Colheita
Acredito na floresta e na pradaria e na noite dentro da qual o milho cresce.
H. D. Thoreau
Porque nada é em vão
– a foice, o pão, a bala perdida –
estamos cada dia mais estéreis,
espantalhos no campo, expostos
às bicadas e aos ferrões.
Da unha que arrebenta
ao dente amolecido,
nenhum saldo positivo
é creditado aos cabelos
que perderam a cor.
Porque a vida é curta, sonsa e cínica
e é incauto o amor,
toda nudez será aproveitada
em benefício impróprio.
O estômago seguirá doendo,
a mãe gemendo reminiscências
contra Deus e suas relíquias,
os amigos morrendo distraidamente
como se ainda jogássemos bolas de gude.
O patrão, a mulher e o filho,
todos pensando que me têm,
enquanto os sentinelas no hospício
não pensam em nada,
apenas esperam que eu me acalme
para debulharem, grão por grão,
até minha última espiga.
***
Neblina e mormaço
O velho está quieto e cansado.
Feito um animal, um burro de carga.
Está triste, está só e mal-amado.
Ninguém lhe redime, nada o absolve.
Nos olhos do velho, uma chuva fina.
No peito, neblina. Mormaço nas costas.
O velho não deve, não teme, não foge.
Mas identifica o calor nas veias:
como um descompasso, uma coisa feia.
O velho já teve a vida no braço.
Quando a luz se apaga, sonha dias antigos.
Uma calça curta, uma estrada inteira,
um carro de bois, certa pasmaceira,
um pai que era duro, um cão que era meigo,
um calor-castigo, porcos e galinhas,
enxada no ombro, espinhos na pele,
um cabrito enjeitado, que o velho-menino
tratava com zelo – mamadeira e carinho no pêlo.
Quando o dia se acende, vem tudo de novo:
levanta em silêncio, caminha com modos,
se lava com métodos, se enxuga com calma,
se arrasta sem júbilos ao café com leite,
ao remédio certo, ao jornal sem cura,
ao final da fila, ao sinal da espera.
Vai à janela e contempla o céu, ainda o mesmo.
Não faz qualquer pedido, qualquer promessa.
***
Enigma
Para onde fogem os pássaros
em sua agonia?
Quando falham as asas,
onde eles as escondem?
Como enfrentam a morte
quando se anuncia?
Será que se escondem,
como os elefantes,
nos montes longínquos?
Onde eles se exilam?
Onde se desnudam?
Como se aniquilam?
Que bater de assas
diz que o pássaro em chamas,
tem o bico trêmulo?
Como se despena?
Despenca do galho?
Vira luz efêmera?
O pássaro em pânico
não lamenta a sorte.
Não celebra a morte,
pois só sabe a vida.
Qual será o canto
de sua despedida?
Melhor continuar fazendo literatura infanto-juvenil, Pimentel. Nessa seara é mais fácil enganar leitores...
ResponderExcluirCastro Pinto