sexta-feira, 10 de outubro de 2014

ALEXANDRE BONAFIM (1976 - )

Nascido na capital mineira, este jovem poeta publicou o livro Biografia do deserto (2006); de lá para cá, o escritor já se lançou num bom punhado de novas empreitadas poéticas:  A Outra Margem do Tempo (2008); Sobre a Nudez dos Sonhos (2011) Sua publicação mais recente é O Secreto Nome do Sol (2013). O trabalho de Bonafim parece, até agora, trilhar essencialmente o mesmo rumo delineado desde sua primeira coletânea. É uma poesia de alta qualidade técnica e lírica. Além de poeta, é contista, cronista, crítico literário, mestre em Literatura Brasileira, e professor de literaturas portuguesas Universidade Estadual de Goiás - UEG.






A VIDA É SEMPRE SÚBITA

                     a Roseana Murray



A vida é sempre súbita,
como folha a cair na rua,
pássaro recém-nascido a despencar do ninho.

A vida é sempre susto,
choque elétrico a cortar a carne,
farpa a estilhaçar a pele.

Nada nos protege desse frio.
Nada nos ampara dessa nudez.

A vida é sempre agora,
atropelamento em esquinas vazias,
rosto a refletir o nada nos espelhos.


***






A menina morta
                                      a Cornélio Pena



De sua fotografia
a menina morta
me sorri.
Quem lhe pousou
entre os cabelos
aquela flor
de assombro?
Quem lhe maquiou
as fazes
com aquela cor
de espanto?
A menina morta
me sorri
do fundo
de um poço
da lonjura
da eternidade.
Nas suas pálpebras
de sonho
na sua testa
de sombra
reluz o mistério
da morte
a invisível tez
do silêncio.
A menina morta
canta
com a boca
amordaçada.
Ela brinca de ciranda
com a sombra das árvores
ela pula amarelinha
com a solidão das pedras.
A menina morta
só sabe abraçar
o calor do mármore
ela só sabe conversar
com o eco dos granitos.
Ninguém nota
na parede
seu rosto de névoa
sua expressão de gelo.
Há teias de esquecimento
em seus ombros.
Há poeira de memória
em seus cílios.
De sua fotografia
a menina morta
me sorri.
 Com a calma
dos séculos
ela aguarda
a chegada
de todos
os silêncios.


***



HÁ DIAS EM QUE OS PÁSSAROS TARDAM A REGRESSAR

           
                                                      a Geri Aparecida Biotto Bucioli





Há dias em que os pássaros tardam a regressar,
manhãs em que o inverno pousa, em nossa nudez,
as horas da esquecida infância. Nesses momentos,
o crepúsculo nunca se despede de nossos olhos,
as folhas não afagam o vento: somos, inteiros,
uma doce melancolia a gestar as primaveras. Há dias
em que os pássaros são a promessa de um milagre. 


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