quarta-feira, 8 de agosto de 2012

GLAUCO MATTOSO (1954- )

Glauco Mattoso, pseudônimo de Pedro José Ferreira da Silva, é um escritor brasileiro. Seu nome artístico é um trocadilho com glaucomatoso, termo usado para os que sofrem de glaucoma, doença que o fez perder progressivamente a visão, até a cegueira total em 1995. É também uma alusão a Gregório de Matos, de quem se considera herdeiro na sátira política e na crítica de costumes. Glauco cursou biblioteconomia na Escola de Sociologia e Política de São Paulo e Letras Vernáculas na USP. Nos anos 70, participou da resistência cultural à ditadura militar através do grupo dos "poetas marginais". Além de editar o fanzine poético-panfletário Jornal Dobrabil (trocadilho com o Jornal do Brasil e o formato dobrável dos folhetos satíricos), colaborou em diversos periódicos da imprensa alternativa, tais como o tablóide gay Lampião e o humorístico O Pasquin. Na década de 80, publicou trabalhos em revistas como Chiclete com bananaTralhaMil PerigosSomTrêsTop RockStatus e Around, ensaios e críticas literárias no Jornal da Tarde, além de diversos volumes de poesia e prosa. Em 1982, edita a Revista Dedo Mingo, como um suplemento do Jornal Dobrabil. Nos anos 90, perde por completo a visão em decorrência do glaucoma de que sofria há anos. Deixa de lado a criação gráfica história em quadrinhos e poesia concreta) e passa a dedicar-se a escrever letras de músicas e à produção fonográfica. Com o professor da USP Jorge Schwartz, ganha o Prêmio Jabuti pela tradução que ambos fazem da obra inaugural de Jorge Luis Borges, Fervor de Buenos Aires. Nos anos mais recentes, retorna à criação de poesia escrita e textos virtuais, produzindo textos e poesias para a internet, colaborando em revistas eletrônicas e impressas, tais como a Caros Amigos. A obra de Glauco Mattoso caracteriza-se pela exploração de temas polêmicos, tais como a violência e a discriminação. O autor tem a reputação de "poeta maldito", uma espécie de "Boca do Inferno" moderno ou Bocage pornográfico do século XX. É autor, entre tantos livros, de: Apocrypho Apocalypse (1975) - coletânea com outros poetas; Memórias de um Pueteiro (1982); O Glosador Motejoso (2003); Centopéia: Sonetos Nojentos & Quejandos (1999); Cavalo Dado: Sonetos cariados (2004)...








#6 MANIFESTO COPROPHAGICO [1977/1999]

A merda na latrina desse bar
da esquina de officina cheiro tem.
De fina serpentina tem, tambem,
si folga com rotina combinar.

Cocô com cocaina, em tal logar,
commum é tanto quanto ter alguem
cagado as hemorrhoidas. Alli vem
o povo do Brasil todo cagar.

Cocô kosmopolita, palindromico,
até kaleidoscopico e mutante,
se caga no latino reino momico.

Vagina americana avessa, cante
meu verso a merda metrica, com comico
cynismo, e faça a antithese de Dante!


***


#9 CENSURADO [1999] (*)

Sabendo que a censura não me trava,
pediram-me um soneto sem calão
p'ra pôr na anthologia de salão
que o tal do [censurado] organizava.

Queriam até tonica na oitava,
mas nada de recurso ao palavrão.
Usei o ingrediente mais à mão,
porem sem [censurado] não passava.

Desisto. Quanto mais remendos metto,
mais ropto vae ficando o [censurado].
Poema não é texto de pamphleto

p'ra ter que se estampar todo truncado!
Pois esta [censurado] de soneto
que va p'ra [censurado] [censurado]!


***



#21 BIBLICO (I) [1999] (*)

No Livro dos Juizes é contada
A historia de Sansão, um cabelludo
Tão forte que foi rei do valetudo,
E um bello dia não valia nada.

Trahido por Dalilah, sua amada,
Virou escravo até do mais miudo;
Perdeu cabello e olho, e sobretudo
O orgulho de jamais levar pisada.

Tambem eu sou careca, cego e servo
De todo philisteu que me espezinha;
Mas desde a meninice inda conservo (*)

O trauma de ser judas da turminha.
Não fui Sansão, e nem siquer preservo
A fé de ter de volta o que não tinha.





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