quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

DANTE MILANO (1899-1991)*

Dante Milano nasceu no Rio de Janeiro, filho do maestro Nicolino Milano e de Corina Milano. Trabalhou como conferente de textos na Gazeta de Notícias (Rio de Janeiro) a partir de 1913. Foi também funcionário do Juizado de Menores, no Ministério da Justiça. Publicou seu primeiro poema, "Lágrima Negra", em 1920, na revista carioca Selecta. Na época trabalhava como empregado na contabilidade da Ilha das Cobras, no Rio de Janeiro. Nos anos de 1930 foi colaborador do suplemento Autores e Livros, de A Manhã e do Boletim de Ariel. Em 1935 organizou a Antologia dos Poetas Modernos, primeira antologia de poetas dessa fase. Casa-se com Alda em 1947. Seu primeiro livro, Poesias, foi publicado em 1948, e recebeu o Prêmio Felipe d'Oliveira de melhor livro de poesia do ano. Nos anos seguintes trabalhou como tradutor, lançando, em 1953, Três Cantos do Inferno, de Dante Alighieri. Em 1979 foi publicado seu livro "Poesia e Prosa". Publicou em 1988 Poemas Traduzidos de Baudelaire e Mallarmé. No mesmo ano recebeu o Prêmio Machado de Assis, concedido pela Academia Brasileira de Letras. Dante Milano é um dos poetas representativos da terceira geração do Modernismo. Para o crítico David Arrigucci Jr., Milano, "como o amigo Bandeira, refletiu muito sobre a morte, casando o pensamento à forma enxuta de seus versos - lírica seca e meditativa, avessa ao fácil artifício, onde o ritmo interior persegue em poemas curtos, com justeza e sem alarde, o sentido".




O rio

A paisagem submersa, a água morta, e eu no fundo.
Mortal, sombra ou clarão, reflexo oculto 

N’água como no espaço em que estou submergido,
Eu, náufrago do sonho universal, 

Afundado em mim mesmo, como minha sombra no rio.
Dentro ou fora, qual é  o verdadeiro afogado? 

A água lívida como uma lâmina de aço,
Com lampejos cruéis e ameaças de morte, 

Passa sobre mim cortando a minha figura em pedaços.
Mas ao passo que num espelho duro o meu outro eu
                                                                     [me olha com ódio 

Aqui a água trêmula me fita com um olhar de mágoa
E o meu outro eu me sorri do fundo da água, 

Mole, maleável como coleante ofídio.
Esse corpo sem luz como uma alma com frio 

Me chama e por entre a água enganosa do rio
Se insinua a insidiosa idéia do suicídio. 

***


Pietá

Essa Mulher causa piedade
Com o filho morto no regaço
Como se ainda o embalasse.
Não ergue os olhos para o céu
À espera de algum milagre
Mas baixa as pálpebras pesadas
Sobre o adorado cadáver.
Ressuscitá-lo ela não pode,
Ressuscitá-lo ela não sabe.
Curva-se toda sobre o filho
Para no seio guardá-lo,
Apertando-o contra o ventre
Com dor maior que a do parto.
Mãe, de Dor te vejo grávida,
Oh, mãe do filho morto!


 ***
  
Tocata e fuga

É tudo aquilo que só existe no ar,
O que de nós, além de nós, se expande.
É a vertigem para o alto, igual à grande
Tocata e fuga em ré menor de Bach.
É o delírio de um bêbedo num bar...
É um não sair do chão por mais que se ande... 

Tudo que em mim, somente em mim existe,
Me transporta, me absorve, me suspende,
Me faz sorrir embora eu esteja triste,
Triste naquele universal sentido
Que a música interpreta e se compreende
Sem que em palavras seja traduzido



* Os poemas aqui publicados foram gentilmente propostos e selecionados pelo poeta, contista e crítico de cinema e de literatura, Henrique Passos Wagner.

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