FELINA
à minha gata
Minha
animada boa de veludo,
minha
serpente de frouxel, estranha,
com que
interesse as volições te estudo!
com que
amor minha vista te acompanha!
Tens
muito de mulher, nesse teu mudo,
lírico
ideal que a vida te emaranha,
pois meu
ser interior vejo desnudo
se te
investigo a mansuetude e a sanha.
Expões, a
um tempo langorosa e arisca,
sutilezas
à mão que te acarinha,
garras à
mão que a te magoar se arrisca.
Guardas,
ó tato corporificado!
a alta ternura
e a cólera daninha
do meu amor
que exige ser amado!
***
IRONIA DO MAR
Soa um
grito de dor... e o detono de uma onda,
Como uma
salva, atroa e repercute, pelos
Longes do
ar... De onde veio a voz o ouvido sonda
E, em
vão, busco escutar do náufrago os apelos.
E o
truculento Mar sinistramente estronda,
Ruge,
regouga, rola, espuma, em rodopelos,
E,
talvez, porque, agora, almo tesouro esconda,
Cada vez
mais feroz se arrepia de zelos.
Para a
presa reter, muralhas de esmeralda
Ergue, e,
num riso atroz de realizado gozo,
Veste-a
de rendas mil, de flores a ingrinalda;
Move a
cabeça informe, as longas cãs balança,
E,
alçando a larga mão, num gesto vitorioso,
Mostra,
cinicamente, um cadáver de criança.
***
LÉPIDA E LEVE
Lépida e
leve
em teu
labor que, de expressões à míngua,
o verso
não descreve...
Lépida e
leve,
Guardas,
ó língua, em teu labor,
gostos de
afago e afagos de sabor.
És tão
mansa e macia,
que teu
nome a ti mesma acaricia,
que teu
nome por ti roça, flexuosamente,
como
rítmica serpente,
e
se faz menos rudo,
o
vocábulo, ao teu contacto de veludo.
Dominadora
do desejo humano,
Estatuária
da palavra,
ódio,
paixão, mentira, desengano,
por ti
que incêndio no Universo lavra!...
És o
réptil que voa,
o divino
pecado
que as
asas musicais, às vezes , solta, à toa,
e que a
Terra povoa e despovoa,
quando é
de seu agrado.
Sol dos
ouvidos, sabiá de tato,
ó
língua-idéia, ó língua-sensação ,
em que
olvido insensato,
em que
tolo recato,
te hão
deixado o louvor, a exaltação!
- Tu
que irradiar pudeste os mais formosos poemas!
- Tu
que orquestrar soubeste as carícias supremas!
Dás corpo
ao beijo, dás antera à boca, és um tateio de alucinação,
és o
elastério da alma... Ó minha louca
língua, do
meu Amor penetra a boca,
passa-lhe
em todo senso tua mão,
enche-o
de mim, deixa-me oca...
- Tenho
certeza, minha louca,
de lhe
dar a morder em ti meu coração!...
Língua do
meu Amor velosa e doce,
que me
convences de que sou frase,
que me
contornas, que me vestes quase,
como se o
corpo meu de ti vindo me fosse.
Língua
que me cativas, que me enleias
os surtos
de ave estranha,
em linhas
longas de invisíveis teias,
de que
és, há tanto, habilidosa aranha...
Língua-lâmina,
língua-labareda,
Língua-linfa,
coleando, em deslizes de seda...
Força
inferia e divina
faz com
que o bem e o mal resumas,
língua-cáustica,
língua-cocaína,
língua de
mel, língua de plumas?...
Amo-te as
sugestões gloriosas e funestas,
amo-te
como todas as mulheres
te amam,
ó língua-lama, ó língua-resplendor,
pela
carne de som que à idéia emprestas
e pelas
frases mudas que proferes
nos
silêncios de Amor!...
Nenhum comentário:
Postar um comentário