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Luiz Bacellar é um dos
escritores mais significativos da literatura que se produz no Amazonas. Nascido
em Manaus, no dia 4 de setembro de 1928, o poeta viveu sua infância numa época
marcada pela crise econômica que se seguiu ao fausto do "ciclo da
borracha". Sua obra é perpassada por elementos de forte componente
erudito, ao mesmo tempo em que retrata temas e motivos da cultura popular, do
folclore, em particular as vivências de sua infância no bairro dos Tocos, hoje
Aparecida. O universo poético retratado por Bacellar, sobretudo em Frauta de
Barro, constrói-se sobre o plano da memória. Tece seus versos com os fios das
lembranças, reminiscências de seu mundo infantil. Constrói um mapa esmaecido de
uma cidade corroída pelo tempo e pelas transformações econômicas – Manaus. Não
a que conhecemos hoje, surgida sob as determinações da Zona Franca, mas a
Manaus provinciana da segunda metade do século que se encerra. Estudou no
Colégio São Bento, em São Paulo, onde completou seus estudos. Aperfeiçoando-se
posteriormente, no Rio de Janeiro, em Pesquisa Social, Antropologia e
Museologia, realizando parte de seus estudos sob a orientação do saudoso
professor e estudioso da cultura brasileira Darcy Ribeiro. A música é outro
componente importante de sua produção poética. Parte significativa de seus
textos são plasmados por intensa musicalidade. Foi professor de Literatura
e Língua Portuguesa no Colégio Estadual D. Pedro II, pólo aglutinador, nos anos
50 e 60, da jovem intelectualidade de Manaus. Destacou-se no processo de
renovação da literatura regional, participando da movimentação que culminou na
fundação do Clube da Madrugada, em 1954. Exerceu o jornalismo, atuando em
diversos órgão de comunicação de Manaus. No plano institucional, foi
conselheiro de cultura do Estado do Amazonas em diversas oportunidades. A vida
literária do poeta Luiz Bacellar teve um começo feliz: conquistou, em 1959, o
prêmio "Olavo Bilac", da Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, com
aquele que seria seu livro de estréia, Frauta
de barro, publicado em 1963.
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Noturno
da rampa do mercado
As
luzes das barcaças sonham ventos
quando
em águas propícias e serenas
no
cansado ancorar brilham pequenas
em
almos lucilares cismarentos ...
O
rio e a noite expandem seus lamentos
e
os mastros tristes são candeias plenas
de
oleosas saudades e de penas
sirgando
macilentos barlaventos ...
As
águas encrespadas pela brisa
gravam
na praia úmida do pranto
das
órfãs de afogados o seu canto.
Gregoriano
canto, que, em precisa
cadência,
vai ecoando em cada peito:
deixai-nos
descansar: tudo está feito.
***
VERÃO
No
livre azul o sossegado vento
lívido
sonha linhas de escultura
que
moldara nas nuvens no momento
de
apascentá-las pela tarde pura.
Num
arrepio de pressentimento
o
ruflo de asa risca na brancura,
o
sol arranca brilhos do cimento
do
muro novo, a folha cai. Madura.
Tudo
o verão proclama. A tarde limpa,
esmaltada
de claro; pela grimpa
do
morro verde a cabra lenta vai...
A
luz resvala na amplidão sonora.
Por
que senti rogar-me a face agora
um
beijo, um frêmito, um suspiro, um ai?
***
Soneto do canivete
Do
gume aceso se cumpra
o
destino de ser-quilha
e
o destino de ser peixe
no
ímpeto da mola oculta;
do
cabo córneo se cumpra
o
destino de ser concha
bivalve
guardando a folha:
molusco
vidrado e alerta.
Cumpra-se
o ávido destino
de
esfolar laranjas vivas
e
fazer lascas de pinho
na
timidez corrosiva
dentro
do punho incrustada
da
lâmina envergonhada
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