sábado, 14 de março de 2015

ANTONIO NAHUD (1972 - )

Nasceu nas Terras do Sem Fim, em Itabuna. Teve forte influência do espírito cultural do dos anos oitenta (poesia, rock, MPB, teatro experimental, cinema independente, política, pop-art, literatura marginal). Iniciou-se na literatura aos quatorze anos, ganhando prêmios literários e publicando onze livros, entre eles “O Aprendiz do Amor” (1993), “Ficar Aqui Sem Ser Ouvido Por Ninguém” (1998), “ArtePalavra – Conversas no Velho Mundo” (2003), “Um Sentido para a Vida – Uma Biografia de Diógenes da Cunha Lima” (2004), “Se Um Viajante Numa Espanha de Lorca” (2005), “Suave é o Coração Enamorado” (2006), “Livro de Imagens” (2009) e “Pequenas Histórias do Delírio Peculiar Humano” (2012). Viajou meio-mundo, morando doze anos na Europa e atuando como correspondente dos jornais Folha de S. Paulo, A Tarde (BA) e O Tempo (MG). Entrevistou muitas personalidades, entre elas quatro prêmios Nobel de Literatura. Colaborou com revistas brasileiras (Cult, Continente Multicultural etc.), portuguesas (Focus, Veludo etc.) e espanholas. Publicou três livros em Portugal. Foi repórter da TV Manchete, assessor de comunicação da Petrobrás, produtor de peças e shows. Trabalhou em campanhas políticas, apresentou e dirigiu o programa de TV “Fina Estampa”. Participou de encontros literários, feiras e bienais no Brasil e na Europa. Mora em Natal, no Rio Grande do Norte, há cinco anos, onde atua como assessor de comunicação, produz atividades culturais diversas, edita a revista “Ícone – Turismo & Cultura no Nordeste” e os blogues www.ofalcaomaltes.com  (cinema clássico) e www.cinzasdiamantes.blogspot.com  (literatura e outras artes). Em 2012, recebeu o Título de Cidadão Natalense. Em 2013, seu “Pequenas Histórias do Delírio Peculiar Humano” ganhou o Troféu Cultura de Melhor Livro do Ano publicado no Rio Grande do Norte. 











A UM DEUS AZUL


Viajei de carro e de comboio, de navio,
de avião, e com meus benditos pés.
Continentes, planaltos, desertos.
Dormindo sobre fendas e abismos
com as feras a rondar a poesia
à vastidão da dor e da esperança.
Verão de aventura, amor, rebeldia,
nas águas profundas do nordeste.
Ao deus azul da juventude,
ergo a bandeira da liberdade
que ainda hoje reverencio.


***




OLHARES QUE AMO


Olhares são marés vivas
que cintilam no mundo.
Alguns há que assustam.
Outros, tão frágeis, suaves,
duram marcas profundas
na grande arena da vida.
São esses raros, delicados,
que amo.



COISAS


Reúno fragmentos de coisas.
Coisa é uma lua cheia,
os lugares e dias de sol e chuva,
contos de fadas e de dragões,
a solidão e monstros inquietos,
o rompante da natureza,
o silencio, o que nasce de nós,
perto, ao redor e tão longe.
Coisa como o êxtase dos versos de Hilda Hilst,
como um colar que se quebra,

pérolas tilintando a rolar pelo chão da delicadeza.




sexta-feira, 13 de março de 2015

VANESSA DE MELLO BRITO (1988 - )

Vanessa de Mello Brito é curitibana. Começou a escrever com 7 anos e nunca mais parou. Já deslocou a mandíbula bocejando e em 2006 foi homenageada pelo Centro de Letras do Paraná. É acadêmica de Direito da UFPR. Espera fazer alguma diferença neste mundo tão indiferente através de sua poesia, que pode ser encontrado no blog desassossego: http://vanessabrito.blogspot.com











Quarta-Feira de Cinzas




é
às coisas mal-amadas
sofridas
acabadas
que me apego.

sonetos sem métrica
cartas tétricas
dias em recesso

causas sem justiça
ordem e progresso
cheios de preguiça


***



relacionamento em três atos

Ao ver-te, queria amar-te
Amar é uma arte, ao sabê-lo.
Sem tê-lo, quis chamá-lo
Só de meu, mesmo ausente.

E então, fizemo-nos nós
Ao ter-me, fiz-me presente
Aqui, fiz-me um presente
Ao tê-lo sempre ao meu lado.

Embora sonho, consumado
Soube ateá-lo junto ao fogo
Em parte desse jogo
Tornei-me pesadelo.


***



Resumo



O que me irrita é o amor infinito pelas coisas finitas
A paixão erudita pelas coisas simplistas
O papel reciclado de palavras plenas
A mentira contida em quaisquer poemas

O haver no meu canto e em tudo que trace
O sofrer do meu pranto e em todo que nasce
Alvorada nascendo enquanto dormiam
E o sol já se pondo enquanto esqueciam

Na noite contida o silêncio que traz
Enquanto um espera, o outro que faz
A angústia daqueles já sem sofrimento
O desejo do antigo e manchado convento

A esperança do enfim já chegar a hora
O sabor do infinito que sempre demora
O aperto da mão e da palavra contentes
Esforço contido em toda as gentes

O desejo de um amor bem mais resistente
Que viva o apesar, o amanhã e o presente
A esperança de tudo ter ficado para trás
O desejo do sempre, do tudo e do mais.

HERMENEGILDO BASTOS (1944 - )

Nascido em Salvador, é Doutor em Letras (Teoria Literária e Literatura Comparada) pela Universidade de São Paulo. Concluiu o pós-doutorado na Universidad Nacional Autónoma de México, em 2004. Foi professor convidado da UNAM em 2003 e 2004. Atualmente é Professor Associado da Universidade de Brasília. Entre suas obras principais, encontram-se: A dança (1968), O Pássaro-Inspeção (1970), Autópsia de sombras (1997)... além de diversos trabalhos publicados na área do ensaio.











PREFÁCIO




1
o mito não de desvenda.
mas há outros véus ou metros — metros em si próprios.
véus são o claro e o obscuro.


2
o misterioso, véus sobre véus.
porém o mistério
(eu não canto)
penso
— véu original.


3
ó cidade lógica, horizontal.
lógico é o seu contorno,
aquela linha sobre o contorno, cartão-postal,
a linha da qual as formigas fogem.

4
metrificar, auto-pensamento.
e o drama
(ou epopéia? ou comédia?)
— a ânsia de uma geometria
porém da terra.


5
poesia, inacreditável simetria.
os futuros
(sua vegetal percepção)
sabem.

6
demasiado tudo.
humanas coisas, seu falar
demasiado.


30
do planalto central
eu medito o centro
         dentro e fora
porque as mãos independem,
e eu
não sou apenas
o que faço.


***


GALDINO OU A MORTE POR DIFERENTE

I

O final precedido pelo descuido:
“lesão corporal seguida de morte”
Outro final: a morte por cálculo:
no corpo estirado na pedra
os litros de fogo e álcool

Quem folheia o catálogo
da morte, e escolhe?
A morte por lapso, indiferença
a dele, a mais violenta
quando o corpo ao calor se encolhe


II

Os termos são:
1 — “O meio cruel”: a cama industrializada
com acabamento em chama
2 — “O motivo torpe”: o cinema
de bairro da agonia
3 — “A defesa impossível”:
na fuga sem pernas corre a lava

Queimado por esporte
inteiro morreu Galdino
tríplice morte


III

Pataxó eu também
sem bordunas, flechas
e outras mágicas
martelo as flautas
do réquiem:

ora igual, ora impossível
como reconhecer um homem
se só o ouvimos ao longe?
se só o vemos remoto, longínquo
como reconhecer um homem?
pelas vestes que protegem o corpo?
pelo corpo sem mais, em pele, queimado?
pelos gritos como palavras?

Um homem, como ele é por perto?
frente a si mesmo, cara a cara?
como reconhecer um homem, sua laia?

Indistinto é o homem?
Somos todos o tanto?
Ou nem tanto, ou só enquanto
o olhar fotografa e esquadrinha?


IV

À míngua, ou por excesso
ora igual e por isso distinto
ora distinto e então desigual

O jaez
faz
a diferença:
um homem não está pra se reconhecer
mas quem à dessemelhança
se reconhece



***


DEPOIS DE DRUMMOND


Ontem: “mercadorias espreitam-me”
               assim solenemente

Mas para ser sincero era recíproco
— ele também as espreitava
talvez mais jocosamente
ao infinito

Hoje deram o bote
já não há margem para espreitar
tudo é tediosamente excitante

A alma-corpo da mercadoria
clone sem máculas ou defeitos, o homem
enfim superior
colagem de mil pedaços
geneticamente selecionados
de inúmeros cadáveres
de onde se retiram os brilhantes
os catarros, ódio e outras imperfeições

Sem olhos, as coisas se espreitam