terça-feira, 11 de setembro de 2012

JÚLIA CORTINÊS (1868-1948)

É considerada uma das mais vigorosas poetisas fluminenses do século passado, comparada às ilustres Narcisa Amália e Ibratina Cardona. Com pouco mais de 20 anos começou a publicar suas obras, e, em 1894, seu livro intitulado Versos alcançou algum sucesso. O segundo, Vibrações, lançado em 1905constituiu-se numa revelação para o famoso crítico literário José Veríssimo, que afirmou na época: "Os poemas de Júlia Cortines distanciam-se magnificamente da poesia de água-de-cheiro e de pó-de-arroz da musa feminina brasileira, e revelam em Júlia, mais que uma mulher que sabe sentir, alguém que sente com alma e coração e de forma que disputa primazias com nossos melhores poetas contemporâneos."







INTERROGAÇÃO

Contemplo a noite: a cúpula estrelada
do firmamento sobre mim palpita;
meu olhar, que a interroga, embalde fita
o olhar dos astros, que não vêem nada:

— Nessa amplitude lôbrega e infinita
que inteligência ou força inominada
numa elipse traçou a vossa estrada,
estrelas de ouro, que o mistério habita?

Dizei-me se, transpondo a imensidade,
alguma coisa a vós minha alma prende,
um vínculo de amor ou de verdade.

Dizei-me o fim da nossa vida agora:
para que serve a luz que em vós resplende,
e a oculta mágoa que em meu seio mora?...



***



FRACOS

Fracos, odeio a inércia e detesto a fraqueza.
Prefiro a mão que esmaga ou que vibra o punhal
À doce e inconsciente e nefasta moleza,
Que é para a alma do forte um veneno mortal.

Como de encontro à costa, em ondas remansadas
Chora o mar, ou se atira em bravos vagalhões,
Assim de encontro a vós, almas adormentadas,
Fremem de ódio e de amor os nossos corações.

Almas fracas, fugindo à aspereza das lides,
Sem um esforço para às correntes opor,
Pelo rio do tempo arrebatadas ides,
Desta ou daquela vaga a boiar ao sabor.

Que vos importa a vós a agonia da luta,
A ânsia de possuir, o infinito aspirar?
Que vos importa a vós a decepção que enluta,
Se não sabeis querer, nem sabeis adorar?!


                            ***



ÚLTIMA PÁGINA

Antes de mergulhar no silêncio da morre,
Ou da idade sentir a fraqueza e o torpor,
Eu quisera lançar, num supremo transporte,
Meu grito de revolta e meu grito de horror.

Mas sei que por mais forre e por mais estridente
Que ela corra através do infinito, até vós,
Ó céus, que além brilhais numa paz inclemente,
Nem qual brando rumor chegará minha voz!

Mas' sei que não há dor que a natureza vença,
E que nunca a fará de leve estremecer
Na sua eternidade e sua indiferença
O lamento que vem dum transitório ser.

Mas sei que sobre a face execrável da terra,
Onde cada alma sente, em torno, a solidão,
Esse grito, que a dor duma existência encerra,
Não irá ressoar em nenhum coração.

Contudo, num clamor de suprema energia,
Eu quisera lançar minha voz! Mas a quem
Enviar esse brado imenso de agonia,
Se para o compreender não existe ninguém?!



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