NITIDEZ SUBMERSA
Nos
sapatos confortáveis
um
pouco velhos e gastos
a
fuligem das cidades
redesenha
o seu mapa.
Não
me venham com saudades,
sombras,
vultos e fantasmas,
o
peso e a profundidade
das
coisas não nos sufocam.
Dos
caminhos caminhados
—
avenidas, becos, praças —
multidões
tumultuosas
na
fuligem dos sapatos.
Pó
do mundo respirado
em
seu tédio corrosivo,
não
escapam os voos altos
das
naves mais arrojadas.
Na
verdade, nada escapa.
É
preciso a cada istmo
contra
essa névoa cegante
renovar
o gesto limpo,
porém
não lave os sapatos,
não
porque registre tantos
itinerários,
andanças,
mil
labirintos urbanos, a
fuligem
aí pousada,
cartografia
amorosa,
indica
veios, filões
dessa
nitidez submersa.
Alargue
as tuas pupilas:
paciência
ao inspecionar
cada
trecho dessas nódoas;
nos
interstícios, estrias,
nas
grafias do diáfano,
se
entrevê pela fuligem
a
clara sustentação
dos
fios frágeis do mundo.
***
***
PÓS-FÁBULA
No
seu delírio de durar,
buscou
a forma permanente,
que
atravessasse os mares findos
e
desse em praias do presente.
Não
bronze ou aço, algo mais dúctil,
que
suportasse as elegias
que
as estações ditam ao tempo
na
sua má caligrafia.
Envelheceu
em tal propósito,
a
elaborar um falso eterno:
em
cada ruga um desespero,
em
cada perda um novo inferno.
E
não buscava só memória,
nome
num muro ou numa mente,
mas
extrair o cerne vivo
do
que ontem fora e é presente.
Antes
do fim logrou, ó suma!,
a
sua bilha de aporia,
que
lá chegou, nas praias findas —
bela,
intocável e vazia.
***
3
— Uma mulher toda música
Eu
pretendi colhê-la num só gesto,
que
fosse imaterial, também tangível,
tentei
a forma livro, o sonho aberto,
estive
atento ao peso do invisível.
Busquei
coisas menores, mais modesto,
—
uma manhã urbana, a luz possível.
Tudo
inútil, desejo o cerne e aperto
o
escuro, mesmo sendo tão legível
o
corpo branco, nu, dentro da tarde.
Agora
me concentro em não fixá-la
em
pauta ou pensamento para dar-lhe
o
ritmo necessário de quem cala,
a
música a envolvê-la sem alarde
enquanto
ela caminha pela sala.
2007
Grande poeta! Parabéns! Sucesso!
ResponderExcluirJoão.
ResponderExcluirparabéns pelos poemas. ao teu "gesto limpo de fazer poesia."
Livia
João.
ResponderExcluirparabéns pelos poemas. ao teu "gesto limpo de fazer poesia."
Livia