segunda-feira, 16 de junho de 2014

NELSON ASCHER (1958 - )

Nelson Ronny Ascher é um poeta, tradutor e jornalista brasileiro. Cursou um ano de medicina, para enfim seguir o curso de administração da Fundação Getúlio Vargas e posteriormente pós-graduação em semiótica na PUC-SP. Colabora com o jornal Folha de S. Paulo desde a década de 1980, escrevendo sobre literatura, cinema e política. Hoje sua coluna é publicada às segundas-feiras no caderno Ilustrada. Em 1988/89 criou a Revista USP e se tornou seu editor, cargo no qual permaneceu até 94. Parte de seus artigos está reunida em Pomos da Discórdia (1993). Como poeta lançou Ponta da língua (1983), Sonho da Razão (1993), Algo de Sol (1996) e Parte Alguma (2005). Suas traduções estão reunidas em O Lado Obscuro (1996) e Poesia Alheia (1998). Colaborou com Boris Schnaiderman na tradução de A Dama de Espadas, de Pushkin.







MEU CORAÇÃO

         "Mein Herz, mein Herz ist traurig"
                                                            Heine



Se tenho um coração maior que
o mundo, por que seus ventrículos
fecham-se em pontos tão ridículos
quando oxigênio algum retoque

as carências da carne? Aparte
isso, o lipídio sujo encarde o
sangue que irriga o miocárdio
por dentro até que o seu enfarte

maciço torne enfim as várias
figuras líricas, diletas—
letais. Dizei-me, enfim, poetas:
o amor entope as coronárias?

De Da ponta da língua (1983)

 ***




AMOR

O olhar desapropria
a forma alheia, o ouvido
sequestra a voz alheia,
o olfato rapta o odor

alheio, o paladar
rouba o sabor alheio,
o tato furto a carne
alheia, ou seja, a própria;

reluz o olhar alheio
do visto em outro, ecoa
o ouvido alheio um outro,
rescende o olfato alheio

a um outro, sabe a um outro
o paladar alheio,
tateia o tato alheio
um outro, ou seja, o mesmo.

                   De O sonho da razão (1993)

 ***




MÁQUINAS

Se — máquinas precisas
que somos de morrer —
nossa função implica
memória ininterrupta,

por que, afinal, possuis
(lubrificadamente
contrátil entre as pemas)
o teu lagar de amnésia?

De Algo de sol (1996)



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