segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

BASÍLIO DA GAMA (1741-1795)


Nasceu no arraial de São José do Rio das Mortes, depois São José d'El Rei, hoje cidade de Tiradentes, Minas Gerais. O seu pai foi Manuel da Costa Vila-Boas, capitão-mor do Novo Descobrimento, e sua mãe foi uma das netas do oficial militar Leonel da Gama Belles. Em 1757, já órfão de pai, começou a frequentar o Colégio dos Jesuítas no Rio de Janeiro. Quando, dois anos depois, em 1759, Gomes Freire de Andrade, 1.º Conde de Bobadela, ordenou fechar o colégio, como parte da campanha de perseguição movida pela Coroa de Portugal contra a Companhia de Jesus, o jovem Basílio manteve-se fiel à sua vocação e seguiu para Roma, à procura do apoio da igreja católica para a sua fé. Entre os anos de 1760 e 1766 foi admitido, graças ao poeta Michel Giuseppe Morei na Arcádia Romana, com o pseudônimo de "Termendo Sipilho". O fato de um poeta da Brasil colônia ter sido admitido em uma agremiação tão importante quanto a Arcádia Romana pressupõe que, quase certamente, ele teria sido recomendado pelo clero jesuítico português. No decorrer de 1768 está de novo no Brasil, na cidade do Rio de Janeiro, mas retorna à Europa, dirigindo-se para Coimbra. Nesta ocasião foi detido em Lisboa, acusado de simpatia para com os jesuítas. Em troca da liberdade, prometeu às autoridades ir viver em Angola. Logo em seguida, buscando evitar o degredo, capitulou diante do poder exercido pelo futuro Sebastião José de Carvalho e Mel, marquês de Pombal, responsável direto pela perseguição aos jesuítas. Basílio escreveu então um epitalâmio, dedicado à filha do Marquês, exaltando-o, vindo a cair, em 1769, nas graças deste. No mesmo ano foi publicado poema épico O Uraguai, dedicado a Francisco Xavier de Mendonça Furtado, irmão de Pombal, onde se percebe o intuito de agradar o homem forte de Portugal daquele tempo. Além dos guerreiros portugueses, os Guaranis são tratados de maneira positiva pelo autor, cabendo unicamente aos jesuítas o papel de vilões, por serem contrários à política pombalina, retratados como interessados em ludibriar os indígenas. Por essa época estreita-se a sua ligação com Pombal, de forma que se torna oficial administrativo e secretário deste. Com a queda política de seu protetor, Basílio passou a sofrer perseguições políticas, sendo obrigado a se deslocar da Corte para a Colônia do Brasil e vice-versa, como forma de se livrar de arbitrariedades cometidas contra si. Num período em que estava em Lisboa veio a falecer, em 31 de julho de 1795, tendo sido sepultado na Igreja da Boa Hora.



A Uma Senhora Natural do Rio de Janeiro,
Onde se Achava Então o Autor


Já, Marfiza cruel, me não maltrata
saber que usas comigo de cautelas,
qu'inda te espero ver, por causa delas,
arrependida de ter sido ingrata.

Com o tempo, que tudo desbarata,
teus olhos deixarão de ser estrelas;
verás murchar no rosto as faces belas,
e as tranças d'oiro converte-se em prata.

Pois se sabes que a tua formosura
por força há de sofrer da idade os danos,
por que me negas hoje esta ventura?

Guarda para seu tempo os desenganos,
gozemo-nos agora, enquanto dura,
já que dura tão pouco, a flor dos anos.

***




A Uma Senhora que o Autor Conheceu
no Rio de Janeiro e Viu Depois na Europa


Na idade em qu'eu brincando entre os pastores
andava pela mão e mal andava,
uma ninfa comigo então brincava
da mesma idade e bela como as flores.

Eu com vê-la sentia mil ardores;
ela punha-se a olhar e não falava;
qualquer de nós podia ver que amava,
mas quem sabia então que eram amores?

Mudar de sítio a ninfa já convinha,
foi-se a outra ribeira; e eu naquela
fiquei sentindo a dor que n'alma tinha.

Eu cada vez mais firme, ela mais bela;
não se lembra ela já de que foi minha,
eu ainda me lembro que sou dela!...



***


Morte de Lindoia


Um frio susto corre pelas veias
De Caitutu que deixa os seus no campo;
E a irmã por entre as sombras do arvoredo
Busca com a vista, e treme de encontrá-la.
Entram enfim na mais remota, e interna
Parte de antigo bosque, escuro e negro,
Onde, ao pé duma lapa cavernosa,
Cobre uma rouca fonte, que murmura,
Curva latada e jasmins e rosas.
Este lugar delicioso e triste,
Cansada de viver, tinha escolhido
Para morrer a mísera Lindóia.
Lá reclinada, como que dormia,
Na branda relva e nas mimosas flores,
Tinha a face na mão e a mão no tronco
Dum fúnebre cipreste, que espalhava
Melancólica sombra. Mais de perto
Descobrem que se enrola no seu corpo
Verde serpente, e lhe passeia e cinge
Pescoço e braços, e lhe lambe o seio.
Fogem de a ver assim sobressaltados
E param cheios de temor ao longe;
E nem se atrevem a chamá-la e temem
Que desperte assustada e irrite o monstro,
E fuja, e apresse no fugir a morte.
Porém o destro Caitutu, que treme
Do perigo da irmã, sem mais demora
Dobrou as pontas do arco, e quis três vezes
Soltar o tiro, e vacilou três vezes
Entre a ira e o temor. Enfim sacode
O arco e faz voar a aguda seta,
Que toca o peito de Lindóia e fere
A serpente na testa, e a boca e os dentes
Deixou cravados no vizinho tronco.
Açoita o campo com a ligeira cauda
O irado monstro, e em tortuosos giros
Se enrosca no cipreste, e verte envolto
Em negro sangue o lívido veneno.
Leva nos braços a infeliz Lindóia
O desgraçado irmão, que ao despertá-la
Conhece, com que dor! no frio rosto
Os sinais do veneno, e vê ferido
Pelo dente sutil o brando peito.
Os olhos, em que Amor reinava, um dia,
Cheios de morte; e muda aquela língua,
Que ao surdo vento e aos ecos tantas vezes
Contou a larga história de seus males.
Nos olhos Caitutu não sofre o pranto,
E rompe em profundíssimos suspiros,
Lendo na testa da fronteira gruta
De sua mão já trêmula gravado
O alheio crime, e a voluntária morte.
E por todas as partes repetido
O suspirado nome de Cacambo.
Inda conserva o pálido semblante
Um não sei quê de magoado, e triste,
Que os corações mais duros enternece.
Tanto era bela no seu rosto a morte...


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