sexta-feira, 6 de julho de 2012

MENOTTI DEL PICCHIA (1892-1961)


Paulo Menotti del Picchia nasceu em São Paulo, em 1892. Fez seus estudos secundários em Pouso Alegre, Minhas Gerais, onde aos 13 anos de idade, editou o jornalzinho Mandu, nele inserindo suas primeiras produções literárias. Viveu em Itapira, cidade do interior paulista, e aí editou Juca Mulato, sua obra de maior repercussão, que já teve dezenas de edições. É autor de romances, contos e crônicas, de novelas e ensaios, de peças de teatro, de estudos políticos e de obras da literatura infantil. Fundou jornais e revistas, foi fazendeiro, procurador geral do Estado de São Paulo, editor, diretor de banco e industrial. Fez pintura e escultura. Foi deputado estadual e federal. É tabelião e ocupou diversos e altos cargos administrativos. Pertence às Academias Paulistas e Brasileira de Letras. Menotti del Picchia teve destacada atuação no movimento modernista. Preparou, com Oswald de Andrade, o advento da nova tendência literária e artística, sustentando a polêmica com os passadistas, antes e depois da Semana de Arte Moderna. Em seguida, foi aguerrido defensor da doutrinação Verde e Amarelo, opondo-se ao Oswald de Andrade de Pau Brasil e Antropofagia. Defendeu também os ideais do Grupo da Anta, que superavam os propósitos verdeamarelistas. Participou da Semana de Arte Moderna, sendo mesmo o seu orador oficial, apresentando, na festividade, os poetas e prosadores que exibiam, então, as produções da literatura nova. Suas crônicas no "Correio Paulistano", de 1920 até 1930, como que constituem um "diário do modernismo", registando, quase que quotidianamente, os entusiasmos, as raivas, as lutas e as desavenças da sua geração.






Noite
       

As casas fecham as pálpebras das janelas e dormem.
Todos os rumores são postos em surdina,
todas as luzes se apagam.
 
Há um grande aparato de câmara funerária
na paisagem do mundo.
 
Os homens ficam rígidos,
tomam a posição horizontal
e ensaiam o próprio cadáver.
 
Cada leito é a maquete de um túmulo.
Cada sono em ensaio de morte.
 
No cemitério da treva
tudo morre provisoriamente.
            


***




Banzo
       

E por que deixou na areia do Congo 
a aldeia de palmas; 
e porque seus ídolos negros 
não fazem mais feitiços; 
e porque o homem branco o enganou com missangas 
e atulhou o porão do navio negreiro 
com seu desespero covarde; 
e porque não vê mais de ânfora ao ombro 
a imagem do conga nas águas do Kuango, 
ele fica na porta da senzala 
de mão no queixo e cachimbo na boca, 
varado de angústia, 
olhando o horizonte, 
calado, dormente,
pensando,
sofrendo,
chorando.
morrendo.



***



Beleza
       

A beleza das coisas te devasta
como o sol que fascina mas te cega.
Delas contundo a luminosa entrega
nunca se dá, melhor, nunca te basta.
 
E a imensa paz que para além te arrasta
quanto mais se te esquiva ou te renega...
Paz tão do alto e paz dessa macega
que nos campos esplende à luz mais casta.
 
A beleza te fere e todavia
afaga, uma emoção (sempre a primeira e nunca
repetida) que conduz
 
 
o teu deslumbramento para um dia
à noite misturado, na clareira
em que te sentes noite em plena luz.

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