus momentos
maiores de dramática intensidade
de seu determinismo de seu
gozo profundo acompanhado
de dor tão forte e religiosa
de sua reprodução e morte...
Ipirá aspira à vida em cada um
de seus paralelepípedos
em um a um de seus becos
uma por uma de suas praças
e ruas quase infinitas
e que são nervos de seu cérebro
esquecido e lúcido
de loucura concreta e adequada.
Ipirá respira a vida
em sua linguagem
mística de
sertanejos calados
e animados de vazio e
doçura.
Ipirá deseja
e sopra vida
e Vida
no aroma
incorrupto
de seus mendigos
roceiros
senhoras
e
putas.
Ipirá é um viver
reescrito em palavra e
dor: numerosa dor
Ipirá é um viver
reescrito em palavra e
dor: numerosa dor
inflexível
e
admirável dor:
dor de gentes
dor de gentes maiores
que outras gentes
dor de gentes
convertidas
em bois e carros
dor de gente transformada
e transfigurada em porcos
dor de gente e de morros
dor de gente e lixo
e gente de lixo e dor
dor de gente convertida em outros
dor dos outros
dor de nós
dor de Ipirá e suas células
dor infinita e
inumerável dor de
mim que estou em sua glória
e em sua fraqueza
que estou em seu sexo
e em sua conversão
em seus olhos
em sua boca
e em suas
palavras...
em sua mudez
em seu horror...
em sua devoção.
Ipirá é para mim
esta amizade corrupta de sonhos
como a juventude das pessoas e dos amanheceres
de Ipirá retiro quase todos os dias os barros
de minhas línguas e as sementes
das pernas que se apressam
de tanto chegar a mim
e em seu surpreendente
avivamento –
e esta vontade de amar a vida de novo e
pelo avesso encontrei em Ipirá
e em cada mulher de sua terra.
Ipirá é um sonho:
dormindo sempre na memória
dos homens munidos de olhos e
facas, abraçados aos rios e à nascente
da ilegível bica da Caboronga
e abaixo da superfície calma
do entardecer dos dias
que são mais bonitos sobre as planícies
quase imaginárias
onde a Estrada e Baixa Grande
são uma ideia
coberta dos concretos abstracionismos
da carne virginal
dos delírios da feira
na falsificação do meio-dia.
Deste sonho que é Ipirá
acordo sempre para dormir
de novo em seu leito de chagas
e frutas frias e calmas.
Ipirá se encontra dentro de muitas outras coisas
como muitas outras encontram-se dentro
d’outras muitas outras
coisas e d’outras...
A música que
Ipirá respira
é como o doce líquido
da paz do sangue das carroças
e dos carros alimentados
de gentes e de imensos
e vulgares vazios de
gente vazia e líquida
como sangue e música...
As horas de Ipirá
são como as voluptuosas horas
dos presentes velozes a
se retardarem de
relógios parados de tempo
de tempo parado de movimentos
fluídos e líquidos
como relógios
como pássaros
(que não mais existem)
com seus carcarás (a não mais existirem)
com seus mamíferos (que ainda existem) como
minha vida (que não se quer e existe) como
Eu...
Eu impuro e branco como as chuvas
que alimentam a imprestável
jovialidade da vida que
beija a Caatinga
como uma chama ou
como o brilho do gelo e do vento
que me transporta –
e transporta também a Ipirá –
para a fome
da felicidade temporária da Caatinga
quando verde...
para o afogar-se
invisível
de todo este lençol de
Beleza agora morta
e desejada o cobertor da morte
como vida e castigo
de tantas vidas
a se compreenderem tanto...
Ipirá trava em si a violenta e invisível
luta de elementos
e de origens construídas de
absoluta violência e cuidado no
exíguo espaço da
cidade que dorme para si
e para seus filhos
vestidos de sombra e noite:
noite orgânica. Noite mínima em
mínimo homem... homem
mínimo em mínima
noite morta
homens mínimos e inteiros
singelos momentos de
existência e morte
homens que ali
admirável dor:
dor de gentes
dor de gentes maiores
que outras gentes
dor de gentes
convertidas
em bois e carros
dor de gente transformada
e transfigurada em porcos
dor de gente e de morros
dor de gente e lixo
e gente de lixo e dor
dor de gente convertida em outros
dor dos outros
dor de nós
dor de Ipirá e suas células
dor infinita e
inumerável dor de
mim que estou em sua glória
e em sua fraqueza
que estou em seu sexo
e em sua conversão
em seus olhos
em sua boca
e em suas
palavras...
em sua mudez
em seu horror...
em sua devoção.
Ipirá é para mim
esta amizade corrupta de sonhos
como a juventude das pessoas e dos amanheceres
de Ipirá retiro quase todos os dias os barros
de minhas línguas e as sementes
das pernas que se apressam
de tanto chegar a mim
e em seu surpreendente
avivamento –
e esta vontade de amar a vida de novo e
pelo avesso encontrei em Ipirá
e em cada mulher de sua terra.
Ipirá é um sonho:
dormindo sempre na memória
dos homens munidos de olhos e
facas, abraçados aos rios e à nascente
da ilegível bica da Caboronga
e abaixo da superfície calma
do entardecer dos dias
que são mais bonitos sobre as planícies
quase imaginárias
onde a Estrada e Baixa Grande
são uma ideia
coberta dos concretos abstracionismos
da carne virginal
dos delírios da feira
na falsificação do meio-dia.
Deste sonho que é Ipirá
acordo sempre para dormir
de novo em seu leito de chagas
e frutas frias e calmas.
Ipirá se encontra dentro de muitas outras coisas
como muitas outras encontram-se dentro
d’outras muitas outras
coisas e d’outras...
A música que
Ipirá respira
é como o doce líquido
da paz do sangue das carroças
e dos carros alimentados
de gentes e de imensos
e vulgares vazios de
gente vazia e líquida
como sangue e música...
As horas de Ipirá
são como as voluptuosas horas
dos presentes velozes a
se retardarem de
relógios parados de tempo
de tempo parado de movimentos
fluídos e líquidos
como relógios
como pássaros
(que não mais existem)
com seus carcarás (a não mais existirem)
com seus mamíferos (que ainda existem) como
minha vida (que não se quer e existe) como
Eu...
Eu impuro e branco como as chuvas
que alimentam a imprestável
jovialidade da vida que
beija a Caatinga
como uma chama ou
como o brilho do gelo e do vento
que me transporta –
e transporta também a Ipirá –
para a fome
da felicidade temporária da Caatinga
quando verde...
para o afogar-se
invisível
de todo este lençol de
Beleza agora morta
e desejada o cobertor da morte
como vida e castigo
de tantas vidas
a se compreenderem tanto...
Ipirá trava em si a violenta e invisível
luta de elementos
e de origens construídas de
absoluta violência e cuidado no
exíguo espaço da
cidade que dorme para si
e para seus filhos
vestidos de sombra e noite:
noite orgânica. Noite mínima em
mínimo homem... homem
mínimo em mínima
noite morta
homens mínimos e inteiros
singelos momentos de
existência e morte
homens que ali
apreendem
ritmos populares
das festas e dos deuses
das festas e dos deuses
que
erram em amar sua Criação –
na
clandestinidade imposta
dos
sonhos das crianças
que
cruzam os órgãos
expostos
e verdes
e
claros daquelas roças
onde
a vida pousa lentamente
na
inocência abundante
dos
pés daquelas crianças
e
nos seus sonhos
igualmente
infantis
e
desnecessários
a
tantas
coisas doadas
coisas doadas
pelo
bruto branco dos mundos.
Ipirá
está povoada da
dura realidade mística
dura realidade mística
do
aroma de suas paisagens
que
também são homens:
místicos e perfumados
místicos e perfumados
como
a paisagem
a paisagem e sua sensualidade
branda e incansável
com seus pássaros e mamíferos
de paisagem e espessa fantasia...
A paisagem
a paisagem e sua sensualidade
branda e incansável
com seus pássaros e mamíferos
de paisagem e espessa fantasia...
A paisagem
e
seu atributo essencial de poesia
e das cores de Ipirá
e das cores de Ipirá
que
me olham
como a uma impressão de ponte
como a uma impressão de ponte
no
processo mesmo da visão das almas
no prefácio fictício
no prefácio fictício
passo
a passo seguido
(Ler soir clair nous conduit au jardin
taciturne...
e a Morte rasga o Silêncio
e a Morte rasga o Silêncio
dessas
flores e febres que
são para as almas como o sol
são para as almas como o sol
imortalizado
no fechar dos olhos
destas
tardes de dor e azul
inegavelmente profundo...
inegavelmente profundo...
E
o Sol que dorme
é
o temperamento daquela
alma perdida em Ipirá
alma perdida em Ipirá
decifrada
no Céu e no incunábulo obscuro
no Céu e no incunábulo obscuro
de
sua terra
de
sua sombra
de
seu pó...
de sua lembrança
de sua lembrança
encarcerada
no
silêncio dissonante da memória
interligada com o ocioso Sublime)
pela minha vida noturna e
fascinada
silêncio dissonante da memória
interligada com o ocioso Sublime)
pela minha vida noturna e
fascinada
dans mon
coeur ébloui –
e mais um verso de
Paul Morin me
aborda e me toma...
Ah! Ipirá
afogada de tanto Infinito
centrada nos vales da razão geológica
e inorgânica da Caatinga imortalizada de miasmas
coeur ébloui –
e mais um verso de
Paul Morin me
aborda e me toma...
Ah! Ipirá
afogada de tanto Infinito
centrada nos vales da razão geológica
e inorgânica da Caatinga imortalizada de miasmas
Ipirá
de meu amigo Agostinho
de meu amigo Agostinho
de
seu pai
de sua avó
de sua avó
tão
distante (e de seu
Esquecimento)
Esquecimento)
– Ipirá que
fenece em seu duro
e generoso
fenece em seu duro
e generoso
parto...
Ah, Ipirá de
meus amores
mitológicos
e inegáveis.
Ipirá reproduzida
em meus ossos
e em meu
eterno presente.
Ipirá de tantos
olhos
Ah, Ipirá de
meus amores
mitológicos
e inegáveis.
Ipirá reproduzida
em meus ossos
e em meu
eterno presente.
Ipirá de tantos
olhos
Ipirá
de tantas
almas.
Ipirá de
tantos e tantos
sonhos...
Ipirá
sem
nome...
de tantas
almas.
Ipirá de
tantos e tantos
sonhos...
Ipirá
sem
nome...
III
– (O mar é a antítese das terras onde
habita o Sertanejo cheio de cor
– cor eterna é claro –
repleta de vida
cheio do mover insustentável e indivisível
dos peixes que assistem em seu ventre
feminino e hodierno como
todos os passados pressentidos
ou como todos os futuros
que se esqueceram...
Como os peixes que no mar habitam
– também como os peixes que nos rios vivem –
cada homem do Sertão corre atrás da vida
fabricada ou vendida
trazendo a morte e o esquecimento
de muitos outros por carga ou
por sorte...
A Caatinga que esquece
os passos de cada homem
produzido dela
ao contrário dos rios
e do mar
e da memória
que não consomem
os peixes
destrói e reconstrói
à sua maneira
cada
homem e cada vida
martelada
e revigorada no
homem:
Peixes:
como caudas e barbatanas
de homens –
Homens:
como as
escamas
e o crânio dos peixes...)
Ipirá – Feira de Santana, dezembro de 2001.