quarta-feira, 9 de outubro de 2013

BERNARDO LINHARES (1960- )



Bernardo Linhares nasceu em Salvador e é empresário e poeta. Em seu livro, As flores do ocaso (Via Litterarum, 2010), Bernardo nos apresenta uma poesia madura e admirável, onde forma fixa, aliada à livre cadência de ritmos, compõe uma das obras mais singulares de nossos últimos tempos por se tratar, principalmente, de um livro contemplativo, que nos apresenta uma postura positiva da vida e de toda a beleza que ela nos oferta dia após dia. 





Sertanejo

                                                       para Miguel Carneiro



O anjo partiu enrolado na rede.
Cruzes entoam rosário de preces.
Reses perdidas procuram pastores.
Alma penada suplica por hóstia,

e o diabo é o sol queimando nas costas...
Carneirinho, Carneirinho meu santo,
lá, onde o inferno tem fome e fama
com a graça de Maria Imaculada,

teu pé no pó anda léguas de encanto,
terna imagem do azul, manto celeste.
Poema é curto, no cabo da enxada,

estalando dedos, fio de navalha.
Sementes são calos, não cicatrizes.
Meu santo, tuas mãos pulsam raízes.


***



Rapina

                        
Leque ríspido, incoercível pássaro,
asas abertas, navegando cactos,
seguindo a seca que fulmina os círios,
a rapina aterrissa em crucifixo.

Meia noite, pau d’arco, corre a lágrima
da carneira tábida, a nave mármore
com ossos no ninho, coroa e espinhos,
insere duas cruzes no epitáfio,

depois aponta o bico para o céu.
Mal aventurada, cruel, rapina,
fera faminta, infeliz e funérea.

Sua fúria desafia e fascina,
ela, que vigia no mundo a miséria,
a morte, amigo, é que ilumina a Terra.


***


CAROLINA 



São rosas na bruma
buquê de gaivotas
por cima das águas
bordadas de espumas.

Com linha da costa
de seda tão pura
costuro tua moda
na vela do barco.

Ternura mais funda
os fios da corrente
revelam teus laços...

Cortando o silêncio,
um amor imenso
navega no vento.

MARTHA MEDEIROS (1961- )



É jornalista, escritora, aforista e poetisa brasileira. Filha de José Bernardo Barreto de Medeiros e Isabel Mattos de Medeiros, é colunista do jornal Zero Hora de Porto Alegre, e de O Globo, do Rio de Janeiro. Casou-se com o publicitário Luiz Telmo de Oliveira Ramos e tem duas filhas, Júlia e Laura. Estudou no Colégio Nossa Senhora do Bom Conselho, tradicional de Porto Alegre, localizado nos arredores do bairro Moinhos de Vento. Formou-se em 1982 na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), em Porto Alegre. Trabalhou em propaganda e publicidade, mas logo se sentiu frustrada com a carreira. Quando seu marido recebeu uma proposta de trabalho no Chile, decidiu que uma mudança de país seria uma ótima oportunidade para dar um tempo na profissão. Esta estada de oito meses no Chile, na qual passou escrevendo poesia, acabou sendo um divisor de águas na sua vida. Quando voltou para Porto Alegre, começou a escrever crônicas para jornal e, a partir daí, sua carreira literária deslanchou. 




Nem velas nem molho branco


Nem velas nem molho branco
hoje nosso jantar
acontece por baixo da mesa

desfias minhas pernas de seda
teu beijo promete mais tarde

jogo a toalha de renda no chão
me rendo 


***


Minha boca

minha boca
é pouca
pro desejo
que anda à solta


***


Foi um beijo

foi um beijo onde não importava a boca
só tuas mãos quentes me apertando pelas costas
nada estava acontecendo na minha frente
e a ansiedade que havia não era pouca
teus dedos perguntavam pra minha blusa
se meu corpo acolheria um delinqüente
descoladas as línguas um instante
minha resposta saiu um tanto rouca





AUGUSTO MEYER (1902-1970)

Augusto Meyer foi um jornalista, ensaísta, poeta, memorialista e folclorista brasileiro. Foi membro da Academia Brasileira de Letras e da Academia Brasileira de Filologia. Era filho dos imigrantes alemães Augusto Ricardo Meyer e Rosa Meyer. Colaborou em diversos jornais do Rio Grande do Sul, especialmente no Diário de NotíciasCorreio do Povo, escrevendo poemas e ensaios críticos. Estreou na literatura em 1920, com o livro de poesias A ilusão querida, mas foi com os livros Coração verde, Giraluz e Poemas de Bilu que conquistou renome nacional. Foi diretor da Biblioteca Pública do Estado, em Porto Alegre. Convidado por Getúlio Vargas para organizar o Instituto Nacional do Livro, transferiu-se para o Rio de Janeiro em 1937, junto a um grupo de intelectuais gaúchos. Foi diretor do INL durante cerca de trinta anos. Em 1947 recebeu o Prêmio Filipe de Oliveira na categoria Memórias e, em 1950, o Prêmio Machado de Assis da Academia Brasileira de Letras pelo conjunto da obra literária.






SONETOS GÊMEOS



I

Gota de luz no cálice de agosto,
Sabe a lúcida calma o desengano.
Em vão devora o tempo o mês e ao ano:
Vindima é a vida, vinho me é o sol-posto.

Cobre-se o vale de um rubor humano.
Um beijo solto voa no ar, um gosto
De uva madura, um aroma de mosto
Desce da rubra luz do céu serrano.

Vem, noite grave. E assim chegasse o outono
Meu, tão sutil e manso como agora
Mesmo subiu a sombra serra acima...

Tudo se apague e a hora esqueça a hora,
Que só do sonho eu vivo, e grato é o sono
A quem provou seu dia de vindima.


II

A quem provou seu dia de vindima
Votado ao outro lado, ao eco, ao nada,
Grata é a sombra mais longa e o fim da estrada
Começo de um descer, que é mais acima.

Grave, de uma tristeza inconsolada
Mas fiel, a minha sombra é a minha rima.
Princípio de um além que se aproxima
É o fim, talvez limiar de outra morada.

Gosto amargo e tão doce de ter sido
Poroso a tudo, alma aberta às auroras
Que hão de nascer, e ao lembrado e esquecido!

Saudade! mas saudade em que não choras
Senão cantando, o próprio mal vivido...
Que as horas voltem sempre, as mesmas horas!


***



Canção do negrinho do pastoreio


Negrinho do Pastoreiro,
Venho acender a velinha
que palpita em teu louvor.
A luz da vela me mostre
o caminho do meu amor.

A luz da vela me mostre
onde está Nosso Senhor.

Eu quero ver outra luz
clarão santo, clarão grande
como a verdade e o caminho
na falação de Jesus.

Negrinho do Pastoreiro
diz que Você acha tudo
se a gente acender um lume
de velinha em seu louvor.

Vou levando esta luzinha
treme, treme, protegida
contra o vento, contra a noite. . .
É uma esperança queimando
na palma da minha mão.

Que não se apague este lume!
Há sempre um novo clarão.
Quem espera acha o caminho
pela voz do coração.

Eu quero achar-me, Negrinho!
(Diz que Você acha tudo).
Ando tão longe, perdido...
Eu quero achar-me, Negrinho:
a luz da vela me mostre
o caminho do meu amor.

Negrinho, Você que achou
pela mão da sua Madrinha
os trinta tordilhos negros
e varou a noite toda
de vela acesa na mão,
(piava a coruja rouca
no arrepio da escuridão,
manhãzinha, a estrela d'alva
na luz do galo cantava,
mas quando a vela pingava,
cada pingo era um clarão).
Negrinho, Você que achou,
me leve à estrada batida
que vai dar no coração.
(Ah! os caminhos da vida
ninguém sabe onde é que estão!)

Negrinho, Você que foi
amarrado num palanque,
rebenqueado a sangue
pelo rebenque do seu patrão,
e depois foi enterrado
na cova de um formigueiro
pra ser comido inteirinho
sem a luz da extrema-unção,
se levantou saradinho,
se levantou inteirinho.
Seu riso ficou mais branco
de enxergar Nossa Senhora
com seu Filho pela mão.

Negrinho santo, Negrinho,
Negrinho do Pastoreio,
Você me ensine o caminho,
pra chegar à devoção,
pra sangrar na cruz bendita
pelo cravos da Paixão.
Negrinho santo, Negrinho,
Quero aprender a não ser!
Quero ser como a semente
Na falação de Jesus,
semente que só vivia
e dava fruto enterrada,
apodrecendo no chão.



***





Gaita


Eu não tinha mais palavras,
Vida minha,
Palavras de bem-querer;
Eu tinha um campo de mágoas,
Vida minha,
Para colher.


Eu era uma sombra longa,
Vida minha,
Sem cantigas de embalar;
Tu passavas, tu sorrias,
Vida minha,
Sem me olhar.


Vida minha, tem pena,
Tem pena da minha vida!
Eu bem sei que vou passando
Como a tua sombra longa;
Eu bem sei que vou sonhar
Sem colher a tua vida,
Vida minha,
Sem ter mãos para acenar,
Eu bem sei que vais levando
Toda, toda a minha vida,
Vida minha, e o meu orgulho
Não tem voz para chamar.