segunda-feira, 18 de novembro de 2013

OCTAVIO MORA (1934-2012)


Nascido na Argentina, mas radicado no Brasil, Octavio Mora foi um dos maiores representantes da poesia de 45 e um dos gênios poéticos mais injustiçado de nossas letras. Aposentou-se como professor titular de Literatura n UFRJ. Estreou em poesia com o livro Ausência viva (1956). Depois publicou Terra imóvel (1959). A esses se seguiram Corpo habitável (1967), Pulso horário (1968), Saldo prévio (1968) e Exílio urbano (1975). Também formado em Medicina, exerceu durante alguns anos a profissão de médico. Na ocasião de sua morte, sobre ele e sua poesia, o crítico Jessé de Almeida Primo escreveu a seguinte nota: “Soube hoje do falecimento de um dos maiores poetas do país, Otávio Mora, autor de duas obras-primas da nossa literatura, Ausência Viva e Terra Imóvel, ambas dos anos 50. Pedro Sette-Câmara me enviara um e-mail informando do fato e disse que o soube pelo jornal O Globo, no qual informava ter lido apenas "uma nota de falecimento(...), que não dizia nem quando, nem como, só manifestava saudades". Quando um poeta desse porte morre e os cadernos culturais não se ocupam do assunto, é porque de fato o país está embrutecendo”.





Ulisses



Ulisses em Ítaca, vivo ausente
Talvez seja resíduo da viagem,
mas é tão pouco minha esta paisagem
que só posso estar longe desta gente:
 
Se foi minha, cortaram-na tão rente
que a memória mudou toda a folhagem –
falávamos idêntica linguagem –
Falo agora linguagem diferente:

Vivo em Ítaca ausente: minha fronte
alargou-se, meus olhos são maiores,
e na memória trago outros países:

Contudo, já foi meu este horizonte,
já fui jovem aqui : olho arredores,
E vejo Ítaca ao longe, sem raízes.


***

IFIGÊNIA


Como estátua de vento, pedra gasta,
sopra Ifigênia sempre na memória,
e estamos nela sem escapatória
como o tempo nas pedras: só se afasta

(devido à semelhança com o vento
de seu todo), para estar em nós, aérea,
desprovida de contornos, em matéria
capaz de dar volume ao pensamento

que surge do que some: quando volta
volta cheia de pássaros e tudo
se lhe gruda ao olhar: reminiscência

de seus passos, o pássaro se solta
e em nós gravita a terra: conteúdo
e volume final de sua ausência.


***



SEMPRE EVA


Mordendo, ao modo de quem come,
a polpa escuras das maçãs,
as noites, tardes e manhãs
umas nas outras, como a fome.

Partes as frutas com os dentes
e encontras, sob a casca, a cor
verdadeira  de seu sabor
íntimo. Açúcar som sementes.

Pelas sementes, mais
ou seu sabor ácido, a planta
cresce-te dentro da garganta
até os pés.Dizes-te: escuto.

Inseparável das raízes
faz-se o silêncio sem escolha
que reproduz, folha por folha,
árvore audível, o que dizes.

Macias, as palavras, dentro
das frases, ásperas, mastigas
e a tua própria voz obrigas,
maçã, ao silêncio de seu centro.

Calas? Para que não transbordes
do teu silêncio e se descubra
o quanto és doce, a polpa rubra,
sempre, do próprio lábio mordes.

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