sexta-feira, 6 de julho de 2012

JUNQUEIRA FREIRE (1832-1855)


Luís José Junqueira Freire nasceu em Salvador, Bahia, em 1832, onde estudou Humanidades. Aos dezoito anos se tornou monge da ordem beneditina e permaneceu na vida religiosa por cerca de quatro anos. A clausura trouxe frustração e foi tema de suas poesias. Junqueira Freire morreu com apenas vinte e três anos vítima de problemas cardíacos. Durante sua vida esteve dividido entre a vida religiosa, espiritual e a sua falta de fé e vocação para a vida celibatária. Suas experiências foram retratadas em suas duas obras poéticas: Inspirações do claustro e Contradições poéticas.  A decisão do autor por uma vida monástica foi em razão dos problemas de convívio familiar sofridos e suas poesias são marcadas por uma autobiografia reveladora. Além disso, nos poemas de Junqueira Freire constam a crise moral da igreja do século XIX e os conflitos do escritor entre a profissão de frei e os fatos que presenciou dentro da igreja. O poeta ainda expressou em suas obras seu pessimismo em relação à vida, seu interesse pelo mundanismo, sua sexualidade reprimida, seu desejo pelo pecado e seu sentimento de culpa. 






Temor


                            (Hora de Delírio)



Não, não é louco. O espírito somente
É que quebrou-lhe um elo da matéria.
Pensa melhor que vós, pensa mais livre,
Aproxima-se mais à essência etérea.

Achou pequeno o cérebro que o tinha:
Suas idéias não cabiam nele;
Seu corpo é que lutou contra sua alma,
E nessa luta foi vencido aquele.

Foi uma repulsão de dois contrários;
Foi um duelo, na verdade insano:
Foi um choque de agentes poderosos:
Foi o divino a combater com o humano.

Agora está mais livre. Algum atilho
Soltou-se-lhe do nó da inteligência;
Quebrou-se o anel dessa prisão de carne,
Entrou agora em sua própria essência.

Agora é mais espírito que corpo:
Agora é mais um ente lá de cima;
É mais, é mais que um homem vão de barro:
É um anjo de Deus, que Deus anima.

Agora, sim - o espírito mais livre
Pode subir às regiões supernas:
Pode, ao descer, anunciar aos homens
As palavras de Deus, também eternas.

E vós, almas terrenas, que a matéria
Ou sufocou ou reduziu a pouco,
Não lhe entendeis, por isso, as frases santas,
E zombando o chamais, portanto: - um louco!

Não, não é louco. O espírito somente
É que quebrou-lhe um elo da matéria.
Pensa melhor que vós, pensa mais livre,
aproxima-se mais à essência etérea. 



***




Martírio


Beijar-te a fronte linda
Beijar-te o aspecto altivo
Beijar-te a tez morena
Beijar-te o rir lascivo

Beijar o ar que aspiras
Beijar o pó que pisas
Beijar a voz que soltas
Beijar a luz que visas

Sentir teus modos frios,
Sentir tua apatia,
Sentir até répúdio,
Sentir essa ironia,

Sentir que me resguardas,
Sentir que me arreceias,
Sentir que me repugnas,
Sentir que até me odeias,

Eis a descrença e a crença,
Eis o absinto e a flor,
Eis o amor e o ódio,
Eis o prazer e a dor!

Eis o estertor de morte,
Eis o martírio eterno,
Eis o ranger dos dentes,
Eis o penar do inferno!




***


Soneto


Arda de raiva contra mim a intriga,
Morra de dor a inveja insaciável;
destile seu veneno detestável
a vil calúnia, pérfida inimiga.

Una-se todo, em traiçoeira liga,
contra mim só, o mundo miserável.
Alimente por mim ódio entranhável
o coração da terra que me abriga.

Sei rir-me da vaidade dos humanos;
sei desprezar um nome não preciso;
sei insultar uns cálculos insanos.

Durmo feliz sobre o suave riso
de uns lábios de mulher gentis, ufanos;
e o mais que os homens são, desprezo e piso

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