DOIS SONETOS À PERDIÇÃO
DE MARIANA
I
Vaga, tênue lembrança de um perfume
de flor esguia, delicada e pura,
Mariana entre as frágeis, lindas rosas,
que à tarde o vento mau despetalava.
De vestido azul claro e de sandálias
recurvas, laço rubro nos cabelos,
recordo quando a via, ó enfermeira
silenciosa das fontes do jardim.
Do destino das coisas compungida,
o sinistro mistério aprofundando
da evanescente e efêmera beleza,
Mariana talvez que pressentisse
o mudo horror das rosas derradeiras
que em seu féretro branco morreriam.
II
Penso no amargo instante, ó alta Amada,
em que se apartarão, cheios de mágoa,
de mim teus negros olhos, rasos de água,
e essa ternura ingênua e delicada.
Que mais posso dizer? Nem se apagada
sempre, não hoje só, verei a frágua
a salamandra de teu sonho. Trago-a
dentro d´alma, já murcha e mal fanada,
a flor do afeto a que sorrimos ambos,
e a deixaste gelar neste abandono,
no limbo vítreo domais longo sono.
Embora ! O aroma dúlcido dos jambos
sentirei, que me lembra um céu perdido,
ó fruto verde, ó fruto proibido!
***
Lamento da perdição de Enone
Lamento da perdição de Enone
Quero
fugir e não posso.
Quero correr e me sinto
colado no chão da esquina.
Quero correr e me sinto
colado no chão da esquina.
Se
a noite ao menos pudesse
fazer com que me esquecesse
da fria luz que, no quarto,
sobre o teu corpo morria.
fazer com que me esquecesse
da fria luz que, no quarto,
sobre o teu corpo morria.
Oh
gargantilhas de espanto
na esconsa perdida!
na esconsa perdida!
Se
a noite ao menos pudesse,
apagar o riso insano
que deste para outros homens,
a esquimose de teu riso
na carne dos transeuntes.
apagar o riso insano
que deste para outros homens,
a esquimose de teu riso
na carne dos transeuntes.
Taça
esgalga (negra rosa!)
taça esbelta onde anoitece
o vinho que me delira,
tormento,
lunar delícia
de tantas bocas viciadas
na polpa nutriz dos mundos.
taça esbelta onde anoitece
o vinho que me delira,
tormento,
lunar delícia
de tantas bocas viciadas
na polpa nutriz dos mundos.
Não
dormias, que eu só sei
da luz verde que escorria
sobre os teus seios imersos
no mar moreno do peito.
Girafa que me alucina,
cobra, cobra,
cobra, cobra,
doida mula-sem-cabeça
batendo os cascos de vidro
no rosto do meu desejo...
da luz verde que escorria
sobre os teus seios imersos
no mar moreno do peito.
Girafa que me alucina,
cobra, cobra,
cobra, cobra,
doida mula-sem-cabeça
batendo os cascos de vidro
no rosto do meu desejo...
Quero
gritar e não posso.
Quero correr e me sinto
colado no chão da esquina.
Quero correr e me sinto
colado no chão da esquina.
Se
a noite ao menos pudesse,
na sombra do mar do tempo,
perder o lume trigueiro,
mas tão frio, de teus olhos.
na sombra do mar do tempo,
perder o lume trigueiro,
mas tão frio, de teus olhos.
Na
relva negra do púbis,
de teu púbis -- horto exíguo,
quisera pascer cuidados,
ternuras, canções de lua,
ou bem, anseios magoados
do riço mau das bromélias.
de teu púbis -- horto exíguo,
quisera pascer cuidados,
ternuras, canções de lua,
ou bem, anseios magoados
do riço mau das bromélias.
Quisera
pascer cuidados...
ou esgueirado pelas bordas
do poço do mundo estéril,
fecundar óvulos mortos.
ou esgueirado pelas bordas
do poço do mundo estéril,
fecundar óvulos mortos.
Enone,
a aurora surgia
das dobras de teu silêncio.
a aurora surgia
das dobras de teu silêncio.
Vinho,
aromas, luzes cruas,
e essas pupilas boiando
num charco azul de atropina.
e essas pupilas boiando
num charco azul de atropina.
Enone,
a aurora dançava
na festa dos teus cabelos.
a aurora dançava
na festa dos teus cabelos.
Quero
fugir e não posso.
Quero correr e me sinto
colado no chão da esquina.
Quero correr e me sinto
colado no chão da esquina.
***
SONETO DO VINHO DO PORTO
SONETO DO VINHO DO PORTO
Fruto
em verde ou de ígneo e azul, tocado
da
música da alva. Ó tessitura
de
esférico sabor, lúdico aroma
de
pomo etéreo. Os beijos que não são.
Desliza
em rota insone. E eu te procuro,
ó
domador do tédio. E, travo e mel,
de
seu conúbio vegetal ressumbram
no
liquefeito olhar das feras bravas.
Que
do xisto azumbrado a fulva luz
tornada
em sumo e veludoso gosto
por
sobre a calcedônia do desejo.
Vinho
que sabe a amor sem fim, ocíduo
clarão
que incide às tardes sobre o Douro,
ou
de Andrômeda o riso e o de Canopo.
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