quarta-feira, 20 de junho de 2012

MARIZE DE CASTRO (1962- )






Marize de Castro é formada em Comunicação Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte e exerce a profissão de jornalista. Quando foi editora do jornal literário O Galo, da Fundação José Augusto, inspirado na publicação Nicolau, do Paraná, reuniu o que de mais significativo havia nas letras norte-rio-grandenses, e deu uma valiosa contribuição à cultura do Estado. É autora dos livros Esperado ouro (2005), Poço. Festim. Mosaico. (1996), Rito (1993) e Marrons Crepons Marfins (1984).







Solar


Cadáveres despertam depois do amor.
Lágrimas choram e se estrangulam.

Não sou a mulher que você vê.

Não sei o que é o inverno
- nunca vi a neve.

O meu ofício é reinventar asas para o sol.


***



Predestinada


Nua, às três da madrugada,
ainda escavo minas
instaladas em minha alma.


***



Néctar

A verdade aproxima-se.
Olha-me com os olhos
abismados da beleza.

Não sou a mulher
que corta os pulsos e se joga da janela
nem aquela que abre o gás
nem mesmo a loba que entra no rio
com os bolsos cheios de pedra.

Sou todas elas.

Escrever me fez suportar todo incêndio

– toda quimera.

NARCISA AMÁLIA (1852-1924)



Narcisa Amália de Campos, foi poetisa e a primeira jornalista profissional do Brasil. Movida por forte sensibilidade social, combateu a opressão da mulher, o regime escravista, segundo Sílvia Paixão, “um dos raros nomes femininos que falam de identidade nacional” e busca sua própria identidade “numa poética uterina que imprime o retorno ao lugar de origem”. Sua obra mais famosa é Nebulosas





SANDNESS


Meu anjo inspirador não tem nas faces
as tintas coralíneas da manhã,;
nem tem nos lábios as canções vivaces
da cabocla pagã!

Não lhe pesa na fronte deslumbrante
coroa de esplendor e maravilhas,
nem rouba ao nevoeiro flutuante
as nítidas mantilhas.

Meu anjo inspirador é frio e triste
como o sol que enrubesce o céu polar!
trai-lhe o semblante pálido — do antiste
o acerbo meditar!

Traz na cabeça estema de saudades,
tem no lânguido olhar a morbideza;
veste a clâmide eril das tempestades,
e chama-se — Tristeza!...


***


RESIGNAÇÃO

No silêncio das noites perfumosas,
Quando a vaga chorando beija a praia,
Aos trêmulos rutilos das estrelas,
Inclino a triste fronte que desmaia.
E vejo o perpassar das sombras castas
Dos delírios da leda mocidade;
Comprimo o coração despedaçado
Pela garra cruenta da saudade.
Como é doce a lembrança desse tempo
Em que o chão da existência era de flores,
Quando entoava o múrmur das esferas
A copla tentadora dos amores!
Eu voava feliz nos ínvios serros
Empós das borboletas matizadas...
Era tão pura a abóbada do elísio
Pendida sobre as veigas rociadas!...
Hoje escalda-me os lábios riso insano,
É febre o brilho ardente de meus olhos:
Minha voz só retumba em ai plangente,
Só juncam minha senda agros abrolhos.
Mas que importa esta dor que me acabrunha,
Que separa-me dos cânticos ruidosos,
Se nas asas gentis da poesia
Eleva-me a outros mundos mais formosos?!...
Do céu azul, da flor, da névoa errante,
De fantásticos seres, de perfumes,
Criou-me regiões cheias de encanto,
Que a luz doura de suaves lumes!
No silêncio das noites perfumosas
Quando a vaga chorando beija a praia,
Ela ensina-me a orar, tímida e crente,
Aquece-me a esperança que desmaia.
Oh! Bendita esta dor que me acabrunha,
Que separa-me dos cânticos ruidosos,
De longe vejo as turbas que deliram,
E perdem-se em desvios tortuosos!...



***



POR QUE SOU FORTE


Dirás que é falso. Não. É certo. Desço
Ao fundo d’alma toda vez que hesito...
Cada vez que uma lágrima ou que um grito
Trai-me a angústia - ao sentir que desfaleço...

E toda assombro, toda amor, confesso,
O limiar desse país bendito
Cruzo: - aguardam-me as festas do infinito!
O horror da vida, deslumbrada, esqueço!

É que há dentro vales, céus, alturas,
Que o olhar do mundo não macula, a terna
Lua, flores, queridas criaturas,

E soa em cada moita, em cada gruta,
A sinfonia da paixão eterna!...
- E eis-me de novo forte para a luta.


LUÍZ GUIMARÂES JÚNIOR (1845-1898)




Luiz Caetano Pereira de Guimarães Júnior: diplomata, poeta, romancista e teatrólogo, Foi um dos dez membros eleitos para se completar o quadro de fundadores da Academia Brasileira de Letras, onde criou a Cadeira n. 31, que tem como patrono o poeta Pedro Luís.

Era filho de Luís Caetano Pereira Guimarães, português, e de Albina de Moura, brasileira. (Há uma divergência na data de seu nascimento: Sílvio Romero indica o ano de 44; outras fontes registram 1847. A filha do poeta, D. Iracema Guimarães Vilela, forneceu a Múcio Leão a data de 45.) Fez os primeiros estudos no Rio de Janeiro. Aos dezesseis anos escreveu o romance Lírio branco, dedicado a Machado de Assis. Partiu para São Paulo, a fim de continuar os estudos preparatórios, e lá recebeu uma carta de Machado de Assis animando-o a prosseguir na carreira das letras. Fez o curso de Direito no Recife entre 1864 e 1869. Ali assistiu ao desenvolvimento da "escola condoreira", em que tomou parte mais ou menos diretamente. Continuou a escrever, multiplicando-se no jornalismo e escrevendo livros de contos, comédias e poesias. Aos 28 anos, apaixonado por Cecília Canongia, cogitou de se casar. Sua situação no jornalismo e nas letras, embora brilhante, não lhe proporcionava os meios para viver estavelmente. O poeta e amigo Pedro Luís, então ministro dos Negócios Estrangeiros, oferece-lhe um lugar na diplomacia como secretário de Legação em Londres. De 1873 a 1894, passou por vários outros postos, em Santiago do Chile, em Roma, onde serviu sob as ordens de Gonçalves de Magalhães, e em Lisboa; foi, depois, como enviado extraordinário, para Veneza. Em 1894, transferiu-se, já aposentado, para Lisboa, onde veio a falecer.

Em Lisboa, como secretário de Legação, teve ocasião de conhecer alguns dos mais ilustres espíritos do tempo. Foi amigo de Ramalho Ortigão, Eça de Queirós, Guerra Junqueiro, Fialho de Almeida. Distinguia-se como poeta e como homem do mundo. Ramalho Ortigão assim o definiu: "Como poeta, ele é um primeiro adido à legação da elegância... O seu estilo tem um lavor de renda, uma suavidade de veludo e um fresco perfume de toilette." Tinha predileção pelas cidades da arte e do pensamento. O poeta celebra Londres, celebra Roma. Mais que tudo, porém, recorda o seu país. Suas principais obras são Corimbos e Sonetos e rimas. O primeiro representa a fase em que vivia no Brasil (1862 a 1872); o outro, o período em que residiu na Europa. A apreciação de críticos e estudiosos como Vicente de Carvalho, Medeiros e Albuquerque e Carlos de Laet, foi de pleno reconhecimento da poesia de Luís Guimarães Júnior. Seus sonetos revelam um grande apuro da forma, combinações métricas finas e sutis, e o gosto pelos motivos exóticos que ele pôde sentir e observar em suas peregrinações por terras estrangeiras. Romântico de inspiração, mas já dentro da orientação parnasiana, ele foi, no apuro da expressão, um precursor da poesia de Raimundo Correia, Bilac e Alberto de Oliveira.

Obras: Lírio branco, romance (1862); Uma cena contemporânea, teatro (1862); Corimbos, poesia (1866); A família agulha, romance (1870); Noturnos, poesia (1872); Filigranas, ficção (1872); Sonetos e rimas, poesia (1880); Contos sem pretensão (1872); e várias peças de teatro.









Visita  à casa paterna


Como a ave que volta ao ninho antigo,
depois de um longo e tenebroso inverno,
eu quis também rever o lar paterno,
o meu primeiro e virginal abrigo.

Entrei. Um gênio carinhoso e amigo,
o fantasma talvez do amor materno,
tomou-me as mãos, - olhou-me, grave e terno,
e, passo a passo, caminhou comigo.

Era esta sala... (Oh! se me lembro! e quanto!)
em que da luz noturna à claridade,
minhas irmãs e minha mãe... O pranto

Jorrou-me em ondas... Resistir quem há de?
uma ilusão gemia em cada canto,
chorava em cada canto uma saudade.


***


NOITE TROPICAL


Desceu a calma noite irradiante
sobre a floresta e os vales semeados:
já ninguém ouve os cantos prolongados
do negro escravo, estúpido e arquejante.

Dorme a fazenda: — apenas hesitante
a voz do cão, em uivos assustados,
corta o silêncio, e vai nos descampados
perder-se como um grito agonizante.

Rompe o luar, ensangüentado e informe,
brotam fantasmas da savana nua ...
e, de repente, um berro desconforme

parte da mata em que o luar flutua,
e a onça, abrindo a rubra fauce enorme,
geme na sombra, contemplando a lua.


***




JAGUAR


Rosna o fulvo jaguar, triste e dormente,
no seio da floresta: — a fera inteira
dobra à velhice, e a névoa derradeira
cobre-lhe a fauce lívida e impotente.

O imundo inseto, a mosca impertinente
zumbe-lhe em torno; — a cobra traiçoeira
fere-lhe a cauda inerte, e a aventureira
formiga morde-o calma e indiferente.

Apenas quebra o sono funerário
do velho herói o grito, entre as folhagens,
do cordeiro medroso e solitário;

ou, através das tropicais aragens,
o tropel afastado, intenso e vário
d'um rebanho de búfalos selvagens.


sábado, 16 de junho de 2012

MÁRIO FAUSTINO (1930-1962)

Piauiense, de Teresina, iniciou-se como cronista n´A Província do Pará, aos 16 anos. Foi bolsista na Califórnia, de 1951 a 1952, estudando a literatura de língua inglesa. Tradutor da ONU em  Nova York, 1959-1960. Autor de um só livro – O Homem e sua Hora (Rio de Janeiro: Livros de Portugal, 1955) e de poemas esparsos, publicados em revistas e jornais. Notabilizou-se como crítico literário no SDJB (Suplemento Dominical do Jornal do Brasil) com a seção Poesia-Experiência, no auge dos movimentos concretista e neoconcretista. Traduziu Ezra Pound ao nosso idioma. Faleceu vítima de um acidente aéreo nos Andes peruanos, em missão jornalística.  A Global Editora, de São Paulo, publicou os seus Melhores Poemas, selecionados por Benedito Nunes, merecendo várias reimpressões...











Soneto


Necessito de um ser, um ser humano
que me envolva de ser
contra o não ser universal, arcano
impossível de ler

à luz da lua que ressarce o dano
cruel de adormecer
a sós, à noite, ao pé do desumano
desejo de morrer.

necessito de um ser, de seu abraço
escuro e palpitante
necessito de um ser dormente e lasso

contra meu ser arfante:
necessito de um ser sendo ao meu lado
um ser profundo e aberto, um ser amado.


***



O mundo que venci deu-me um amor...


O mundo que eu venci deu-me um amor,
um troféu perigoso, este cavalo
Carregado de infantes couraçados.
o mundo que venci deu-me um amor

alado galopando em céus irados,
por cima de qualquer muro de credo.
Por cima de qualquer fosso de sexo.
O mundo que venci deu-me um amor

amor feito de insulto e pranto e riso,
amor que força as portas dos infernos,
amor que galga o cume ao paraíso.

amor que dorme e treme. Que desperta
e torna contra mim, e me devora
e me rumina em cantos de vitória...



***



SONETO ANTIGO


Esse estoque de amor que acumulei
Ninguém veio comprar a preço justo.
Preparei meu castelo para um rei
Que mal me olhou, passando, e a quanto custo.

Meu tesouro amoroso há muito as traças
Comeram, secundadas por ladrões.
A luz abandonou as ondas lassas
De refletir um sol que só se põe

Sozinho. Agora vou por meus infernos
Sem fantasma buscar entre fantasmas.
E marcho contra o vento, sobre eternos

Desertos sem retorno, onde olharás
Mas sem o ver, estrela cega, o rastro
Que até aqui deixei, seguindo um astro.