LÁGRIMAS E AMORES
Quando no espaço bruxoleia a aurora,
Mandando à terra divinais palores,
O doce orvalho, que nos campos chora,
São lágrimas e amores.
Nas frescas tardes, nas manhãs de maio,
Que aqui renascem, que ali brotam flores,
Quando chorarem, o seu pranto amai-o,
São lágrimas e amores.
Amai-o; as flores também têm segredos,
Sim, vivem, morrem, têm sorriso e dores;
Vede esse pranto, decifrai enredos,
São lágrimas e amores.
Quando, transpondo do horizonte a corda,
O sol se despe dos gentis fulgores,
Brancas estrelas de que o céu se borda,
São lágrimas e amores.
Quando na campa, que o cipreste esguio
Com a sombra cobre de enlutadas cores,
Chorarem brisas, que acordou o estio,
São lágrimas e amores.
Quando o arco-íris lá no céu se arqueia;
Para, chovendo, refecer calores,
Esses gotejos por que o sol anseia,
São lágrimas e amores.
Quando, por noites de luar ameno,
O céu se esmalta de cem mil primores,
Esses rorejos do sutil sereno
São lágrimas e amores.
Quando branquejam, de manhã, neblinas,
Cobrindo os campos, o que são? – vapores,
Que o pranto gera das canções divinas,
São lágrimas e amores.
Cristáleas águas, que o Amazona atira
Nas nossas terras a trajar verdores,
E os sons cadentes, que eu na mata ouvira,
São lágrimas e amores.
As níveas pérolas de nitente alvura,
Que a fonte clara salpicou nas flores,
Serão segredos de amorosa jura?
São lágrimas e amores.
***
PARA O ÁLBUM DE UMA SENHORA
Fora inútil pedir mimos à dália,
Perfumes ao jasmim, nos céus da Itália
Da mais nítida estrela a luz buscar.
Fora inútil trazer incenso arábio,
Ou sorrir divinal de fresco lábio
Das mimosas gentis, netas de Agar.
Fora inútil na página, que escrevo,
Veroneso traçar sutil relevo,
Pintando imagens de celeste alvor.
À Golconda pedir belo diamante,
E um lindo verso, que escrevera o Dante,
Fora inútil buscar e aqui depor.
Fora inútil pedir às Sorrentinas
Uma nota sequer das cavatinas,
Que elas cantam de amor, meu Deus, tão bem!
Que eu deponho-te aqui maior tesouro,
Que as riquezas de ofir, que o próprio ouro,
Que o rico solo do Brasil contém.
E o tesouro, hás de ver, é um nome santo,
Como dos olhos maternais um pranto,
Nas horas de partir, valendo o adeus.
Tão doce como as moles serenatas,
Como o som murmurante das cascatas,
Ou qual prece infantil, que sobe a Deus.
E esse nome, hás de ver, mais puro e belo,
Que do insonte cordeiro o branco velo,
Dos sacrifícios, que na Bíblia eu li,
É doce como o cântico de uma ave,
Mais doce que do Himeto o mel suave
Em taça de ouro da mais linda huri.
E esse nome, hás de ver, tem mais poesia,
Que os sons acordes, que David tangia,
Quebrando as iras do feroz Saul.
Mais belo do que o sol dourando os bosques,
Do que a lua a bater sobre os quiosques
Da soberba e gentil, mole Istambul.
E esse nome apurado em mil aromas,
Que recenderam das ambrósias comas
Da virgem, que por mãe Cristo escolheu:
Esse nome melhor que um beijo helênico,
Mais mimoso e melhor que um riso edênico,
Esse nome, Maria, é o nome teu!
***
ESCUTA
Se para amar-te for
mister martírios,
Com que delírios saberei sofrer!
Se de altas glórias for mister a palma,
Talvez minha alma possa além colher.
Quebrar cadeias, conquistar um nome,
Que não consome o perpassar das eras;
Arcar com a fúria de iracundos nortes,
Sofrer mil mortes, sem morrer deveras;
Nas próprias carnes apertar cilícios,
Nos sacrifícios ter sereno o rosto;
Pisar descalço sobre espinhos duros,
Com pés seguros, com sinais de gosto;
Longe da pátria, no país mais feio,
De tédio em meio, para amar-te, irei
Viver embora sob a zona ardente,
E ali contente por te amar serei!...
E a ser amado, se é mister o incenso,
Que sobe denso dos salões aos tetos;
Serei altivo, mas não vou de rastos,
Com lábios castos mendigar agetos!
E se me odeias, por não ir-me às salas
Dizer-te as falas de mendaz paixão,
E, aos olhos de outros, profanando extremos,
Dizer-te: amemos, e apertar-te a mão;
Me odeia, e muito, que eu não sou da farsa,
Que o mal disfarça, que desfruta e ri!
Me odeia, e sempre, que eu não desço ao nível
Do pó terrível, que se arraste aí!
Dá-me o teu ódio, pois não quero – escuta –
Beber cicuta, procurando mel,
Dá-me o teu ódio, mas num grau subido,
Embora ungido de amargoso fel!
Dá-me o teu ódio por fatal sentença
A indiferença me será pior.
Que um sentimento por mim sintas n’alma,
Dá-me essa palma de um sofrer melhor!
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