Eurico
Alves Boaventura, poeta, cronista e ensaísta, nasceu em Feira de
Santana, em 21 de julho de 1909. Foi um dos principais nomes do grupo
modernista baiano surgido em torno da revista Arco & Flexa e um dos maiores expoentes de uma literatura
modernista ainda muito desconhecida do grande público. Colaborou em vários
periódicos de Salvador e do Nordeste. Deixou muitos textos inéditos, alguns
deles publicados postumamente como Fidalgos
e Vaqueiros (Universidade Federal da Bahia, 1989) e Poesias (Fundação Cultural do Estado da Bahia (1991)). Sua obra singular
é marcada por um verso livre incisivo e seus temas variam do urbanismo típico
das primeiras gerações de modernistas do Brasil ao gosto requintado e autêntico
de um regionalismo que lhe era demasiadamente peculiar. Na simplicidade dos
versos de Eurico Alves Boaventura é possível perceber um dos elementos próprios
da cultura de Feira de Santana - a figura do vaqueiro. Na lírica nostálgica do
poeta, infância e natureza estão interligadas, quando canta as peripécias do
menino sertanejo. Um dos momentos mais sublimes da história do poeta é o
diálogo que trava com o poeta pernambucano Manuel Bandeira, registrado no poema
Escusa, pertencente ao livro Belo Belo, de bandeira.
DÍNAMO
Ralam
o ar, rodopiando em roucos ronrons rudos,
as
ruivas, rúbidas rodas raivosas, rápidas, ao fogaréu ...
Negras
fauces monstros de fornalhas, abocanhando as sombras,
num
doido torvelinho desordenadamente bruto,
de
permeio às turbinas, aos êmbolos, às válvulas e a loucura
de
mil garras de fogo — as alavancas víboras —
no
vai-e-vem, vem-e-volta,
subindo,
descendo, afogando-se na fofa negrura do óleo chiando ...
Tatala,
lá fora, ao dorso polido das chaminés,
a
crespa asa rascante e do grande morcego chagado
a
noite.
Correm
escuros arrepios no alto céu de ferrugem,
mordendo
a usina ...
Mas,
a um canto, possante, brutal, estouvadamente,
entre
o delírio de carótidas veias e artérias de aço,
bates,
rebates, fremes, latejas, precípite,
em
cólera chispando,
rudo,
rouco, raivoso, rasgando a noite,
—
dínamo da fábrica — meu desvairado coração pulsando!
***
BALADA DA ESPERANÇA
CANTADA NA CASA GRANDE
Herdei
de meu pai este solar antigo ...
Sob
a sua sombra, as horas se aconchegam religiosamente, ciciando preces,
ciciando
preces que eu só escuto e compreendo,
e
a vida pousa nua no meu pensamento ...
É
pura a hora, sem desejos inúteis, sem calor de sexo
que
o sol nos dá ...
Bate,
dentro do luar, a cancela, bate mansamente,
ressonância
de coração que envelhece na paisagem sem rancor.
Bate
ao sol, bate ao luar, nos nervos crespos do mourão de baraúna, melodia de
saudade, recuando até nós ...
Não
haverá outros gemidos lá fora abafando a música da minha alegria.
Quando
poderei sonhar no solar herdado de meu Pai?
***
ELEGIA PARA MANUEL BANDEIRA
Estou tão longe da terra e tão perto do céu,
quando venho de subir esta serra tão alta ...
Serra de São José das ltapororocas, afogada no céu, quando a noite se despe
e crucificado no sol se o dia gargalha.
Estou no recanto da terra onde as mãos de mil virgens tecem céus de corolas para o meu acalanto.
Perdi completamente a melancolia da cidade e não tenho tristeza nos olhos
e espalho vibrações da minha força na paisagem.
Os
bois escavam o chão para sentir o aroma da terra,
e é como se arranhassem um seio verde, moreno.
e é como se arranhassem um seio verde, moreno.
Manuel
Bandeira, a súbida da serra é um plágio da vida.
Poeta, me dê esta mão tão magra acostumada a bater nas teclas
da desumanizada máquina fria e venha ver a vida da paisagem
onde o sol faz cócegas nos pulmões que passam
e enche a alma de gritos da madrugada.
Não
desprezo os montes escalvados
tal o meu romântico homônimo de Guerra Junqueiro
Bebo leite aromático do candeial em flor
e sorvo a volúpia da manhã na cavalgada.
Visto os couros do vaqueiroe na corrida do cavalo sinto o chão pequeno para a galopada.
Aqui come-se carne cheia de sangue, cheirando a sol.
tal o meu romântico homônimo de Guerra Junqueiro
Bebo leite aromático do candeial em flor
e sorvo a volúpia da manhã na cavalgada.
Visto os couros do vaqueiroe na corrida do cavalo sinto o chão pequeno para a galopada.
Aqui come-se carne cheia de sangue, cheirando a sol.
Que
poeta nada! Sou vaqueiro.
Manuel Bandeira, todo tabaréu traz a manhã nascendo nos olhos
e sabe de um grito atemorizar o sol.
Feira de Santana! Alegria!
Alegria nas estradas,
que são convites para a vida na vaquejada,
alegria nos currais de cheiro sadio, alegria masculina das vaquejadas,
que levam para a vida e arrastam também para a morte!
Alegria de ser bruto e ter terra nas mãos selvagens!
Que
lindo poema cor de mel esta alvorada!
A
manhã veio deitar-se sobre o sempre verde.
Manuel
Bandeira, dê um pulo a Feira de Santana e venha comer pirão de leite com carne
assada de volta do curral
Venha
sentir o perfume de eternidade que há nestas casas de fazenda,
nestes
solares que os séculos escondem nos cabelos desnastrados das noites eternas
venha ver como o céu aqui é céu de verdade
e o tabaréu como até se parece com Nosso Senhor.
e o tabaréu como até se parece com Nosso Senhor.
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