A ESTÁTUA
Fosse-me dado, em mármor de Carrara,
Num arranco de gênio e de ardimento,
Às linhas do teu corpo o movimento
Suprimindo, fixar-te a forma rara,
Cheio de força, vida e sentimento,
Surgira-me o ideal da pedra clara,
E em fundo, eterno arroubo, se prostrara,
Ante a estátua imortal, meu pensamento.
Do albor de brandas formas eu vestira
Teus contornos gentis; eu te cobrira
Com marmóreo cendal os moles flancos,
E a sôfrega avidez dos meus desejos
Em mudo turbilhão de imóveis beijos
As curvas te enrolara em flocos brancos.
***
A NUVEM
Sulcas o ar de um rastro perfumoso
que os nervos me alvoroça e tantaliza,
quando o teu corpo musical desliza
ao hino do teu passo harmonioso.
A pressão do teu lábio saboroso
verte-me na alma um vinho que eletriza,
que os músculos me embebe, e os nectariza,
e afrouxa-os, num delíquio langoroso.
.
E quando junto a mim passas, criança,
revolta a crespa, luxuosa trança,
na espádua arfando em túrbidos negrumes,
.
naufraga-me a razão em sombra densa,
como se houvera sobre mim suspensa
uma nuvem de cálidos perfumes!
***
ASCENSÃO
Trago ao peito uma flor de fogo estilhaçada.
Cerro os olhos num leito e abro os olhos num horto ...
Em pânico atirara a suprema cartada
e entre os mortos sou vivo e entre os vivos sou morto...
Réu, vítima e juiz na consciência culpada
ante impasses fatais, mendigando conforto,
náufrago desditoso em pávida jangada,
ora ali, ora além, ao léu, sem luz, sem porto!
Por onde agora vou, aceito o estudo insano,
no pó da Terra, o lar de Deus!... Na dor da espera,
a lei de Amor!... No umbral do Espaço, o fim do engano!...
E endereço ao futuro a esperança perdida,
no azul de novo céu, no albor de nova era,
de cruz em cruz, de sol em sol, de vida em vida!...
‘A Estátua’, de Teófilo Dias
ResponderExcluir“The classics can console. But not enough.”
Derek Walcott, in ‘Sea Grapes’
Sem volteios, no soneto em questão, parece que o autor quis ver o objeto de seus afetos sob forma de pedra lavrada a cinzel, em cujas linhas se lhe poderia conservar talvez a sensualidade delicada das curvas (o que supostamente lhe atenderia ao desejo do olhar inquieto, que sempre busca saciar-se do belo, atraindo-o assim, com magnetismo sutil, ao repouso contemplativo). Eis ali uma depurada idealização do ser amado, abstraído da inconveniência de emoções vulcânicas e desarmônicas, reduzido a uma trêmula projeção onírica que desce à realidade e se materializa, feito luva a calçar-lhe com justeza os dedos das carências mais íntimas; ali, no pensamento do poeta, uma imagem fixa que ostentaria olimpicamente os atrativos de um corpo imperecível, alheio à decadência, onde a dureza da pedra daria aos encantadores detalhes a ilusão de estabilidade em face das mutações do tempo.
Idolatria —. O homem, seco de sentido e magro, em ossos, de plenitude, caminhando perdido sob o sol incendiado da angústia, no ardente deserto que avança de suas paixões, busca dessedentar-se num oásis que é miragem no azul do horizonte. Põe-se ele no centro do mundo e passa a criar para si os objetos de sua fantasia inane, atrás de uma impossível satisfação, como quem fica de pé na rua, ao meio-dia, à espera do abraço amistoso da própria sombra.
Com medo de amar, ao homem em sua ilha de egoísmo forja-se uma beleza fria, que delicia os sentidos, e não fere. Puro prazer para o que se pensa bastar-se a si mesmo em seus brinquedos. E assim aos olhos do poeta, aberta no impávido mármore branco, a beleza medrosa, que não arrebata nem faz padecer.