FLOR DE
CARNE
Pairava
na tua alcova o excêntrico perfume
envolto
do teu corpo airoso de serpente;
ansiosa
a me fitar com teus olhos de nume,
expunhas-me,
ofegante, à tua boca ardente.
E
louca e desgrenhada e trêmula e nervosa,
vinhas
toda a sorrir para a glória do amor.
Eras,
de fato, assim, mais lúbrica e formosa
na
suprema nudez da tua carne em flor.
Da
pálida lua etérea, a claridade morna
banhava
docemente a concha do teu leito;
e,
na luz desse luar, que a tua graça exorna,
teu
frágil corpo esbelto em meus braços estreito.
Treme-te
a carne forte, indomável e erótica,
nos
espasmos do amor a que te entregas, louca,
e
te enroscas, lasciva e excitante e nevrótica,
a
mim, que sorvo ansioso o mel da tua boca.
Quando,
convulso e mudo, esse teu corpo langue
era
o desejo cruel de todo o meu desejo,
e
teu lábio febril era uma flor de sangue
aberta
para o gozo imenso do meu beijo.
Tontos
de amor, enfim, na sensação extrema
da
carne a se estorcer em prolongado abraço,
na
volúpia sem par da volúpia suprema,
mais
insano e brutal te aconchego e te enlaço.
Tu,
sensual e dengosa, em coleios terríveis,
do
teu lábio ofertando os íntimos venenos;
eu,
sequioso, apertando em minhas mãos sensíveis
os
agudos punhais dos teus seios morenos.
Um
gemido, um suspiro agora então se evola
do
teu peito, afinal, oprimido e arquejante,
no
recinto da alcova, onde vencido rola
teu
corpo a se exaurir no leito extortegante.
Hoje
é tudo o que resta de meu viver aflito
em
que de um bronco ser estranho me assemelho:
a
lembrança infeliz de teu cheiro esquisito,
no
sabor infernal de teu beijo vermelho.
***
PEGI-GAN
Sob
o céu a luzir, Misael abre o peito
forte
e clara vibrando a voz de agô-lô-nan.
Salva
o terreiro amigo o moço pegi-ga,
Num
dialeto africano esquisito e perfeito.
Nas rodas da macumba,
até agora está só,
crioulo bom no tocar, crioulo bom no cantar.
Coração de mulher tu sabes amarrar,
crioulo de fato e lei, nos mistérios do ebó.
Calça
branca e lustrosa e camisa de lista,
da
garganta de bronze a voz potente rola,
saudando
os orixás, em linguagem de Angola,
no
barracão não há cabrocha que resista.
Já fizeste uma vez, vaidosa orixafi,
tu que gostas de sangue e que trazes mocan,
e que pisas em brasa e louvor de Iansã,
de feitiço morrer doida de amor por ti.
Dentro
da noite branca a tua voz maltrata
e
fere o peito de alguém que de ti afeiçoa,
crioulo
mal do dendê, teu canto além ressoa,
para
orgulho talvez da faceira mulata.
Tu pareces até que tens
parte com Exu,
negro da tentação, negro
bom de verdade,
vais deixar ao partir,
um pouco de saudade,
nessa terra ideal de Nanan-burucu.
***
***
O
CANGACEIRO
Pelos
ínvios sertões, ao sol que adusto abrasa
a
inóspita caatinga, em que se acoita, ao certo,
tala
de agreste inculto à vargem plana e rasa,
sutil
o passo lesto e o ouvido ao vento esperto.
Ao
mais brando rumor de ramo seco ou de asa
cortando
o espaço, esbarra. Em torno o olhar incerto
busca.
E se amoita. E o rifle, ao rosto, e o peito, em brasa,
de
um bruto choque aguarda o início que vem perto.
Findo
e fero fragor da férvida façanha,
no
rancho, entre grotões, consigo a sós medita,
ao
fluido luar que surge e a selva inteira banha.
Trigueiro,
o ferro à cinta, o lenço à gorja preso,
recorda
o rude ataque à vila onde palpita,
por
ele, um coração doido de amor por ele.
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