Gregório
de Mattos e Guerra, o “Boca do Inferno”, nascido na
Bahia, foi o primeiro de nossos satíricos, e, quiçá, nosso primeiro grande
poeta de facto. Homem de língua
destravada e fácil veia poética. Estudou humanidades em Portugal, tendo feito o
curso de leis na Universidade de Coimbra. Na terra mãe foi juiz criminal e de
órfãos. Voltou ao Brasil com 47 anos, sob a proteção do arcebispo da Bahia, D.
Gaspar Barata. Tantas e tais fez que não só perdeu a proteção do prelado, como
ainda foi degredado para Angola. Reabilitado, voltou ao Brasil, indo para
Recife, onde conquistou simpatias e viveu com menos turbulência que na Bahia. É
o patrono da cadeira n.º 16 da Academia Brasileira de Letras. Além de versos
satíricos e humorísticos, escreveu poesias eróticas com a maior incontinência
verbal.
EPIGRAMA
Juízo
anatômico dos achaques que padecia o corpo da República em todos os membros, e
inteira definição do que em todos os tempos é a Bahia.
Que
falta nesta cidade?... Verdade.
Que mais por sua desonra?... Honra.
Falta mais que se lhe ponha?... Vergonha.
O demo a viver se exponha,
Por mais que a fama a exalta,
Numa cidade onde falta
Verdade, honra, vergonha.
Quem a pôs neste rocrócio?... Negócio.
Quem causa tal perdição?... Ambição.
E no meio desta loucura?... Usura.
Notável desaventura
De um povo néscio e sandeu,
Que não sabe que perdeu
Negócio, ambição, usura.
Quais são seus doces objetos?... Pretos.
Tem outros bens mais maciços?... Mestiços.
Quais destes lhe são mais gratos?... Mulatos.
Dou ao Demo os insensatos,
Dou ao Demo o povo asnal,
Que estima por cabedal,
Pretos, mestiços, mulatos.
Quem faz os círios mesquinhos?... Meirinhos.
Quem faz as farinhas tardas?... Guardas.
Quem as tem nos aposentos?... Sargentos.
Os círios lá vem aos centos,
E a terra fica esfaimando,
Porque os vão atravessando
Meirinhos, guardas, sargentos.
E que justiça a resguarda?... Bastarda.
É grátis distribuída?... Vendida.
Que tem, que a todos assusta?... Injusta.
Valha-nos Deus, o que custa
O que El-Rei nos dá de graça.
Que anda a Justiça na praça
Bastarda, vendida, injusta.
Que vai pela clerezia?... Simonia.
E pelos membros da Igreja?... Inveja.
Cuidei que mais se lhe punha?... Unha
Sazonada caramunha,
Enfim, que na Santa Sé
O que mais se pratica é
Simonia, inveja e unha.
E nos frades há manqueiras?... Freiras.
Em que ocupam os serões?... Sermões.
Não se ocupam em disputas?... Putas.
Com palavras dissolutas
Me concluo na verdade,
Que as lidas todas de um frade
São freiras, sermões e putas.
O açúcar já acabou?... Baixou.
E o dinheiro se extinguiu?... Subiu.
Logo já convalesceu?... Morreu.
À Bahia aconteceu
O que a um doente acontece:
Cai na cama, e o mal cresce,
Baixou, subiu, morreu.
A Câmara não acode?... Não pode.
Pois não tem todo o poder?... Não quer.
É que o Governo a convence?... Não vence.
Quem haverá que tal pense,
Que uma câmara tão nobre,
Por ver-se mísera e pobre,
Não pode, não quer, não vence.
Que mais por sua desonra?... Honra.
Falta mais que se lhe ponha?... Vergonha.
O demo a viver se exponha,
Por mais que a fama a exalta,
Numa cidade onde falta
Verdade, honra, vergonha.
Quem a pôs neste rocrócio?... Negócio.
Quem causa tal perdição?... Ambição.
E no meio desta loucura?... Usura.
Notável desaventura
De um povo néscio e sandeu,
Que não sabe que perdeu
Negócio, ambição, usura.
Quais são seus doces objetos?... Pretos.
Tem outros bens mais maciços?... Mestiços.
Quais destes lhe são mais gratos?... Mulatos.
Dou ao Demo os insensatos,
Dou ao Demo o povo asnal,
Que estima por cabedal,
Pretos, mestiços, mulatos.
Quem faz os círios mesquinhos?... Meirinhos.
Quem faz as farinhas tardas?... Guardas.
Quem as tem nos aposentos?... Sargentos.
Os círios lá vem aos centos,
E a terra fica esfaimando,
Porque os vão atravessando
Meirinhos, guardas, sargentos.
E que justiça a resguarda?... Bastarda.
É grátis distribuída?... Vendida.
Que tem, que a todos assusta?... Injusta.
Valha-nos Deus, o que custa
O que El-Rei nos dá de graça.
Que anda a Justiça na praça
Bastarda, vendida, injusta.
Que vai pela clerezia?... Simonia.
E pelos membros da Igreja?... Inveja.
Cuidei que mais se lhe punha?... Unha
Sazonada caramunha,
Enfim, que na Santa Sé
O que mais se pratica é
Simonia, inveja e unha.
E nos frades há manqueiras?... Freiras.
Em que ocupam os serões?... Sermões.
Não se ocupam em disputas?... Putas.
Com palavras dissolutas
Me concluo na verdade,
Que as lidas todas de um frade
São freiras, sermões e putas.
O açúcar já acabou?... Baixou.
E o dinheiro se extinguiu?... Subiu.
Logo já convalesceu?... Morreu.
À Bahia aconteceu
O que a um doente acontece:
Cai na cama, e o mal cresce,
Baixou, subiu, morreu.
A Câmara não acode?... Não pode.
Pois não tem todo o poder?... Não quer.
É que o Governo a convence?... Não vence.
Quem haverá que tal pense,
Que uma câmara tão nobre,
Por ver-se mísera e pobre,
Não pode, não quer, não vence.
***
À D. Ângela
À D. Ângela
Anjo
no nome, Angélica na cara
Isso é ser flor, e Anjo juntamente
Ser Angélica flor, e Anjo florente
Em quem, se não em vós se uniformara?
Isso é ser flor, e Anjo juntamente
Ser Angélica flor, e Anjo florente
Em quem, se não em vós se uniformara?
Quem
veria uma flor, que a não cortara
De verde pé, de rama florescente?
E quem um Anjo vira tão luzente
Que por seu Deus, o não idolatrara?
De verde pé, de rama florescente?
E quem um Anjo vira tão luzente
Que por seu Deus, o não idolatrara?
Se
como Anjo sois dos meus altares
Fôreis o meu custódio, e minha guarda
Livrara eu de diabólicos azares.
Fôreis o meu custódio, e minha guarda
Livrara eu de diabólicos azares.
Mas
vejo, que tão bela, e tão galharda
Posto que os Anjos nunca dão pesares
Sois Anjo, que me tenta, e não me guarda.
Posto que os Anjos nunca dão pesares
Sois Anjo, que me tenta, e não me guarda.
***
Buscando a Cristo
A
vós correndo vou, braços sagrados,
Nessa
cruz sacrossanta descobertos
Que,
para receber-me, estais abertos,
E,
por não castigar-me, estais cravados.
A
vós, divinos olhos, eclipsados
De
tanto sangue e lágrimas abertos,
Pois,
para perdoar-me, estais despertos,
E,
por não condenar-me, estais fechados.
A
vós, pregados pés, por não deixar-me,
A
vós, sangue vertido, para ungir-me,
A
vós, cabeça baixa, p'ra chamar-me
A
vós, lado patente, quero unir-me,
A
vós, cravos preciosos, quero atar-me,
Para
ficar unido, atado e firme.
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