POEMA
recolho as palavras
e, fatalmente,
rogo em silêncio
pelo verbo
que será a porta
de onde
sairei
e tu me habitarás
e, fatalmente,
rogo em silêncio
pelo verbo
que será a porta
de onde
sairei
e tu me habitarás
***
A Rosa Glacial
A
flor
glacial
derrete
sobre o país
o percussor sombrio
são as sete
pragas do Egito
os sete pecados capitais
a voz do infinito
sagaz,
os
prados de concreto, a paz,
o olho secreto de Hórus,
- a flor fervilha
pelos poros
e a multidão brilha
como o outono deita a névoa
sob suas folhas
e a primavera
rompe
os
botões no espaço
da garganta dos jovens o sopro
corre nos pulmões
embaralha
cadeias
e destrói
em chamas os corações
de palha
na mesa, jogamos cartas e poemas
elevando os grãos e os galhos
às veredas das cinzas
e da ressurreição
urram, tentam impedir,
dão pimenta para Adão –
dão
vinagre para Cristo
crucificam,
bebem, riem nas estripulias,
e o raio cai dos céus
e o nosso
reino
se eleva à Deus
na variedade do milagre, saímos da hipótese
ninguém vê senão grito
“o parâmetro do desamparo
é o agito”
ninguém vê senão atrito
estamos aqui, amigo,
segue
o
rito.
Foucault finge
libelos
no gabinete
infinito
da
sua escrita
e o
esquete
de Maiakóvski
agita
o burguês
na rua
o povo mira os olhos contra o sol
e nos esquecemos de abandonar o corpo
para, no dia
através da noite
surgirmos, anônimos,
como
a brisa de outubro
e atingir
o tamanho
dos demônios da desolação.
Os tempos são frios
e as horas
obtusas
como o templo do sol
é por isso que cada um se levanta do poente
e borra as paredes, os prédios,
os trens,
os ônibus, as luas,
ninguém aqui está contente –
as formigas
se aglomeram nas curvas, mirmidões,
não são peixes,
insetos,
bichos –
(o homem só descansa quando vive
ou após)
são homens que se empilham na cidade
um a um
somos
nós
a perna que se estica no universo
do panteão das estrelas,
para abrir-se
junto
ao líquido cálido
destes tempos,
desta fúria,
dessa flor que se desfaz no ócio das esferas
e gira sobre as sequelas,
doce dínamo dessa candura!
***
Canto-Navalha
Rasga-mortalha,
ouço-a
e
não consigo escrever um verso
sobre
o seu canto-navalha.
Estridula,
pia, pragueja, urra –
não
preciso
a
melodia,
os raios da sua ranhura.
“Não
perdeu a poesia”
o
poeta me diz
e
eu sei
um
notebook é um notebook
e
uma paisagem plana
faz
girar o fluxo
do
território,
o
canto da Rasga-mortalha me estranha
não
tenho mais que relatos da sua fatalidade.
Um
dia dois – talvez mais,
não
existe poema em mim,
explicável?
“Tanto
faz”
ninguém
sabe
vejo
filmes ou leio alguma coisa
é
difícil
imaginar
um poeta sem uma carta na manga
(ou
um mágico sem truques,
as
morenas/as rimas/o batuque).
Comprei
o Robert Burns
e
só encontrei canções
do
meio dia
com
árvores
e cotovias
e,
no mais,
um
estribilho
“ah,
que tempos passados,
amigos,
os que se passam”.
No
desastroso silêncio do açoite,
enceno
atritos
no
escuro
(corre
no ar
infinitos
pios
vorazes
nos vales da noite)
estrelas
caem
e
a Rasga-mortalha me desfigura em gritos.
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