sexta-feira, 13 de março de 2015

HERMENEGILDO BASTOS (1944 - )

Nascido em Salvador, é Doutor em Letras (Teoria Literária e Literatura Comparada) pela Universidade de São Paulo. Concluiu o pós-doutorado na Universidad Nacional Autónoma de México, em 2004. Foi professor convidado da UNAM em 2003 e 2004. Atualmente é Professor Associado da Universidade de Brasília. Entre suas obras principais, encontram-se: A dança (1968), O Pássaro-Inspeção (1970), Autópsia de sombras (1997)... além de diversos trabalhos publicados na área do ensaio.











PREFÁCIO




1
o mito não de desvenda.
mas há outros véus ou metros — metros em si próprios.
véus são o claro e o obscuro.


2
o misterioso, véus sobre véus.
porém o mistério
(eu não canto)
penso
— véu original.


3
ó cidade lógica, horizontal.
lógico é o seu contorno,
aquela linha sobre o contorno, cartão-postal,
a linha da qual as formigas fogem.

4
metrificar, auto-pensamento.
e o drama
(ou epopéia? ou comédia?)
— a ânsia de uma geometria
porém da terra.


5
poesia, inacreditável simetria.
os futuros
(sua vegetal percepção)
sabem.

6
demasiado tudo.
humanas coisas, seu falar
demasiado.


30
do planalto central
eu medito o centro
         dentro e fora
porque as mãos independem,
e eu
não sou apenas
o que faço.


***


GALDINO OU A MORTE POR DIFERENTE

I

O final precedido pelo descuido:
“lesão corporal seguida de morte”
Outro final: a morte por cálculo:
no corpo estirado na pedra
os litros de fogo e álcool

Quem folheia o catálogo
da morte, e escolhe?
A morte por lapso, indiferença
a dele, a mais violenta
quando o corpo ao calor se encolhe


II

Os termos são:
1 — “O meio cruel”: a cama industrializada
com acabamento em chama
2 — “O motivo torpe”: o cinema
de bairro da agonia
3 — “A defesa impossível”:
na fuga sem pernas corre a lava

Queimado por esporte
inteiro morreu Galdino
tríplice morte


III

Pataxó eu também
sem bordunas, flechas
e outras mágicas
martelo as flautas
do réquiem:

ora igual, ora impossível
como reconhecer um homem
se só o ouvimos ao longe?
se só o vemos remoto, longínquo
como reconhecer um homem?
pelas vestes que protegem o corpo?
pelo corpo sem mais, em pele, queimado?
pelos gritos como palavras?

Um homem, como ele é por perto?
frente a si mesmo, cara a cara?
como reconhecer um homem, sua laia?

Indistinto é o homem?
Somos todos o tanto?
Ou nem tanto, ou só enquanto
o olhar fotografa e esquadrinha?


IV

À míngua, ou por excesso
ora igual e por isso distinto
ora distinto e então desigual

O jaez
faz
a diferença:
um homem não está pra se reconhecer
mas quem à dessemelhança
se reconhece



***


DEPOIS DE DRUMMOND


Ontem: “mercadorias espreitam-me”
               assim solenemente

Mas para ser sincero era recíproco
— ele também as espreitava
talvez mais jocosamente
ao infinito

Hoje deram o bote
já não há margem para espreitar
tudo é tediosamente excitante

A alma-corpo da mercadoria
clone sem máculas ou defeitos, o homem
enfim superior
colagem de mil pedaços
geneticamente selecionados
de inúmeros cadáveres
de onde se retiram os brilhantes
os catarros, ódio e outras imperfeições

Sem olhos, as coisas se espreitam




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