SONETO
Esquecida no tempo a alma procura
algo que já não é porque era tanto.
Onde amor se desfez, se ainda perdura
a luz que nos mandava e se fez pranto.
Algo torna a vibrar, algo que a pura
força de ser revela o próprio encanto,
luz que à noite mais cega, mais se apura,
trêmula voz transfigurada em canto.
Voltam fluídas lembranças à retina,
cálidas formas, luzes de extramundo...
e a vontade de amar que amar ensina.
A mente, não, mas a alma há de deter
no que tem de mais límpido e profundo
e embora fugaz vive do eterno.
***
CANÇÃO
Viver não dói. O que dói
é a vida que se não vive.
Tanto mais bela sonhada,
quanto mais triste perdida.
Viver não dói. O que dói
é o tempo, essa força onírica
em que se criam os mitos
que o próprio tempo devora.
Viver não dói. O que dói
é essa estranha lucidez,
misto de fome e de sede
com que tudo devoramos.
Viver não dói. O que dói,
ferindo fundo, ferindo,
é a distância infinita
entre a vida que se pensa
e o pensamento vivido.
Que tudo o mais é perdido.
é a vida que se não vive.
Tanto mais bela sonhada,
quanto mais triste perdida.
Viver não dói. O que dói
é o tempo, essa força onírica
em que se criam os mitos
que o próprio tempo devora.
Viver não dói. O que dói
é essa estranha lucidez,
misto de fome e de sede
com que tudo devoramos.
Viver não dói. O que dói,
ferindo fundo, ferindo,
é a distância infinita
entre a vida que se pensa
e o pensamento vivido.
Que tudo o mais é perdido.
***
SONETO
Desejo de sentir o que ora não penso
ou o que penso; e o que penso é não vivido.
A alma retrai-se; o espírito suspenso,
detém-se: é fio irreal interrompido.
Há um ímpeto de fuga que não venço.
Extrai-o de mim mesmo; é sem sentido.
E assim pairo, sonâmbulo, no imenso
campo que fica entre a presença e o olvido.
Como entender o que nem foi vazado
em forma signo ou luz? Como e por que ando
perto e longe de mim que ardo ao meu lado?
Como esquecer que o próprio esquecimento
do que em mim se rebela e está sonhando
rói a sede de ser em que me invento.
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