quarta-feira, 8 de maio de 2013

LEODEGÁRIA DE JESUS (1889 - 1978)



 
Conforme alguns autores, Leodegária de Jesus teria nascido em Caldas Novas, Estado de Goiás, no dia 08 de agosto de 1889, mas teria adotado Jataí como sua cidade natal (1891). Estudou no Colégio Santana, de Goiás Velho. Leodegária foi criada em Jataí, onde colaborou com a imprensa, passando por outros estados como Espírito Santo, São Paulo, Rio de Janeiro e Amazonas. Um de seus escritos poéticos que foi intitulado Voo cego chegou a ser reproduzido e comentado por Joaquim Osório Duque Estrada. Foi uma das redatores do jornal A Rosa ao lado de Cora Coralina, em 1907. Depois de passar por várias cidades goianas, mudou-se para Minas Gerais. Faleceu em Belo Horizonte, Minas Gerais, em setembro de 1978. Escreveu, entre outros livros, Orquídias (1928), Coroa de lírios (1906). Foi criteriosamente estudada por Basileu Toledo França, no livro Poetisa Leodegária de Jesus; e por Darcy França Denófrio em Lavra dos Goiases IIILeodegária de Jesus.








SUPREMO ANELO

Voltar a ti, ó terra estremecida,
E ver de novo, à doce luz da aurora,
O vale, a selva, a praia inesquecida,
Onde brincava pequenina outrora;

Ver uma vez ainda essa querida
Serra Dourada que minh'alma adora;
E o velho rio, o Cantagalo, a ermida,
Eis o que sonho unicamente agora.

Depois… morrer fitando o sol no poente,
Morrer ouvindo ao desmaiar fagueiro
Da tarde estiva o sabiá dolente.

Um leito, enfim, bordado de boninas,
Onde dormisse o sono derradeiro,
Sob essas verdes, plácidas colinas.


 ***




MEU DESEJO
                      
Não quero o brilho, as sedas, a harmonia
Da sociedade, dos salões pomposos,
Nem a falaz ventura fugidia
Desses festins do mundo, tão ruidoso!

Prefiro a calma solidão sombria,
Em que passo meus dias nebulosos;
Sinto-me bem, aqui, à sombra fria
Da saudade de tempos mais ditosos.

Eu quero mesmo, assim, viver de lado,
Das multidões passar desconhecida,
Me alimentando de algum sonho amado.

Nada mais quero, e nada mais aspiro:
Teu casto afeto que me doira a vida,
Meus livros, minha mãe e meu retiro.


***


MAIO
 
A aurora surge fulgente,
Cheia de encanto, alegria,
Porque raiou sorridente
O lindo mez de Maria. 

As avesinhas exultam,
Espalham doce harmonia,
Com meigo canto saúdam
O lindo mez de Maria.

Nos matagaes perfumados,
A brisa meiga cicia,
Os ramos beija aljofrados,
Saudando o mez de Maria.

Neste mez um só queixume
Não se ouve. Quanta alegria
Oh! como é doce o perfume,
Da flor, no mez de Maria!

Como é bella a natureza!
Quanta doçura e magia
Encerra e quanta belleza
O claro mez de Maria!




Da revista: O Lyrio, nº 20, junho/1904, PE

GILBERTO MENDONÇA TELES (1931 - )




 
Gilberto Mendonça Teles nasceu em 30 de junho de 1931 na cidade de Bela Vista de Goiás, uma cidade de pouco mais de 60 mil habitantes localizada a 45 km de Goiânia. Seus habitantes costumam denominá-la poeticamente por um verso de Leo Lynce: 'terra dos buritizais sussurrantes'. Porque as folhagens dos buritizais de lá parecem sussurrar entre si, uma vez tocadas pelo vento, quando então emitem aquele cicio tão característico. Ora, designação verdadeiramente bela e lírica para o berço natal de um poeta e ensaísta como Gilberto Mendonça Teles. Gilberto formou-se em Direito e Letras Neolatinas pela Faculdade de Filosofia da Universidade Católica de Goiás e em Direito pela UFG, sendo professor-fundador destas duas universidades. Após isso, concluiu o seu doutorado em Letras e Livre-docente em Literatura Brasileira pela PUC-RS. Nessa mesma época, forma-se como professor de Língua Portuguesa pela Universidade de Coimbra, em Portugal. Gilberto é o ocupante, desde 11 de março de 1962, da cadeira de número 11 da Academia Goiana de Letras, que fora originalmente destinada ao Príncipe da Poesia Goiana, Leo Lynce. Por grata coincidência, o próprio Gilberto Mendonça Teles foi eleito como atual Príncipe dos Poetas Goianos. Em 1970 foi contratado como professor titular de Língua Portuguesa pela PUC-Rio, onde trabalha até hoje. É professor catedrático visitante de literatura brasileira nas universidades de Lisboa, Universidade de Rennes, Chicago e Salamanca. Como poeta e crítico literário pertence a várias instituições especializadas, dentre elas, Société de Linguistique Romane, em Paris, Sociedade de Língua Portuguesa, em Lisboa, Asociación de Estudios Lingüísticos, em Montevidéu, Academia Goiana de Letras, em Goiânia, Academia de Filologia, no Rio de Janeiro, Academia Carioca de Letras e PEN Clube do Brasil. É membro da Academia Brasileira de Filosofia, cujo patrono da cadeira é Gustavo Corção. Gilberto Mendonça Teles é, também, acadêmico correspondente da Academia das Ciências de Lisboa. Além disso, foi eleito, em 1979, pela Academia Feminina de Letras e Artes de Goiás, o Príncipe dos Poetas de Goiás. É considerado o escritor goiano mais famoso na Europa, tendo os seus livros escrito em diversas línguas. Recebeu pelo conjunto de sua obra, o prêmio Machado de Assis, considerado o maior prêmio literário do Brasil, pela Academia Brasileira de Letras. Em 31 de janeiro de 1999, teve duas obras suas, A Raiz da Fala (1972) e Hora Aberta (1986), incluídas, por um seleto júri escolhido pelo jornal O Popular de Goiânia, dentre as 20 obras literárias mais importantes do século XX em Goiás, sua terra. Em 2002, considerado o Intelectual do Ano, ao receber o Prêmio Juca Pato. Foi homenageado na Bienal do Livro do Rio de Janeiro em 2005 (50 anos da Literatura de Gilberto Mendonça Teles), daí surgiu a obra A plumagem dos nomes, com 812 páginas de cartas, depoimentos, estudos e reconhecimento ao ícone literário brasileiro.






PLURAL DE NUVENS
 
Se há um plural de nuvens e se há sombras
projetadas no texto das cavernas,
por que não mergulhar, tentar nas ondas
a refração dos peixes e das pedras?
 
Há sempre alguma névoa, um lado obscuro
que atravessa o poema.  Há sempre um saldo
de formas laterais, um como escudo
que não resiste muito a teu assalto.
 
Se alguma luz na contraluz se esbate,
se há curso dos dias sole e vento,
talvez na foz do rio outra cidade
venha no teu olhar amanhecendo.
 
Importa é ler de perto a cavidade
das nuvens e espiar os seus não-ditos:
o mais são armas para teu combate,
falsos alarmes para os teus sentidos.


***



ANÚNCIO
 
1
Troco urgentemente uma secretária
eletrônica, 22ov, bastante conservada
    (motivo mudança de amor e domicílio),
por uma secretária invisível,
dessas que fazem desaparecer
tudo de repente:
                           colóquio de alquimistas
                           congressos de bruxas
                            reuniões de catedráticos
                            e até o I simpósio
                            de mulheres jubilosas.
 
Que seja loirena e diligente,
que seja meiga, sobretudo quando visível.
Que não se esqueça dos pequenos aniversários
(uma semana disso, um mês daquilo)
e os saiba comemorar condignamente
nalgum lugar secreto:
                                   ilha ou limbo
                                   beira de mar
                                   quarto de hotel
                                   fumaça de cachimbo.
Que seja também multilíngüe
para entender-me em todos os sentidos.
E que não perca nunca o seu charme
para me seduzir ou raptar-me
nas horas mais incríveis de solidão.
 
(Cartas para esta redação.)
 
2
Preciso urgentemente encontrar
minha secretária invisível
que se perdeu sexta-feira
em reuniões e telefonemas
e me deixou a ver navios.
 
Melhor: um submarino atômico
que entrou pelo rio e bombardeou
toda a cidade, virando-a
pelo avesso, como um absurdo
e até remoto cataclismo.
 
(Gratifica-se bem quem der notícia
a esta redação. Ou à polícia.)


***



ANULAÇÃO

Ocupar o espaço
contido na sombra,
ser o pó do espesso,
o vão da penumbra,

o dó sem começo,
o nó sem vislumbre,
o invisível traço
do não-ser: escombro.

Ser zero, ou nem isso:

letra morta, timbre
do vazio no osso.

Ser aquém do nome
— o só do soluço
de coisa nenhuma.