segunda-feira, 30 de novembro de 2015

EMÍDIO DE MENEZES (1897-1933)


Waldemar Emídio de Miranda nasceu no Recife e morreu em Rio Branco (Arcoverde). Era filho do professor Auxêncio da Silva Viana e Maria dos Passos de Miranda Andrade. Muito cedo começou a versejar e a beber, entregando-se pouco a pouco ao vício. Porém, apesar disto, Emídio era muito querido pelas pessoas por ser um homem respeitador, bem aparentado, feições nobres e vasta cabeleira que usava ao estilo Castro Alves. Bom poeta e ótimo declamador, sabia de cor tanto os seus versos quanto os de outros vates mais conhecidos.  Assim, naqueles tempos de romantismo, um poeta com sua estampa e competência literária fazia muito sucesso em qualquer cidade, principalmente as do interior, sempre visitadas por Emídio em suas andanças. Nessa peregrinação, o poeta residiu no Recife, em Rio Branco(atual Arcoverde), Caruaru, Triunfo, Serra Talhada, Bom Conselho, Belo Jardim e depois voltou à Rio Branco, onde ficou até sua morte. Em sua bibliografia apenas dois títulos: Rosal, com prefácio de Ulysses Lins, e Rosa da Serra e outros poemas.








ESSA QUE PASSA

Foi minha amante essa mulher que passa...
Sorveu-me em beijos todo o meu ideal!
E comigo bebeu na mesma taça
O vinho do desejo sensual...

Muito tempo possuímos nós, sem jaça,
A gema da ventura triunfal!
Mas um dia partiu... E ei-la devassa,
Bracejando no pélago do mal...

Quando ela passa, eu vejo na tristeza
De seu olhar de erótica beleza
Todo o brilho da orgia da desgraça...

E não posso ficar indiferente,
Só porque afinal, infelizmente,
Foi minha amante essa mulher que passa...  




***



A UM BURGUÊS

Tu, ventrudo burguês analfabeto,
Escultura rotunda da irrisão,
Para quem o viver mais limpo e reto
Consiste em ser devoto e ter balcão;

Tu, que resumes todo o teu afeto
No dinheiro, — o metal da sedução —
Pelo qual negociarás abjeto
Tua esposa, teu lar, teu coração,

Escuta, ó ignorantaço, o que te digo:
Esse ouro protetor, que é teu amigo,,
Que te deu o conforto de um paxá,

Pode comprar qualquer burguês cretino;
Mas a lira de um vate peregrino
Não compra, não comprou, não comprará.


***



CRUZES DA ESTRADA

Aprumada, serena, humilde e suplicante,
Tragicamente negra em seu sombrio porte,
A cruz da estrada lembra a todo caminhante,
Que por ali passou o ciclone da morte.

Passo... Não há negar ... A cruz testemunhante
Diz bem que ali partiu-se o fio de uma sorte,
E outra aqui, outra ali,e mais outras adiante
Dão uns ares tumbais as estradas no Norte.

De sangue algumas são, cruzes de punhais,
Ou de balas talvez... Causam pavor (Passemos
Sem olhar ). Outras são de morte naturais,

Decrépitos anciãos que tombaram. Rezemos.
E aquela toda azul por entre os pereirais?
Cruz de moça enganada! Cruz de amor. Choremos. 


ÁLVARO ALVES DE FARIA (1942 - )

Álvaro Alves de Faria é poeta, prosador e jornalista; publicou seu primeiro livro, Noturno Maior, em 1963. No ano seguinte, lançou nova coletânea, Tempo Final. Pouco depois, ele ganharia ampla notoriedade, por causa das leituras de poemas que realizou publicamente no Viaduto do Chá, no centro da capital paulista. Seu livro O Sermão do Viaduto (1965) foi lançado num desses recitais. Em 2003, a editora Escrituras reuniu seus 16 livros de poemas escritos até então no volume Trajetória Poética. Depois ainda vieram O Azul Irremediável (1992), Terminal (1999-2000) e À Noite, os Cavalos (2003).









ESPETÁCULO


                  para Paulo de Tarso, Odete e o pequeno Nikolas


O salto mortal
é meu número especial
nesta tarde de domingo.

Não temo o trapézio
por não saber voar
sobre as cabeças
que torcem para a corda arrebentar.

Quando muito,
abro a tarde
falando ao respeitável público
que farei a mágica final
de desaparecer
sem nunca ter sido
visto por ninguém.


***


PRATICIDADE

                 

Abro o guarda-chuva japonês
cinza
em cima da minha cabeça
e caminho em direção ao banco.

Pagarei minhas contas
olharei os olhos vermelhos
da moça do caixa
e observarei suas unhas claras.

Conversarei com outros clientes
sobre a vida
e direi que o governo é culpado de tudo.

Nunca mais esquecerei
esta mulher de boca acesa
na fila
atrás de mim.

Sairei depois à rua
e me sentirei um magnata
fora do tempo.

Encontrarei à manhã
vizinhos tristes
e direi palavras desnecessárias.

Enfim
sou um homem prático.

Já posso matar-me sem remorso.



***



ESTAR

Esferográficas cortam palavras
no céu da boca, como facas:
assim, letras inertes cedem ao tempo
e calam sílabas agudas.

Pouco áspero
será o gomo de teu verso,
esse avesso do gesto,
a poesia na xícara de veneno.

Pouco o nítido sentir
o líquido
de teu pressentimento
como se fosse possível
calar para sempre.

Nada senão a gilete enfiada na pele,
a face neutra do olhar enfermo:
enfim a planta na raiz de teu pomar,
enfim
o fim da espera, do estar
.

PATRÍCIA HOFFMANN (1975 - )


Nascida em São Paulo, a poeta Patrícia Claudine Hoffmann mora em Santa Catarina desde os seis anos de idade. Fez o curso de letras em Joinville e trabalha como professora de língua portuguesa. Sua estreia em livro deu-se com a coletânea Água Confessa, publicada em 2001. Veio em seguida o título Sete Silêncios (2004), um trabalho focado no silêncio e no número sete. São sete capítulos (silêncios), cada qual contendo sete poemas. Esse último livro também foi publicado em formato digital e está disponível desde 2010 no site Bookess








VIOLINO-MARINHO

A infância coleciona
coisas pequenas.
Ele guardava em segredo
uma miniatura do mar.
Dentro dela morava um
violino-marinho
com quem ele costumava
chorar
durante toda a chuva.
Chorar de brinquedo.


***


REFÚGIOS PARA GUARDAR MEU PAI

                                                                        in memoriam


A saudade desenha seus estiletes, pai.
De dentro para fora.

Teus molinetes, agora
ornamentam a casa
com inconformável beleza:
procuram tua pesca.

Nenhuma fresta entre nós.
Nenhuma isca.

Na antifesta de estar,
o mar desfeito
não comemora comigo:
estamos sós.

E não há pacto
de anzóis que capture
a precocidade de tua ausência
ou te devolva
como devolvíamos os peixes para a água.
— Lembras?

Apareceram uns cansaços nas paredes.
Onde antes teu descanso
sobre o dorso das redes,
agora memórias rendadas
avarandam a chuva
em chamamento.

Enquanto o vento motiva algum sol,
embala-me ainda teu riso
nos braços já fracos
da infância.

— As tarrafas cresceram, pai.
Ainda não aprendi a dobrá-las.



***


[NÃO PROCURES O AMOR]

Não procures o amor
na solidez de teu vazio.
O tal de Amor quando se perde
deixa rastros de navio.
Por isso às vezes choro,
às vezes.