MATER DOLOROSA
Quando se fez ao largo a nave escura,
na praia essa mulher ficou chorando,
no doloroso aspecto figurando
a lacrimosa estátua da amargura.
Dos céus a curva era tranquila e pura;
das gementes alcíones o bando
via-se ao longe, em círculos, voando
dos mares sobre a cérula planura.
Nas ondas se atufara o Sol radioso,
e a Lua sucedera, astro mavioso,
de alvor banhando os alcantis das fragas...
E aquela pobre mãe, não dando conta
que o Sol morrera, e que o luar desponta,
a vista embebe na amplidão das vagas...
***
AS VELHAS NEGRAS
As velhas negras, coitadas,
Ao longe estão assentadas
Do batuque folgazão.
Pulam crioulas faceiras
Em derredor da fogueira
E das pipas de alcatrão.
Na floresta rumorosa
Esparge a lua formosa
A clara luz tropical.
Tremulam pirilampos
No verde-escuro dos campos
E nos côncavos do Val.
Que noite de paz! Que noite!
Não se ouve o estalar do açoite,
Nem as pragas do feitor!
E as pobres negras, coitadas,
Pendem as frontes cansadas
Num letárgico torpor!
E cismam: outrora, e dantes
Havia também descantes,
E o tempo era tão feliz!
Ai que profunda saudade
Da vida, da mocidade
Nas matas de seu país!
E ante o seu olhar vazio
De esperanças, frio, frio
Como um véu de viuvez,
Ressurge e chora o passado
— Pobre ninho abandonado
Que a neve alagou, desfez...
E pensam nos seus amores
Efêmeros como as flores
Que o sol queima no sertão...
Os filhos quando crescidos,
Foram levados, vendidos,
E ninguém sabe onde estão.
Conheceram muito dono:
Embalaram tanto sono
De tanta sinhá gentil!
Foram mucambas amadas.
E agora inúteis, curvadas,
Numa velhice imbecil!
No entanto o luar de prata
Envolve a colina e a mata
E os cafezais em redor!
E os negros, mostrando os dentes,
Saltam lépidos, contentes,
No batuque estrugidor.
No espaçosos e amplo terreiro
A filha do Fazendeiro,
A sinhá sentimental,
Ouve um primo recém-vindo,
Que lhe narra o poema infindo
Das noites de Portugal.
E ela avista, entre sorrisos,
De uns longínquos paraísos
A tentadora visão...
No entanto as velhas, coitadas,
Cismam ao longe assentadas
Do batuque folgazão...
***
SONETO DA NUDEZ
Há um misto de azul e trevas agitadas
Nesse felino olhar de lúbrica bacante.
Quando lhe cai aos pés a roupa flutuante,
Contemplo, mudo e absorto, as formas recatadas.
Nessa mulher esplende um poema deslumbrante
De volúpia e langor; em noites tresloucadas
Que suave não é nas rosas perfumadas
De seus lábios beber o aroma inebriante!
Fascina, quando a vejo à noite seminua,
Postas as mãos no seio, onde o desejo estua,
A boca descerrada, amortecido o olhar...
Fascina, mas sua alma é lodo, onde não pousa
Um raio dessa aurora, o amor, sublime cousa!
Raio de luz perdido em tormentoso mar!
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