MEU CORAÇÃO
"Mein
Herz, mein Herz ist traurig"
Heine
Se
tenho um coração maior que
o
mundo, por que seus ventrículos
fecham-se
em pontos tão ridículos
quando
oxigênio algum retoque
as
carências da carne? Aparte
isso,
o lipídio sujo encarde o
sangue
que irriga o miocárdio
por
dentro até que o seu enfarte
maciço
torne enfim as várias
figuras
líricas, diletas—
letais.
Dizei-me, enfim, poetas:
o
amor entope as coronárias?
De Da ponta da língua (1983)
***
AMOR
O
olhar desapropria
a
forma alheia, o ouvido
sequestra
a voz alheia,
o
olfato rapta o odor
alheio,
o paladar
rouba
o sabor alheio,
o
tato furto a carne
alheia,
ou seja, a própria;
reluz
o olhar alheio
do
visto em outro, ecoa
o
ouvido alheio um outro,
rescende
o olfato alheio
a
um outro, sabe a um outro
o
paladar alheio,
tateia
o tato alheio
um
outro, ou seja, o mesmo.
De O sonho da razão (1993)
***
MÁQUINAS
Se
— máquinas precisas
que
somos de morrer —
nossa
função implica
memória
ininterrupta,
por
que, afinal, possuis
(lubrificadamente
contrátil
entre as pemas)
o
teu lagar de amnésia?
De Algo de sol (1996)
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