Emmanuel
Santiago é mineiro de São Lourenço. Poeta e crítico literário, é autor de Pavão bizarro (poesia) e A narração dificultosa (crítica).
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Origami
a
Tati A. Toumouchi
De
papel de seda finíssimo,
fiz
teu corpo: fibra a fibra
modelado
na pétala, forma
de
pura textura e volume.
Sobre
a límpida e mínima
película,
moldei teus seios
em
torneios e volutas,
lívidos
torvelinhos,
e
os dedos se dedicaram
a
cada minúcia sinuosa
na
delicada dobradura do
sexo,
desdobrando lábios
em
abismos, labirintos.
Assim
te concebo: nua
e
toda nuances, criada
da
lâmina de sal e espuma
do
mar, como as ondas,
que
se espiralam peroladas
durante
a queda (tens
a
idêntica consistência
de
uma onda do mar).
***
Soneto filosofante com chavão de
ouro
Bem
já dizia o sábio Salomão:
é
vaidade, vaidade das vaidades,
tudo
que ao peito humano persuade
a
tanto esforço inútil, nulo e vão,
pois,
que de teu suor, não restarão
os
frutos, nem o pó, sequer saudade;
tudo
se perde e, tão logo se evade,
deixa
para trás uma atroz lição:
nada
fica, nem fama, nem dinheiro,
nem
há, no mundo inteiro, o que persista;
os
últimos igualam-se aos primeiros,
anulam-se
as derrotas e as conquistas,
que,
nesta vida, é tudo passageiro,
exceto
o cobrador e o motorista.
***
Sonho recorrente
ou seis passos para um poema
surrealista
Assim se sucedeu naquele sonho:
era
noite quando uma jovem moça
perguntava-me
as horas. Eu lhe disse:
“Não
sei não, senhorita, mas é tarde;
não
há ninguém na rua, não há nada”.
Ela,
então, deu um tiro na cabeça.
Era
noite de novo; na cabeça
a
sensação de estar vivendo um sonho
como
se caminhasse sobre o nada.
Chegou-se
a mim aquela jovem moça:
“Morri,
ressuscitei; é muito tarde.
Mate-me
agora mesmo!”, ela me disse.
Era
de noite quando alguém me disse:
“Veja
só, estourei minha cabeça
e
não posso emendá-la, pois é tarde!”,
e
tudo se passava como num sonho.
Diante
de mim, aquela jovem moça
estava
morta; não dizia nada.
De
noite outra vez, não se via nada.
Do
escuro, soou uma voz que disse:
“Não
se esqueça daquela jovem moça
que
levou um balaço na cabeça!”.
Lembrei-me
vagamente de algum sonho,
mas
não pude retê-lo. Era tarde.
De
noite. Muito escuro. Muito tarde.
Já
não me lembro mais de quase nada
e
vejo as coisas turvas, feito um sonho.
Só
sei que certa vez alguém me disse:
“Cuidado!
Não atire na cabeça!”.
No
chão, jaz o cadáver de uma moça.
Percebo-me:
sou uma jovem moça
andando
por aí — tarde, bem tarde.
Estou
morta e não tenho mais cabeça;
nas
mãos, trago um revólver e mais nada.
“Não
há ninguém na rua”, alguém me disse.
Não
sei se sou real nem sei se sonho.
É sempre o mesmo sonho, a mesma moça,
algo que alguém me disse muito tarde,
um tiro e só. Mais nada na cabeça.
Que primorosos poemas, congratulações!
ResponderExcluirQue primorosos poemas, congratulações!
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