VENTOS DA TARDE
As mangueiras
o telhado velho
o pátio branco
as sombras da tarde cansada
até o fantasma da judia rica
tudo esta à espera do romance começado
um dia sobre os tijolos soltos
a cadeira de balanço será o principal ruído
as mangueiras
o telhado
o pátio
as sombras
o fantasma da moça
tudo ouvirá em silêncio o ruído pequeno.
***
JANGADA
TRISTE
Ao longe, mui longe, no horizonte,
além, muito além daquele monte,
como ave que voa desdenhada,
flutua tristemente uma jangada.
Nos zangados soluços do oceano,
quase desaparece o canto humano
de quem no mar e céu inda confia
porque em terra tudo lhe é melancolia.
Isso de terra firme e mar traiçoeiro
nem sempre é certo para o jangadeiro
mais preso ao fiel sal que à incerta areia.
Mistura ao grande azul as suas mágoas
e encontra no vaivém das verdes águas
consolo às negras dores cá da terra.
***
BAHIA DE TODOS OS SANTOS
E DE QUASE TODOS OS PECADOS
Bahia de Todos os Santos (e de quase todos os
pecados)
casas trepadas umas por cima das outras
casas, sobrados, igrejas, como gente se
espremendo pra sair num
retrato de revista ou jornal
(vaidade das vaidades! diz o Eclesiastes)
igrejas gordas (as de Pernambuco são mais magras
toda a Bahia é uma maternal cidade gorda
como se dos ventres empinados dos seus montes
dos quais saíram tantas cidades do Brasil
inda outras estivessem para sair
ar mole oleoso
cheiro de comida
cheiro de incenso
cheiro de mulata
bafos quentes de sacristias e cozinhas
panelas fervendo
temperos ardendo
o Santíssimo Sacramento se elevando
mulheres parindo
cheiro de alfazema
remédios contra sífilis
letreiros como este:
Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo
(Para sempre! Amém!)
automóveis a 30$ a hora
e um ford todo osso sobe qualquer ladeira
saltando pulando tilintando
para depois escorrer sobre o asfalto novo
que branqueja como dentadura postiça em terra
encarnada
(a terra encarnada de 1500)
gente da Bahia! preta, parda, roxa, morena
cor dos bons jacarandás de engenho do Brasil
(madeira que cupim não rói)
sem rostos cor de fiambre
nem corpos cor de peru frio
Bahia de cores quentes, carnes morenas, gostos
picantes
eu detesto teus oradores, teus
otaviosmangabeiras
mas gosto das tuas iaiás, tuas mulatas, teus
angus
tabuleiros, flor de papel, candeeirinhos,
tudo à sombra das tuas igrejas
todas cheias de anjinhos bochechudos
sãojoões sãojosés meninozinhosdeus
e com senhoras gordas se confessando a frades
mais magros do que
eu
O padre reprimido que há em mim
se exalta diante de ti Bahia
e perdoa tuas superstições
teu comércio de medidas de Nossa Senhora e do
Nossossenhores do
Bonfim
e vê no ventre dos teus montes e das tuas
mulheres
conservadoras da fé uma vez entregue aos santos
multiplicadores de cidades cristãs e de criaturas
de Deus
Bahia de Todos os Santos
Salvador
São Salvador
Bahia
Negras velhas da Bahia
vendendo mingau angu acarajé
Negras velhas de xale encarnado
peitos caídos
mães de mulatas mais belas dos Brasis
mulatas de gordo peito em bico como para dar de
mamar a todos os
meninos do Brasil.
Mulatas de mãos quase de anjos
mãos agradando ioiôs
criando grandes sinhôs quase iguais aos do
Império
penteando iaiás
dando cafuné nas sinhás
enfeitando tabuleiros cabelos santos anjos
lavando o chão de Nosso Senhor do Bonfim
pés dançando nus nas chinelas sem meia
cabeções enfeitados de rendas
estrelas marinhas de prata
tetéias de ouro
balangandãs
presentes de português
óleo de coco
azeite-de-dendê
Bahia
Salvador
São Salvador
Todos os Santos
Tomé de Sousa
Tomés de Sousa
padres, negros, caboclos
Mulatas quadrarunas octorunas
a Primeira Missa
os malês
índias nuas
vergonhas raspadas
candomblés santidades heresias sodomias
quase todos os pecados
ranger de camas-de-vento
corpos ardendo suando de gozo
Todos os Santos
missa das seis
comunhão
gênios de Sergipe
bacharéis de pince-nez
literatos que lêem Menotti del Picchi e Mário
Pinto Serpa
mulatos de fala fina
muleques
capoeiras feiticeiras
chapéus-do-chile
Rua Chile
viva J. J. Seabra morra J. J. Seabra
Bahia
Salvador
São Salvador
Todos os Santos
um dia voltarei com vagar ao teu seio
moreno brasileiro
às tuas igrejas onde pregou Vieira moreno hoje
cheias de frades
ruivos e bons
aos teus tabuleiros escancarados em x (esse x é
o futuro do Brasil)
a tuas a teus sobrados cheirando a incenso
comida alfazema
cacau.
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