domingo, 27 de dezembro de 2015

ONESTALDO DE PENNAFORT (1902-1987)

 
Onetaldo de Pennafort Caldas nasceu na cidade do Rio de Janeiro,  onde cursou Direito, no Rio  por volta de 1918, que não chegou a concluir. Iniciou-se na poesia com o livro Escombros Floridos, publicado em 1921. Nos anos de 1920 a 1950 foi um colaborador frequente das revistas  Fon-Fon, Careta, Autores e LivrosPara Todos e O Malho. Traduziu diversas obras, entre elas Festas Galantes, de Paul Verlaine (1934) e Romeu e Julieta, de Shakespeare. Homenageado, em 1955, com o prêmio Machado de Assis, concedido pela Academia Brasileira de Letras para o conjunto de sua obra. Sua obra poética, de tendência simbolista, tem como principais livros: Perfume e Outros Poemas (1924), Interior e Outros Poemas (1927), Espelho D’água (1928), Jogos da Noite (1931), Poesias (1957) e Poesia (1987). 








Canção


Quando murmuro teu nome,
a minha voz se consome
em ternura e adoração.

Quando teus olhos me olham,
parece eu se desfolham
as rosas de algum jardim>

Ò meu amor, se é preciso
eu direi que o teu sorriso
é doce como um olhar.

Mas é preciso que eu diga,
ó minha suave amiga,
isso que sinto e tu vês,

mas é preciso que eu diga?




***


 
Predileção


Amo os gestos estáticos, plasmados
numa atitude lenta de abandono;
certos olhares bêbedos de sono
e a poesia dos muros desbotados...

Amo as nuvens longínquas... o reflexo
na água dos foscos lampiões... as pontes...
a sufocação ríspida das fontes
e as palavras poéticas sem nexo.

Mas, sobretudo, eu amo esses instantes
em que, côo dois pesos foragidos,
os meus olhos se embrenham, distraídos,
na natureza — como dois amantes...



***



 
Cavaleiro andante


Se vais em busca da Fortuna, pára:
nem dês um passo de onde estás. . . Mais certo
é que ela venha ter ao teu deserto,
que vás achá-la em sua verde seara.

Se em busca vais do Amor, volta e repara
como é enganoso aquele céu aberto:
mais longe está, quando parece perto,
e faz a noite da manhã mais clara.

Deixa a Fortuna, que te está distante,
e deixa o Amor, que teu olhar persegue
como perdido pássaro sem ninho.

… Porém, ó negro cavaleiro andante,
se vais em busca da Tristeza, segue,
que hás de encontrá-la pelo teu caminho!



LUIZ ANTÔNIO VALVERDE (1951 - )

Luiz Antônio Valverde é duplamente graduado em Letras, Inglês e Francês, pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), onde se tornou Especialista em Linguística Aplicada à Língua Inglesa, e Mestre em Literatura e Diversidade Cultural. Doutorou-se em Teoria da Literatura, pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e é professor adjunto da Universidade Estadual de Feira de Santana. Participou da Revista Hera, de Feira de Santana, e, apesar da experiência de vida e poesia, só publicou seus livros de poemas, O exercício da loucura (Edições Cordel, 2005) e A arte de brincar com a poesia (Via Litterarum, Itabuna, 2013), no começo deste século. 







Travessia


 Pasmo de beira de rio
sofrendo vagar,
pelo que está no meio,
o impossível.

Na terceira margem do adeus
vasto céu, a suprema intriga,
onde sabemos que achar
é não ocultar o homem,
mas expô-lo por inteiro e perdido,
paralisado na travessia.




***


Bucolismo


Tens o perfume encantado.
Adoro o que ornas,
e ora renegas, amor,
louco amor,
que, de fato, renegar
é um exercício
de glórias.
Por trás do monte de feno,
ao relento, nos engalfinhamos
e o que mordes, não dói.
Afinal,
não temos como fugir
à vida
pequenas canções,
respingos de chuva.





***





Rito de passagem



Não esperem por mim.
Ante o sol que me desperta,
não desespero, ou antes
folgo em saber-me que, embora triste,
insista nas coisas que falam ao coração.

Pela manhã
o vento quente vem trazer-me alento,
eu dentro e fora do mundo,
acalento ilusões.

Visitei a cidade
nunca dantes conhecida,
a não ser de passagem,
mirada pela distância
entre eu e a estrela
longínqua
da minha infância.

A cidade esquecida
é a parábola da muralha,
espaços contidos, envelhecidos,
eu diminuto à sombra
fazendo tranças,
povoando traças,
sem abas ou asas, perambulando.

Mas o tempo
vira enfim abril,
ressurge a vida.
Nas primeiras chuvas,
idade da fuga,
e cumpra-se a audácia,
vale mais o que vai além da inércia,
deixa tardar a víbora sonolenta,
silenciosamente entrave.
Pessoas assim não contam
a não ser para nos empurrar
para além de nós,
e aí, já se vai por maio
surfar em águas claras, além,
do pequeno eu, arre injúria.



JOAQUIM OSÓRIO DUQUE ESTRADA (1870-1827)



Joaquim Osório Duque Estrada foi um poeta, crítico literário, professor e ensaísta. Duque Estrada nasceu no então município de Vassouras, no sul do Estado do Rio de Janeiro. Foi eleito em 25 de novembro, de 1915, para a cadeira número 17 da Academia Brasileira de Letras, na sucessão de Sílvio Romero, foi recebido em 25 de outubro, de 1916, pelo acadêmico Coelho Neto. Era filho do tenente-coronel Luís de Azeredo Coutinho Duque Estrada e de Mariana Delfim Duque Estrada. Era afilhado do general Osório, marquês do Erval. Estudou as primeiras letras na capital do antigo império, nos colégios Almeida Martins, Aquino e Meneses Vieira. Matriculou-se. em 1882, no imperial Colégio Pedro I, onde recebeu o grau de bacharel em letras, em dezembro de 1888. Em 1886, ao completar o quinto ano do curso, publicou o primeiro livro de versos, Alvéolos. Começou a colaborar na imprensa, em 1887, escrevendo os primeiros ensaios na Cidade do Rio, como um dos auxiliares de José do Patrocínio na campanha da abolição. Em 1888 alistou-se também nas fileiras republicanas, ao lado de Silva Jardim, entrando para o "Centro Lopes Trovão" e o "Clube Tiradentes", de que foi segundo secretário. No ano seguinte foi para São Paulo, a fim de se matricular na Faculdade de Direito, entrando nesse mesmo ano para a redação do Diário Mercantil. Abandonou o curso de Direito, em 1891, para se dedicar à diplomacia, sendo então nomeado segundo secretário de legação no Paraguai, onde permaneceu por um ano. Regressou ao Brasil, abandonando de vez a carreira diplomática. Fixou residência em Minas Gerais, de 1893 a 1896. Aí redigiu o Eco de Cataguases. Nos anos de 1896, 1899 e 1900 foi sucessivamente inspetor geral do ensino, por concurso; bibliotecário do Estado do Rio de Janeiro e professor de francês do Ginásio de Petrópolis, cargo que exerceu até voltar para a cidade do Rio de Janeiro, em 1902, sendo nomeado regente interino da cadeira de História Geral do Brasil, no Colégio Pedro II. Deixou o magistério em 1905, voltando a colaborar na imprensa, em quase todos os diários do Rio de Janeiro. Entrou para a redação do Correio da Manhã, em 1910, dirigindo-o por algum tempo, durante a ausência de Edmundo Bittencourt e Leão Veloso. Foi nesse período que criou a seção de crítica Registro Literário, mantida, de 1914 a 1917, no Correio da Manhã; de 1915 a 1917, no Imparcial; e, de 1921 a 1924, no Jornal do Brasil. Uma boa parte de seus trabalhos desse período foram reunidos em Crítica e polêmica (1924). Tornou-se um crítico literário temido. Gostava de polêmicas. De todas as censuras que fez, nenhuma conseguiu dar-lhe renome na posteridade. Como poeta, não fez nome literário, a não ser pela autoria da letra do Hino Nacional. Além do livro de estreia, publicado aos 17 anos, Flora de Maio, com prefácio de Alberto de Oliveira, reunindo poesias escritas até os 32 anos de idade. Revela sensível progresso na forma e na ideia. Conserva a feição dos poetas românticos, apesar de publicado em plena florescência do Parnasianismo, de que recebeu evidentes influxos, conservando, contudo, a essência romântica. Entre suas principais obras estão os livros: A aristocracia do espírito (1899); Flora de Maio, poesia (1902); O Norte, impressões de viagem (1909); A arte de fazer versos (1912); Dicionário de rimas ricas (1915); A Abolição, esboço histórico (1918); Crítica e polêmica (1924). Conhecido pela autoria da letra do Hino Nacional Brasileiro e sua atividade de crítico literário na imprensa brasileira do início do século XX. Foi membro da Academia Brasileira de Letras. Seu poema, de 1909, foi oficializado como letra do Hino Nacional Brasileiro por meio do Decreto nº 15.671, do presidente Epitácio Pessoa, em 6 de setembro de 1922, véspera do Centenário da Independência do Brasil.








VELHO TEMA


Fatigado viajor, que do deserto,
Ledo, percorre o areal que o sol castiga,
Busca um pouso na terra, onde se abriga,
Vendo as sombras da noite que vem perto.

Assim também, — ó minha doce amiga! —
Em meio ainda do percurso incerto,
No teu regaço, para mim aberto,
Fui repousar, exausto de fadiga...

De uma planta fatal, que em meio à trilha
Em flores perfumosas se desata,
Bebe a morte o viajor que o sonho pilha...

Assim teu beijo a vida me arrebata
— Beijo que guarda como a mancenilha
O mesmo aroma que envenena e mata!



***



Esquecimento


Se queres inda ver como escondida
Guardo no peito a tua imagem pura,
— Imagem que no céu da minha vida
É como um sol ardente que fulgura;

Convida o coração na sepultura
A viver e pulsar por ti; convida
Minh'alma para amar de novo; cura
A, que lhe abriste, cáustica ferida...

Só pedira a paixão com que me iludo
Que um raio apenas d'essa luz me desses,
E uma palavra do teu lábio mudo;

Mas nem ouves, sequer, as minhas preces;
E enquanto, para amar-te, esqueço tudo,
Tu, por um nada, o meu amor esqueces.



***


Ninho Azul

O nome da habitante... é um pecado dizê-lo:
A luz do seu olhar, o ouro do seu cabelo
Não têm rivais nos sóis nem nas manhãs serenas
E claras: é uma flor entre outras mais pequenas...

Quando ela sai de casa, um instante, a passeio,
Se deixa, descuidosa, o tesouro do seio
Fugir da renda, em toda a extensão da alameda
Erra um perfume quente e sensual que embebeda...

Acende-se o vergel ao seu encanto, como
À onda clara de luz um verdejante pomo;
E no alto da montanha, e por todo o valado,
Embaixo, em cima, o sol, mais quente e mais dourado

Rutila. Enche-lhe a veste o olor das brancas pomas...
Se pisa a alfombra, no ar uma oblata de aromas
Se eleva; e as flores vão beijar-lhe os flancos, uma
Por uma, e o róseo pé feito de jaspe e espuma...

Guarda na fina pele, em ondas voluptuosas,
A neve dos jasmins e a púrpura das rosas;
E da ânsia e do prazer toda a volúpia louca
Eletriza-lhe o seio e esbraseia-lhe a boca.

Se o vento rodomoinha em torno, ou, brisa terna,
Quer descobrir-lhe o pé e acariciar-lhe a perna,
Ou, com a fúria brutal de um desvairado amante,
Cobiçoso, se afoita a caminhar por diante,

Bebendo da alva pele o aroma capitoso
Naquele céu de carne onde lateja o gozo,
A alva do seu roupão busca logo escondê-la
Como uma nebulosa ocultando uma estrela.