Adriana
Lisboa nasceu
no Rio de Janeiro e vive atualmente nos Estados Unidos. Entre seus
principais livros estão os romances Azul-corvo e Sinfonia em branco. Recebeu, entre
outros prêmios, o José Saramago e o Moinho Santista. Seus livros foram
publicados em doze países. www.adrianalisboa.com. A
foto é de Julie Harris.
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Por um instante de penumbra
Há
sol demais por aqui. As sombras
expatriam-se
dentro das coisas, sem uma
chance.
A luz é cáustica,
esta
luz de inquérito sob a qual o preso
não
tem outra alternativa.
Você
optaria por um mundo em claro-escuro,
mas
tudo se revela (pior: se demonstra,
como
num laboratório, como no corpo
aberto
de uma cobaia) com enorme zelo e
não
admite perfis, murmúrios, vislumbres.
Essa
luz medonha que se esfrega
na
sua cara – o quanto você não daria
por
um instante de penumbra.
Por
um segundo de indecisão.
***
poesia
Pense
nela
como
o dedo cavando a fresta onde
há
ainda uma pequena chance,
algo
semelhante à colher numa cela
de
presídio investindo contra
o
chão de barro: um túnel,
a
vaga ideia de liberdade.
***
Blue Sunday
Não
me lembro se foi on a blue Sunday,
como
cantava Jim Morrison em nossos ouvidos.
Nem
sei quantos atalhos tomamos, depois –
o
herói de Truffaut é hoje um cara sério,
e
nós, que o conhecemos
da
época dos nossos quatre cents coups,
das
nossas tardes sem nenhuma urgência
debruçados
sobre o Rio, em meio aos turistas,
envelhecemos
também. Sei que não disparam
os
alarmes por nós: não somos nem mesmo
vaga
ameaça. Mas nesse oco mal vedado
que
ficou, sigo mendicante,
e
carrego meias-luas sob os olhos
enquanto
aguardo os tempos mais brandos
anunciados
na canção.
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