O rio
A paisagem submersa, a água morta, e eu no fundo.
Mortal, sombra ou clarão, reflexo oculto
N’água como no espaço em que estou submergido,
Eu, náufrago do sonho universal,
Afundado em mim mesmo, como minha sombra no rio.
Dentro ou fora, qual é o verdadeiro afogado?
A água lívida como uma lâmina de aço,
Com lampejos cruéis e ameaças de morte,
Passa sobre mim cortando a minha figura em pedaços.
Mas ao passo que num espelho duro o meu outro eu
[me olha com ódio
Aqui a água trêmula me fita com um olhar de mágoa
E o meu outro eu me sorri do fundo da água,
Mole, maleável como coleante ofídio.
Esse corpo sem luz como uma alma com frio
Me chama e por entre a água enganosa do rio
Se insinua a insidiosa idéia do suicídio.
***
Pietá
Essa Mulher causa piedade
Com o filho morto no regaço
Como se ainda o embalasse.
Não ergue os olhos para o céu
À espera de algum milagre
Mas baixa as pálpebras pesadas
Sobre o adorado cadáver.
Ressuscitá-lo ela não pode,
Ressuscitá-lo ela não sabe.
Curva-se toda sobre o filho
Para no seio guardá-lo,
Apertando-o contra o ventre
Com dor maior que a do parto.
Mãe, de Dor te vejo grávida,
Oh, mãe do filho morto!
***
Tocata e fuga
É tudo aquilo que só existe no ar,
O que de nós, além de nós, se expande.
É a vertigem para o alto, igual à grande
Tocata e fuga em ré menor de Bach.
É o delírio de um bêbedo num bar...
É um não sair do chão por mais que se ande...
Tudo que em mim, somente em mim existe,
Me transporta, me absorve, me suspende,
Me faz sorrir embora eu esteja triste,
Triste naquele universal sentido
Que a música interpreta e se compreende
Sem que em palavras seja traduzido
* Os poemas aqui publicados foram gentilmente propostos e selecionados pelo poeta, contista e crítico de cinema e de literatura, Henrique Passos Wagner.
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