segunda-feira, 14 de julho de 2014

LUIZ BACELLAR (1928-2012)

 Luiz Bacellar é um dos escritores mais significativos da literatura que se produz no Amazonas. Nascido em Manaus, no dia 4 de setembro de 1928, o poeta viveu sua infância numa época marcada pela crise econômica que se seguiu ao fausto do "ciclo da borracha". Sua obra é perpassada por elementos de forte componente erudito, ao mesmo tempo em que retrata temas e motivos da cultura popular, do folclore, em particular as vivências de sua infância no bairro dos Tocos, hoje Aparecida. O universo poético retratado por Bacellar, sobretudo em Frauta de Barro, constrói-se sobre o plano da memória. Tece seus versos com os fios das lembranças, reminiscências de seu mundo infantil. Constrói um mapa esmaecido de uma cidade corroída pelo tempo e pelas transformações econômicas – Manaus. Não a que conhecemos hoje, surgida sob as determinações da Zona Franca, mas a Manaus provinciana da segunda metade do século que se encerra. Estudou no Colégio São Bento, em São Paulo, onde completou seus estudos. Aperfeiçoando-se posteriormente, no Rio de Janeiro, em Pesquisa Social, Antropologia e Museologia, realizando parte de seus estudos sob a orientação do saudoso professor e estudioso da cultura brasileira Darcy Ribeiro. A música é outro componente importante de sua produção poética. Parte significativa de seus textos são plasmados por intensa musicalidade. Foi professor de Literatura e Língua Portuguesa no Colégio Estadual D. Pedro II, pólo aglutinador, nos anos 50 e 60, da jovem intelectualidade de Manaus. Destacou-se no processo de renovação da literatura regional, participando da movimentação que culminou na fundação do Clube da Madrugada, em 1954. Exerceu o jornalismo, atuando em diversos órgão de comunicação de Manaus. No plano institucional, foi conselheiro de cultura do Estado do Amazonas em diversas oportunidades. A vida literária do poeta Luiz Bacellar teve um começo feliz: conquistou, em 1959, o prêmio "Olavo Bilac", da Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, com aquele que seria seu livro de estréia, Frauta de barro, publicado em 1963.







Noturno da rampa do mercado


As luzes das barcaças sonham ventos
quando em águas propícias e serenas
no cansado ancorar brilham pequenas
em almos lucilares cismarentos ...

O rio e a noite expandem seus lamentos
e os mastros tristes são candeias plenas
de oleosas saudades e de penas
sirgando macilentos barlaventos ...

As águas encrespadas pela brisa
gravam na praia úmida do pranto
 das órfãs de afogados o seu canto.

Gregoriano canto, que, em precisa
cadência, vai ecoando em cada peito:
deixai-nos descansar: tudo está feito.  

***


VERÃO

No livre azul o sossegado vento
lívido sonha linhas de escultura
que moldara nas nuvens no momento
de apascentá-las pela tarde pura.

Num arrepio de pressentimento
o ruflo de asa risca na brancura,
o sol arranca brilhos do cimento
do muro novo, a folha cai. Madura.

Tudo o verão proclama. A tarde limpa,
esmaltada de claro; pela grimpa
do morro verde a cabra lenta vai...

A luz resvala na amplidão sonora.
Por que senti rogar-me a face agora
um beijo, um frêmito, um suspiro, um ai?


***


Soneto do canivete

Do gume aceso se cumpra
o destino de ser-quilha
e o destino de ser peixe
no ímpeto da mola oculta;

do cabo córneo se cumpra
o destino de ser concha
bivalve guardando a folha:
molusco vidrado e alerta.

Cumpra-se o ávido destino
de esfolar laranjas vivas
e fazer lascas de pinho

na timidez corrosiva
dentro do punho incrustada
da lâmina envergonhada





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