DUAS ALMAS
a Coelho da Costa
Ó
tu, que vens de longe, ó tu, que vens cansada,
entra,
e, sob este teto encontrarás carinho:
Eu
nunca fui amado, e vivo tão sozinho,
vives
sozinha sempre, e nunca foste amada...
A
neve anda a branquear, lividamente, a estrada,
e
a minha alcova tem a tepidez de um ninho.
Entra,
ao menos até que as curvas do caminho
se
banhem no esplendor nascente da alvorada.
E
amanhã, quando a luz do sol dourar, radiosa,
essa
estrada sem fim, deserta, imensa e nua,
podes
partir de novo, ó nômade formosa!
Já
não serei tão só, nem irás tão sozinha:
Há
de ficar comigo uma saudade tua...
Hás
de levar contigo uma saudade minha...
***
IDEALIZANDO A MORTE
Morrer
por uma tarde assim como esta tarde:
Fim
de dia outonal, tristonho e doloroso,
quando
o lago adormece, e o vento está repouso,
e
a lâmpada do sol no altar do céu não arde.
Morrer
ouvindo a voz da minha mãe e a tua,
rezando
a mesma prece, ao pé do mesmo santo,
vós
ambas tendo o olhar estrelado de pranto,
e
no rosto, e nas mãos, palidezes de lua.
Morrer
com a placidez de uma flor que se corte,
com
a mansidão de um sol que desce no horizonte,
sentindo
a unção do vosso beijo ungir-me a fronte,
—
beijo de noiva e mãe, irmanados na morte.
E
morrer... E levar com a vida que se trunca,
tudo
que de doçura e amargor teve a vida:
—
O sonho enfermo, a glória obscura, a fé perdida,
e
o segredo de amor que eu não te disse nunca!
***
SONHO HUMILDE
Assim
te quero amar; quero adorar-te assim,
sempre
de joelhos, sempre, ó mármore sagrado;
e
que teu corpo ideal não seja, para mim,
mais
que um horto de sonho, ou que um jardim fechado.
Em
todo amor defeso há um encanto sem fim,
que
o faz extreme e leal, lúcido e iluminado:
A
mulher que se adora é a Torre de Marfim,
mais
alta do que o mal, para além do pecado.
O
amor deve viver perpetuado no sonho!
Só
desejar é bom: Possuir é renunciar
à
ilusão, que nos torna o desejo risonho.
Ter
só teu corpo é ter um tesouro maldito;
mas,
possuir-te na alma e adorar-te no olhar,
é
ter o céu inteiro, é ter todo o infinito!
Que alegria ter lido essa seleção de belos poemas do -poeta gaúcho !
ResponderExcluirFalando em poetas gaúchos, cadê as poesias do Eduardo Guimaraens? E do Emiliano Perneta??
ResponderExcluirO soneto Duas Almas que ao poeta consagrou, certamente que é muito bom. Mas Idealizando a Morte me causou arrepios, visto que Alceu Wamosy fora ferido em combate como republicano na Revolução Federalista, no Sul na condição de alfares, o que lhe causou a morte: "Morrer com a palidez de uma flor que se corte,/ com a mansidão dum sol que desce no horizonte,/ sentindo a unção do vosso beijo ungir-me a fronte,/ - beijo de noiva e mãe, irmanados na morte./ E morrer... E levar com a vida que se trunca,/ tudo que de doçura e amargor teve a vida:/ o sonho enfermo, a glória obscura, a fé perdida./ e o segredo de amor que eu não te disse nunca." Um açoite na dor estes seus versos.
ResponderExcluir"Duas Almas" é um dos neus sonetos prediletos da alentada lista de belas poesias que elaborei ao longo de 85 anos de vida.
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