Compulsão
Mastigou
duas ou três folhinhas logo que acordou e escreveu:
Escreveu
as trincas das xícaras.
Escreveu
as tábuas corridas estufadas pelo tempo (tanta chuva, tanto sol).
Escreveu
as histórias que lhe contaram os bons fantasmas, para sempre
bebendo
vinho na varanda.
Com
eles anotou o movimento das constelações e desejou a dor profunda
que
o reconduziria ao amor perdido no século retrasado.
Escreveu
esse amor, a carne inexistente, a dureza dos seus ossos.
No
quintal, escreveu o sabor doce do coração do cordeiro. Escreveu isso
com
o pedaço de carvão que lhe entregaram os piratas ingleses.
Rolou
em êxtase pelo jardim de maçãs, desprovido de vestes,
sentindo
ohálito do vento,
massageando-se
nas sílabas.
Escreveu
isso na alma de vidro com a ponta do diamante.
Fez
um círculo de fogo na clareira daquele bosque.
Escreveu
a fome que viu na cidade secreta e o beija-flor agonizando no vaso do jardim.
Pobre
beija-flor!
Acordou
com um gosto de menta na boca e escreveu.
Tudo
mentira.
***
Código
Perdoe-me
por não saber amar em outra língua.
estes versos, que me atravessam como uma rua acidentada, não os explicito.
estes versos, que me atravessam como uma rua acidentada, não os explicito.
perdoe-me
por não saber cantar em outra língua.
estes versos, que me iluminam como as pedras que flatam na rua
acidentada, não os traduzo.
perdoe-me por não saber beijar em outra língua.
estes versos que se soltam e me encharcam.
estes versos, que me iluminam como as pedras que flatam na rua
acidentada, não os traduzo.
perdoe-me por não saber beijar em outra língua.
estes versos que se soltam e me encharcam.
***
Aprendizado
ou a viagem ao centro da terra
[Transalucinação de trechos da prosa de Alejandra Pizarnik]
[Transalucinação de trechos da prosa de Alejandra Pizarnik]
A.
pegou o pote onde estava escrito:
“Beba-me
e verás coisas cujo nome não sonha o silêncio”.
A
linguagem é um vácuo onde nenhum objeto parece ter sido tocado por mãos
humanas.
Falo
com a voz atrás da voz e com os mágicos sons da língua encantada.
Embriaga-me
a luz que transforma minhas palavras em um esplêndido castelo de papel.
Permito-me
visões e figuras pressentidas segundo os temores e os desejos do momento.
Sobrevoa-me
a morte. Busco a saída.
Volto
a mim e vejo uma dor que não acaba.
Luz
estranha a todos nós. Em mim, tudo se diz com sua sombra.
Azul
é meu nome.
Sou
capaz de morrer por uma palavra mal pronunciada.
Os
sofrimentos me dispensam de dar explicações.
Já
não significa para mim a língua que herdei dos estrangeiros.
Sei
bem que minha ferida não deixará de coincidir com a de alguma “supliciada”, que
um dia me lerá com fervor por eu ter deixado de dizer que não tinha nada a
dizer.
Eu
falo a partir de mim.
Para
sempre em meu ombro direito dois êxtases poéticos.
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