O salto da morte
A
melodia murmura
à
porta do rancho
derrama
uma alma
na
paisagem viva
e
a paisagem viva
inspira
e expira
o
ar fino da noite
pelos
brônquios sonoros
da
gaita monótona.
Os
sapos calaram
e
escutam, pensando
que
a Mãe-d'Água dos sapos
está
cantando perto
no
brejo da charneca
entre
os nenúfares.
Os
bois sonolentos
descerrando
lentos
os
olhos tímidos
olham
o campo longo
batido
de luar
e
pasmam de já ser
autora
pois luz melodiosa
eles
entendem o dia só
quando
o sol acorda
a
voz dos pássaros
adormecidos.
A
gaita monótona
insufla
um hálito
de
pulmão humano
no
ar que trescala
na
noite clara.
As
frondes das árvores
movem
o gesto que marca
compasso
como cabeças
atentas
à orquestra.
As
duas janelas ladeando
a
porta do rancho
calmo
têm a doçura
dos
olhos ingênuos
e
sorriem no ouro
das
candeias que enchem
de
ouro fluido
a
sala caiada.
E
da trepadeira
posta
em mantilha
sobre
o teto de sapé
sobe
o cheiro morno
do
jasmim branco
que
a música faz
mais
tépido
como um perfume
sobre
a pele.
A
gaita monótona
alonga
o perfume
na
noite oblonga
e
a claridade unânime
é
luar e perfume
dissolvidos
na música.
Súbito,
um acorde
mais
cheio, mais forte,
soprado
em ofego
ressoa
e se cala
até
o fim do espaço,
no
fim da paisagem.
Só
o luar vazio
persiste
sobre
a
terra estática...
E,
dentro do luar,
pênsil
dos astros,
fica
oscilando,
compassado,
o
silêncio noturno,
como
um trapézio
balançado
de onde
rolou
para morrer
no
tombo trágico
o
saltimbanco atônito.
***
ENCRUZILHAMENTO
DE LINHAS
Núcleo de convergência
no bojo da noite oval.
Lanterna Verde
(amêndoa fosforescente
dentro da casca carbonizada)
Longitudinal, centrífugo,
o trem racha em duas metades
a espessura do escuro
e, cuspindo pela boca da chaminé
as estrelas inúteis à propulsão,
atira-se desenfreado
nos trilhos livres.
Mas se o maquinista fosse daltônico
a locomotiva teria parado.
Lanterna Verde
(amêndoa fosforescente
dentro da casca carbonizada)
Longitudinal, centrífugo,
o trem racha em duas metades
a espessura do escuro
e, cuspindo pela boca da chaminé
as estrelas inúteis à propulsão,
atira-se desenfreado
nos trilhos livres.
Mas se o maquinista fosse daltônico
a locomotiva teria parado.
***
O
Epitáfio que não foi Gravado
Todos sentiram quando a
morte entrou
com um frêmito apressado de retardatária.
com um frêmito apressado de retardatária.
A que tinha de morrer, —
a que a esperava, —
fechou os olhos
fatigados de assistirem
ao mal-entendido da vida.
Os que a choravam
sabiam-na sem pecado,
consoladora dos aflitos,
boca de perdão e de
indulgência,
corpo sem desejo,
voz sem amargor.
A que tinha de morrer
fechou os olhos fatigados,
mas tranquilos...
Porque os que a choravam
nunca saberiam
o rancor sem perdão de
sua boca,
o desejo saciado de seu
corpo,
o amargor de sua voz,
a sua angustia de
arrastar até o fim a alma postiça que lhe
[fizeram,
o seu cansaço imenso de
abafar, secretos, na carne ansiosa,
a perfeição e o orgulho
de pecar.
A que tinha de morrer
fechou os olhos para sempre
e os que a choravam
nunca souberam de alguém
que foi de todos junto ao leito
[à hora do exausto coração parar
o mais distante,
o mais imóvel,
o que não soluçou
o que não pôde erguer as
pálpebras pesadas,
o que sentiu clamar no
sangue o desespero de sobreviver,
o que estrangulou na
garganta o grito dilacerado do solitário,
o que depós, sobre a
serenidade da morte purificadora,
a redenção do silêncio,
como uma pedra votiva de
sepulcro.
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