quarta-feira, 18 de abril de 2012

CÉSAR LEAL (1924- )


Premiado poeta e crítico de poesia, graduado em Filosofia e jornalismo, título de NS Notório Saber. Parecer 242 / 80, do Conselho Federal de Educação, professor de Teoria da Literatura da Universidade Federal de Pernambuco. Muito cedo ingressou no serviço público em Fortaleza. Trabalhou em Belém, e, a seguir, Manaus, Rio e Belo Horizonte onde fez grandes amigos: Cristiano Martins, Abgar Renault e Emílio Moura que, em suas obras completas, lhe dedicou um poema Entre os novos, conheceu Fábio Lucas, que o lançou através da revista Vocação. Ao assistir as aulas de Abgar Renault na Faculdade de Filosofia da UFMG, passou a admirar os poetas metafísicos ingleses Marvel, Donne, Herbert. Transferido para o Recife, Mauro Mota o admitiu no Diário de Pernambuco. Aí, conheceu Eduardo Portella, recém-chegado da Espanha, a quem considera um dos renovadores da crítica no Brasil. Embora escrevesse poesia desde os 9 anos, estreou em livro em 1957, ganhando o Prêmio Nacional “Vânia Souto Carvalho”. Professor de teoria da literatura da UFPE, desde meados da década de 60. Em 1965, publicou um ensaio sobre Dante, sendo condecorado por tal estudo Cavaliere da Ordem do Mérito da República da Itália, pelo presidente Sandro Pertini. Em 1970, durante uma temporada nos Estados Unidos, tornou-se o primeiro poeta da língua portuguesa a gravar ao vivo poemas para a Biblioteca de Poesia da Universidade Harvard. Fundou o Programa de Pós-Graduação em Letras da UFPE ( mestrado e doutorado) onde formou um núcleo de estudos literários classificado pelos órgãos avaliadores da CAPES e CNPq como um dos cinco melhores do País. Ainda em 70, fundou com Roberto Magalhães, a revista “ Ensaios”, de nível internacional. Fez parte do grupo que durante mais de 30 anos se reunia no Engenho “São Francisco” do pintor Francisco Brennand, onde se discutia arte, literatura e política. O grupo era formado por Debora-Francisco Brennand, Ariano Suassuna e o poeta Thomas Seixas. Em 1980, o então ministro da Educação, Eduardo Portella o nomeou para o Conselho Diretor da Fundação Joaquim Nabuco, de onde saiu para o cargo de membro do Conselho Federal de Cultura, por indicação do ministro Celso Furtado ao Presidente Sarney. Editor da revista Estudos Universitários, desde 1966. Através dela e do suplemento literário do Diário de Pernambuco, que dirigiu durante 37 anos, lançou os poetas da “Geração de 65” e continua a lançar novos autores, o que fez Oswaldino Marques o considerar uma espécie de Erza Pound, na sua quase mania de ajudar àqueles que considera injustiçados pela crítica.. No prefácio de Tambor cósmico, Cassiano Ricardo o considerou “ poeta de gênio”. O primeiro artigo sobre sua poesia foi publicado por Osman Lins, no “Estado de São Paulo”, em 1958. Seguiram-se estudos que lhe asseguraram uma fortuna crítica da mais alta qualidade intelectual e técnica.. No Conselho Federal de Cultura, foi autor do Parecer que resultou na criação do “Prêmio Luís de Camões”, instituído pelos governos do Brasil e de Portugal, em 1988. 




ANÁLISE DA SOMBRA


Analisa-se da sombra
seu caráter permanente:
pela manhã retraindo
a imagem, à tarde crescente.

E aquele instante em que a sombra
adelgaça o corpo fino
como se no chão entrasse
quando o sol se encontra a pino.

Quem a esse instante mira
em oposição ao lado
onde o sol era luz antes
logo vê o passo vago

da sombra que agora cresce
o corpo de onde se filtra
até fundir-se no limbo
que em torno dela gravita.

Forma esse limbo a coroa
que as sombras traz federadas:
soma de todas as sombras
num só nó à noite atadas.


***



OS DOIS SEMESTRES DO JAGUARIBE


Eis o Jaguaribe, rio
elegante, limpo e seco,
de janeiro à junho é água,
de julho a dezembro, areia.

É rio de muita força
e muito orgulho nas águas,
quando seco, é belo e manso;
cheio é feio e temerário.

Corre entre campos antigos,
entre móquens, molungus,
alvas roças de algodão,
gado açoreano e zebu.

Em janeiro suas águas
têm um brilho de metal,
mas em abril esse brilho
já começa a enferrujar,

todo em ferrugem vestido,
em meio o rio é vermelho,
finda junho e ele penetra
em seu semestre de areia.


***



CARTA AOS RINOCERONTES


Não sei se estou mais presente na Terra
do que estariam uma rosa e uma dália.
Nem um milésimo das coisas que vejo diariamente
está contido em meus poemas...

Sei que o leitor poderá dizer isso agora:
"— Você não é um bom poeta! Castro Alves
é mais participante, mais exato,
transporta o mundo — ou pelo menos sua metade
no Navio Negreiro.

Mas você — que leio agora —
não me acende nenhuma luz,
agarra-se demasiadamente aos anjos,
a uma forma estéril
que não fala ao tempo,
aos pássaros,
e menos ainda ao meu coração".

Ouço-te e repito
que sou apenas pequena parte das coisas
que estão no mundo
com certeza não sou a menor parte
e, por isso, tens que me aceitar
se és um leitor e não apenas um crítico.

Se minha poesia te cansa,
peço-te: come as saladas de Souzândrade; bebe
lentamente as gotas de orvalho que fluem dos Caligramas
de Apollinaire...

Elas satisfarão tua fome e tua sede,
ou terás uma sede e uma fome tão estranhas
que suportarias ainda Maiakovski,

Evtuchenko, Voznessenki, Pound
e toda a galeria dos participantes
que ficam à tua direita e à tua esquerda?

Quanto a mim, pouco te posso oferecer:
não escrevo para los muchos
arranco de mi corazón el capitán del inferno,
establezco cláusulas indefinidamente tristes

Esgotados os estábulos aonde os teus donos
guardaram para ti alimentos tão nobres,
ainda restariam os membros do Clube dos Ultraistas,
Tzara e todos os que, à semelhança dos empregados domésticos
sopram trombetas das 6 às 6,
repetindo eternamente a contínua canção:
"somos os que andam na vanguarda do Tempo".

Quanto a mim continuarei sozinho,
solitário como um estranho rio
de um território ainda não visitado pelos geógrafos,
abrindo sem descanso a minha estrada
certo de que alguém um dia
— anjo ou demônio —
caminhará por ela até a porta do meu nome.

  

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