Ulisses
Ulisses em Ítaca, vivo ausente
Talvez seja resíduo da viagem,
mas é tão pouco minha esta paisagem
que só posso estar longe desta gente:
Se foi minha, cortaram-na tão rente
que a memória mudou toda a folhagem –
falávamos idêntica linguagem –
Falo agora linguagem diferente:
Vivo
em Ítaca ausente: minha fronte
alargou-se, meus olhos são maiores,
e na memória trago outros países:
alargou-se, meus olhos são maiores,
e na memória trago outros países:
Contudo,
já foi meu este horizonte,
já fui jovem aqui : olho arredores,
E vejo Ítaca ao longe, sem raízes.
já fui jovem aqui : olho arredores,
E vejo Ítaca ao longe, sem raízes.
***
IFIGÊNIA
Como
estátua de vento, pedra gasta,
sopra Ifigênia sempre na memória,
e estamos nela sem escapatória
como o tempo nas pedras: só se afasta
sopra Ifigênia sempre na memória,
e estamos nela sem escapatória
como o tempo nas pedras: só se afasta
(devido à semelhança com o vento
de seu todo), para estar em nós, aérea,
desprovida de contornos, em matéria
capaz de dar volume ao pensamento
que
surge do que some: quando volta
volta cheia de pássaros e tudo
se lhe gruda ao olhar: reminiscência
volta cheia de pássaros e tudo
se lhe gruda ao olhar: reminiscência
de
seus passos, o pássaro se solta
e em nós gravita a terra: conteúdo
e volume final de sua ausência.
e em nós gravita a terra: conteúdo
e volume final de sua ausência.
***
SEMPRE EVA
Mordendo,
ao modo de quem come,
a
polpa escuras das maçãs,
as
noites, tardes e manhãs
umas
nas outras, como a fome.
Partes
as frutas com os dentes
e
encontras, sob a casca, a cor
verdadeira
de seu sabor
íntimo.
Açúcar som sementes.
Pelas
sementes, mais
ou
seu sabor ácido, a planta
cresce-te
dentro da garganta
até
os pés.Dizes-te: escuto.
Inseparável
das raízes
faz-se
o silêncio sem escolha
que
reproduz, folha por folha,
árvore
audível, o que dizes.
Macias,
as palavras, dentro
das
frases, ásperas, mastigas
e
a tua própria voz obrigas,
maçã,
ao silêncio de seu centro.
Calas?
Para que não transbordes
do
teu silêncio e se descubra
o
quanto és doce, a polpa rubra,
sempre,
do próprio lábio mordes.
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