EXCERTOS DE "TRIGAL COM CORVOS"
Pra que?
Um poema não arrasta 150 vagões de minérios pela estrada-de-ferro
um poema não ergue 400 passageiros e os leva pr’ outro lado do mundo
- e aqui vou fundo:
não produz – mesmo se prolixo - alimentos suficientes pr’os que fuçam meu lixo.
Serve apenas.... pra dizer que passado e futuro são provisórios como icebergs e dunas
um
quase sempre entre lendas
outro
descrito com runas.
Serve pra dizer que ao ver Terra e Lua fotografadas de Marte
minúsculas na treva intensa
veio-me a idéia de que tudo é nada
e orgulho... imenso
da foto realizada.
Serve pra dizer que as melhores cachoeiras de Foz do Iguaçu ficam no lado argentino
mas que o espetáculo só do lado brasileiro se goza
confirmando – ao que parece - que é mais divertido ser amante do que marido
- seja em verso
ou prosa.
Serve pra dizer que me fascinam as mudanças de canal que me ocorrem na mente quando penso em lua
rua
nua
e
crua.
Pronto:
talvez eu faça versos porque haja algo a dizer... vago... e belo... como as paisagens na névoa
na China.
O que pode ser
não sei.
A erosão
que cavou o Grand Canyon
produzindo aquela Manhattan de pedra no Arizona
ergueu catedrais góticas no Monument Valley com tanta inocência quanto Bosch - o genial debilóide – foi surrealista... séculos antes de Freud.
[...]
Conto
no entanto
com o Tempo
essa poderosa
inflexível
lenta
enigmática e
colossal conseqüência do avanço da máquina do mundo
travada em marcha única ( apesar das urgências e emergências ou ausência de expectativas de todo tipo que nos têm dado a ilusão de que ele às vezes urge
ou muge )
pelo que Van Gogh se matou em 1890 logo depois de pintar o atormentado “Trigal com Corvos”
sem saber que
se tivesse resistido mais três anos
assinaria “O Grito”
de Munch.
* **
EXCERTO DE "MARCO DO MUNDO"
Abre-se o abismo de pedra e susto
e,
de
cristal e
prata,
duzentas
e setenta cataratas,
como
as de Foz do Iguaçu, na Garganta do Diabo,
cavam,
sem problema, a fundação do poema,
com
grande largura,
...
mas sem descer cem metros no chão da literatura.
Sendo,
então,
a
Foz,
na
profundidade,
pouca,
The
Angel Falls,
da
Venezuela,
com
sua milha louca,
é
a opção.
Mas
é à Queda de Lúcifer
propriamente
dita
e
a seu eclipse
no
Apocalipse,
que
o Poeta – nela espelhado - se apega,
no
lapso em que o afrontoso, presunçoso anjo, arrasta a Virgem - de quem
quer o Filho - na réstia da Via Láctea,
mas
é detido na vertigem ciclônica da estelar rosácea,
pelos
clarins,
clarões,
trompas,
trombetas,
trovões
e
toques de rebate,
de
São Miguel Arcanjo, que avança pro combate,
mais
o irado exército alado,
ao
que Lúcifer se ouriça,
mar
agitado,
terra
tremente,
céu
de tormenta,
na
liça,
e
o encontro entre os dois estronda, um milhão de vezes mais poderoso do que o de
Mormionda,
até
que,
no
sismo,
cai
o “Portador da Luz” como estrela
e
abre-se um poço no abismo.
***
EXCERTO DE "ESSE É O HOMEM"
Um alvíssaro pássaro atordoado de repente salta ao poema,
em estabanado grito e clarão
e a onda se arrebenta na explosão de espuma,
e em seguida se esfuma,
desmaia,
desliza,
lisa,
na praia,
em que o céu,
que ela espelha,
se espalha,
e um movimento sinfônico de volutas corre por uma saia e uma blusa em várias permutas e se solta dos panos pros braços e mãos e se franze,
em rendilhada água,
no ar,
ao ser lançada da bacia – agora vazia – pro mar,
e a garça,
assustada,
se alça e se esfalfa em vultos alvos de asas, já acima das casas
e ultrapassa um balão que sai,
céu acima,
excesso e exceção da Terra, que em mais-leve-que-o-ar se sublima.
Nuvens passam,
largas,
veículos-e-cargas,
são frotas de caravelas,
leves e belas,
ou galeões com trovões sem canhões fazendo escarcéu,
no oceânico céu
e Veneza é água e pedra,
Iago
e mágoa,
mas poderia ser ... Viterbo
e rimaria com Verbo,
que tem tanto do Logos quanto o Iago do evangelho - nesses jogos - tem do Ya´akob hebraico,
vertido como Jacó,
no Testamento Arcaico,
Daí Sant´Iago,
que na salerosa Cæsaraugusta - que logo será Zaragoza - passará a se chamar
San... Tiago,
igual ao persa biring – cobre – que, após tanta degeneração – dez, onze – no que se dispersa,
acaba gerando – entre nós - bronze,
a mesma história
pobre
de pássaro,
que veio do latino passer,
pardal,
quando pássaro era – na verdade - avis,
chaves que mostram como somos como estradas e rios,
cheios de altos e baixos e jamais em reta - tendo até extravios – mas com meta.
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